segunda-feira, março 31, 2008

A Família Savage

(The Savages, EUA, 2007)



Há tempos afastados um do outro, dois irmãos da família “Selvagem” do título original se reencontram para cuidar do pai (Philip Bosco), que sofre de demência e que foi recentemente expulso da casa no Arizona onde vivia há anos com a sua recém-falecida companheira pela família dela. O irmão (Philip Seymour Hoffman) ensina teatro numa universidade de segunda linha em Buffalo e tenta concluir um livro sobre Brecht. A irmã (Laura Linney) sonha em se tornar dramaturga, pleiteando bolsa de pesquisa junto a famosas instituições, como a Fundação Guggenheim, enquanto se vira em trabalhos temporários em Nova Iorque. Em comum, ambos, por volta dos quarenta anos, têm dificuldades nos relacionamentos amorosos e não parecem muito satisfeitos com as rotineiras vidas que levam, embora nunca comentem abertamente entre si. A reaproximação exporá as diferenças entre eles, especialmente na maneira de lidar com a velhice do pai rabugento, e servirá para dar novo rumo à vida dos dois. Ou quase. Mas, apesar de tudo e de todos, sobretudo do pai quase sempre ausente da vida deles e agora moribundo, nunca deixarão de serem irmãos, prevalecendo, entre brigas, discussões e abraços, o reencontro com os afetos fraternais, o apoio de um a outro.

Ora terno, ora irônico, sempre bem-humorado filme em que a direção sensível e elegante da também roteirista Tamara Jenkins se encarrega de evitar o melodrama rasgado que um tema como esse poderia render e, principalmente, os tiques comuns do cinema americano dito independente, além de valorizado pelas justas interpretações de Linney e Hoffman, sem sombra de dúvida, dois dos melhores e mais confiáveis atores da atualidade. Bom filme agridoce sobre os encantos, curtos, e os desencantos, prolongados, do cotidiano, belos atores, acima de tudo.

quinta-feira, março 27, 2008

Richard Widmark (1914-2008)



Como protagonista ou como coadjuvante em filmes de Elia Kazan, John Ford, Otto Preminger, Jules Dassin, Henry Hathaway, Don Siegel, Edward Dmytryk, etc., sempre um cara durão. Na foto, como o assassino psicopata Tommy Udo, em O Beijo de Morte (1947), de Hathaway, sua estréia nos cinemas e papel que lhe valeu a sua única indicação para o Oscar (a de melhor ator coadjuvante).

Chega de Saudade

(Brasil, 2007)



Numa única noite num clube de dança em São Paulo, pessoas de várias gerações se encantam, se enamoram, se desencantam, embalados por antigos sucessos do passado, nas vozes de Elza Soares e Marku Ribas. Há os que dançam com todas (Stepan Nercessian), há quem invoque com quem dança com todas (Cássia Kiss). Há o gordinho suado com quem ninguém quer dançar. Há quem quer dançar e não consegue companhia (Betty Faria). Há quem lamente já não poder dançar (Leonardo Villar) e que briga com a sua companhia (Tonia Carrero). Há ainda, dentre os da geração mais nova, a namorada (Maria Flor) do DJ (Paulo Vilhena) que se deixa embalar nos braços daquele da velha guarda que dança com todas, para desespero de seu jovem e irritadiço parceiro, que, por ciúmes, quase arruína com o ritmo da noite. No meio de tudo, um garçom serve a todos e a todos observa.

No salão de dança, entre o compasso dos passos e o descompasso dos sentimentos, entre o brilho do passado e a desilusão do presente, olhares são trocados, olhares são correspondidos, amantes que mal se conhecem roçam pernas na escuridão e num ritmo próprio, bilhetes vão e vêm de mesa em mesa e amores desfeitos são refeitos com poesia e paçoca. Outros talvez jamais se refaçam. Entre pernas e mãos que balançam e quadris que chacoalham, Laís Bodansky (O Bicho de Sete Cabeças), recorrendo a O Jantar, de Ettore Scola, e a Altman, só que com mais doçura, nos presenteia com uma crônica sensível e agradável sobre os velhos tempos nestes novos e efêmeros tempos, sem se deixar levar por uma nostalgia embolorada, típica de um filme como a do argentino Clube da Lua, e sem forçar na poesia, que surge espontânea dos lábios (e da lábia malandra também) do Eudes de Stepan Nercessian, o personagem que melhor sabe viver o “encanto do momento”, e faz este filme coral caminhar com muita desenvoltura e em tempo quase real entre os vários freqüentadores do baile, graças sobretudo à câmera fluida de Walter Carvalho que, felizmente, evita aqui o seu conhecido pendor para maneirismos e embelezamento vazio de outros trabalhos, como Amarelo Manga, encarregando-se de registrar pés, tatuagens, braços e sobretudo rostos enrugados dos participantes com a necessária melancolia e algum despojamento. Além, é claro, da montagem de Paulo Sacramento (O Prisioneiro da Grade de Ferro), que se encarrega de embalar o bom ritmo do filme na cadência das danças e da prosa, do samba, do tango, etc., dos personagens.

quarta-feira, março 26, 2008

O Sinal

(La Señal, Argentina, 2007)



Após a morte de Eduardo Mignogna, que escreveu o roteiro, baseado em seu próprio romance, o sempre competente ator Ricardo Darín ( Nove Rainhas, O Filho da Noiva, XXY), com a ajuda de Martin Hodara, assumiu bem a direção deste curioso O Sinal, um noir portenho de atmosfera fúnebre, já que se passa em lugares mais lúgubres da Buenos Aires dos anos 50, tendo como pano de fundo a agonia de Evita Perón. Enquanto os argentinos rezam por sua saúde debilitada, em flashback, o cínico detetive particular Corvalán (o próprio Darín) é contratado por uma sedutora e misteriosa mulher (Julieta Díaz) para seguir um sujeito suspeito, apesar dos avisos contrários de seu sócio Santana (Diego Peretti, de Tempo de Valentes), que desconfia que uma mulher dessas, uma femme fatale, é sinal de encrenca na certa (aliás, qualquer mulher traz encrenca, hehehe). No entanto, o cara aparece morto, e Corválan, antes mais acostumado a lidar com casos de infidelidade conjugal e de animais de estimação desaparecidos, agora passa a ser perseguido por mafiosos da pesada, vendo aumentar a cada dia a contagem de cadáveres ao seu redor. Ou seja, mergulha no inferno comum a muitos detetives de filmes noir de outrora.

Trama previsível e sem novidades, com as esperadas reviravoltas, traições e enfrentamentos no final, mas a atmosfera bem construída e a boa dinâmica entre a dupla central de detetives, na pista de corrida de cavalos, nos cafés e num jogo de sinuca, entre outros lugares - dinâmica essa levada até o último plano -, garantem o interesse deste filme, que é discreto, tem andamento cadenciado e atento aos detalhes em sua precisa reconstituição de época, reverente do início ao fim ao gênero. Mais um ponto para os argentinos.

terça-feira, março 25, 2008

Colossus: The Forbin Project

(EUA, 1970)



Em plena Guerra Fria, do alto de sua conhecida prepotência , o governo americano anuncia o lançamento de um supercomputador apelidado de Colossus e responsável por gerenciar todo o arsenal de mísseis nucleares do país, eliminando de setor tão estratégico as imprecisões do fator humano. Mas a Rússia também construiu o seu, The Guardian e, pior, as duas máquinas se comunicam numa linguagem própria, possuem uma acelerada capacidade de aprendizagem, adquirem autonomia, são impenetráveis e têm planos de dominação mundial. Em suma, um pesadelo que põe soviéticos e americanos lado a lado na luta para se evitar uma catástrofe global, assistidos pelo professor Forbin (Eric Braeden), cientista idealizador de Colossus e que passa a ser vigiado 24 horas (ou quase) pela sua ciumenta cria cibernética.

Uma peróla da ficção científica dos anos 70, produto típico de uma era repleta de filmes em que supersistemas autônomos concebido por seres humanos positivistas fugiam do controle, como O Enigma de Andrômeda, Síndrome da China e Westworld: Onde Ninguém Tem Alma, e cuja temática pré-cyberpunk decontrole do mundo pelas máquinas já antecipava Jogos de Guerra, a SkyNet da esplêndida cinessérie O Exterminador do Futuro e até Matrix. Apesar de envelhecido no hardware mostrado, a boa direção de Joseph Sargent ainda hoje garante firme a tensão em momentos como o do primeiro ataque nuclear ordenado por Colossus, visto dos telões da sala de controle, e o humor das cenas à Big Brother, quando o cientista Forbin se vê cercado por câmeras controladas por Colossus, que o observa constantemente até nos momentos mais íntimos. Também ainda impressionam os primeiros minutos em que o supercomputador é posto em funcionamento, com ótimo uso do CinemaScope. Aos poucos, suas enormes plataformas e torres encravadas no alto de uma montanha vão sendo visualizadas, com grande destaque para a materialidade das estruturas do sistema, concebido a princípio para acabar com todas as guerras, o que só se torna possível desumando-se toda a humanidade. Ou seja, só corroborava na época a opinião corrente até hoje de que o computador surgiu mesmo para resolver problemas que você nunca teve antes, além de criar outros mais complicados ainda.

segunda-feira, março 24, 2008

Delírios

(Delirious, EUA, 2006)



Depois de Johnny Suede (1992), Vivendo no Abandono (1995) e Uma Loira de Verdade (1997), o independente cineasta novaiorquino Tom DiCillo volta a dar estocadas verbais no mundo da fama e, principalmente, das fugazes celebridades que nele habitam, com seu característico humor, sarcástico e mordaz, na estória de um sem-teto, Toby (Michael Pitt), que sonha ser ator e por acaso se torna assistente do irritante paparazzo pobretão Les Galantine (Steve Buscemi), acostumado a invadir festas de celebridades em Manhattan, sobretudo para conseguir a sacolinha de lembranças, e que se orgulha, entre outros feitos notáveis, de ter apertado a mão de Robert De Niro (!), tirado uma foto de Elvis Costello sem chapéu (!!) e outra de Goldie Hawn almoçando (!!!). Juntos, conseguem fotografar uma celebridade recuperando-se de uma cirurgia para aumentar o pênis, o que rende a Les alguns benvindos trocados, e se aproximam de uma fútil cantora juvenil, K´Harma (Alison Lohman), em crise após o fim de um relacionamento e que simpatiza com o jeitão carente, ingênuo e desprotegido de Toby.

Bobo e esquecível, como quase todos os filmes de DiCillo, aqui apoiando-se mais uma vez na interpretação histérica de Buscemi, bom para encarnar tipinhos repulsivos e outrora alter ego do diretor no esperto Vivendo no Abandono, mas com boas alfinetadas aqui e ali neste singelo mundo de aparências, modas descartáveis e pessoas que nele se autoconsomem, e um final bastante irônico, digno de telenovela, além da boa presença de Pitt, da sempre atraente Lohman e de Gina Gershon como uma vampiresca e vaidosa agente de casting. Por mais grossos ou sofisticados que sejam os óculos ou as lentes das máquinas fotográficas usadas por seus protagonistas, eles poucos são capazes de enxergar além do próprio nariz. E, atenção, para quem for vê-lo nos cinemas, fiquem até depois dos créditos.

sexta-feira, março 21, 2008

Juízo

(Brasil, 2007)



Formalmente semelhante ao seu anterior Justiça (2004), a diretora Maria Augusta Ramos volta com ainda mais rigor a abordar a questão judical no Brasil. Só que aqui, em vez das Varas Criminais, aponta a sua demonstrativa e discreta câmera para audiências com menores infratores, julgados com severidade por uma espalhafatosa e moralista juíza da Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, chamando especial atenção para o abismo que separa o réu, em geral preto e pobre, das decisões e argumentos dos assim chamados operadores da lei (defensores públicos, promotores, juízes, etc.), durante os julgamentos bastante rápidos. Abismo sobretudo lingüístico, pelo jargão bacharelesco empregado pelos doutores e meritíssimos, cujas sentenças são recebidas com visível apatia pelos infratores, que parecem pouco entender o que é dito ali ou o significado de tais decisões para as suas vidas. Infratores substituídos, no contraplano, informa o filme logo no começo, por jovens não-infratores, já que a lei não permite que menores infratores sejam identificados, mas que passam pelas mesmíssimas condições sociais às dos personagens reais, breves encenações que nada prejudicam na veracidade do que é mostrado neste bom docudrama, já que todo o resto é bem real, especialmente o olhar de desalento dos familiares dos réus ou as conversas em tom jocoso entre os bacharéis após cada sentença proferida. Ao mesmo tempo, intercalam-se as audiências com imagens da instituição para onde são encaminhados muitos desses jovens, cujas precárias instalações pouco diferem das prisões convencionais, sobretudo pela maneira como são amontoados nas celas. Não admira muitos fugirem de lá depois. Mas, no fim, todo julgamento ou "juízo" dos absurdos e distorções aqui mostrados contra o menor (e permitidos pela severidade da anacrônica e desproporcional da lei brasileira) fica mesmo a critério do espectador.

quinta-feira, março 20, 2008

Um Homem para Todas as Interpretações



Sir Paul Scofield (1992-2008) como Sir Thomas More, em O Homem que Não Vendeu sua Alma (A Man for All Seasons, 1966), de Fred Zinnemann, filme com o qual este shakespeareano, contemporâneo de Richard Burton, ganhou o Oscar de Melhor Ator. "Give the Devil benefit of Law".

Ponto de Vista

(Vantage Point, EUA, 2008)



"May God bless America"


Alertado pelas centenas, quiçá milhares de críticas ruins de prestigiosos jornalistas culturais dessa nossa grande imprensa e por comentários parciais de blogueiros bem mais esclarecidos do que eu, juro que tentei não gostar deste filme de ação que, pelo trailer, se anunciava rotineiro, com cara de Super Cine e tal. Juro. Mas este sub-Bourne, com a correria típica de 24 Horas (uma missão a ser cumprida num espaço apertado de tempo) e traços de Rashomon em seu fiapo de enredo, apesar do mote da trama batidíssimo e do absurdo roteiro feito de encontros improváveis, em que pela enésima vez algum grupo terrorista radical teimoso e malvado tenta assassinar o presidente dos EUA (William Hurt), matando um monte de gente inocente no caminho, numa conferência global sobre terrorismo em Salamanca, Espanha, despertando como conseqüência a fúria dos valorosos e dedicados agentes americanos, é bastante movimentado e curto o suficiente para entreter uma preguiçosa tarde de sábado e evitar maiores aborrecimentos. O atentado, um tiro que atinge o presidente, seguido por uma violenta explosão, acontece logo no começo. Depois o filme, sem ser intricado, recua em sucessivos flashbacks para narrar os eventos anteriores que culminaram no momento fatídico, pelo ponto de vista de algumas figuras-chave, como um policial espanhol (Eduardo Noriega), um turista americano que filma tudo (Forest Whitaker), dois dos terroristas (a sensual israelense Ayelet Zurer, de Munique, e o bom ator francês Saïd Taghmaoui), um veterano agente do Serviço Secreto americano que acompanha a comitiva (Dennis Quaid) e o próprio presidente dos EUA. A cada recuo, uma reviravolta, uma nova traição, e o filme avança e finalmente engrena. Parece banal e é, já que a intenção aqui não é levar a dúvida, como em Rashomon, mas sim expor a cada momento desvelado uma peça do quebra-cabeça com absoluta certeza de encaixe até o movimentado final, mesmo tropeçando no roteiro. Mas a boa direção de Pete Travis, que nunca perde o fio da meada, e, principalmente, a ótima montagem a cargo do veterano Stuart Baird (de Superman – O Filme, A Profecia, US Marshalls – Os Federais) faz tudo caminhar direitinho, num pulsante e envolvente crescendo, sem a entropia da muito aclamada cinessérie Bourne, com seus zooms, caos visual, câmera ostensivamente tremida, fotografia modernosa de tons esmaecidos, etc., e os personagens são todos bem aproveitados dentro da estrutura da trama, à exceção de Sigourney Weaver, muito breve como a diretora de uma das emissoras que registra o atentado. Enfim, uma patriotada que dá para o gasto, dependendo do nobre gosto superior dos refinados e muito sabidos espectadores atuais.

quarta-feira, março 19, 2008

A Última Odisséia



Sir Arthur C. Clarke (1917-2008), escritor de ficção científica, autor, entre outros livros, do conto A Sentinela, que deu origem ao inesquecível filme 2001 - Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, do qual também foi co-roteirista.

Temos Vagas

(Vacancy, EUA, 2007)



Um casal em crise, cujos cônjuges já não se bicam e, pior, amargando a perda do filho pequeno (Luke Wilson e a sempre bela Kate Beckinsale), se perde numa estrada secundária. Para piorar, o carro deles quebra. Sem saber onde estão, são obrigados a passar a noite num quarto de um sinistro e deserto motel que encontram no caminho. No entanto, se agüentarem juntos por mais uma noite até a chegada do mecânico é o de menos, já que descobrem, por meio de fitas de vídeo deixadas lá, que o quarto onde se hospedam é todo vigiado por câmeras e usado como cenário de filmagem de snuff movies caseiros, tendo os pobres hóspedes como os protagonistas torturados até a morte pelo desagradável gerente (Frank Whaley) e seus amiguinhos dublês de cineastas de filme extremo.

Enxuto (menos de 90 minutos), com tensão construída aos poucos pelo diretor húngaro Nimród Antal, do bom e estiloso Kontroll (2003), que se passava inteiramente nos túneis do metrô de Budapeste, filme de visual cuidado, que, desde a abertura com seus elaborados créditos, evoca o perene trabalho do mestre Hitchcock, lembrando inclusive um episódio estendido da série Alfred Hitchcock Presents em sua trama concentrada, passada num único local, e elementos de Armadilha para Turistas (1979), principalmente nas máscaras usadas pelos agressores. Com alguns sustos, uma pena que quase tudo se dilua no final precipitado. E bem que poderia haver mais sangue, como num bom giallo, já que um argumento desses prometia. Ainda assim, os atores, a direção de Antal e a atmosfera tensa, com direito a uma fuga por túneis estreitos, elevam este thriller um pouco acima da mediocridade de tantas outras fitinhas atuais de terror e suspense. Nada de mais, mas diverte e deixa-se ver, sobretudo por causa de Kate.

segunda-feira, março 17, 2008

O Ultimato Wally

Cada Um com Seu Blogue

Caros Amigos, ou melhor, leitores da Bravo, freqüentadores deste espaço e companhia virtual em geral, direto das escarpadas montanhas da Garfagnana, na Toscana, ou melhor das antigas fazendas de Barão Geraldo, em Campinas, o professor Jorge Coli, da UNICAMP e do Mais! (ninguém é perfeito), orgulhosamente anuncia que finalmente aderiu ao mundo dos blogues. Nas palavras do próprio, se "tiverem tempo a perder", o endereço é este:
http://bravonline.abril.com.br/participe/blogs_listarpublicacoes.shtml?1316

Cada Um com Seu Cinema

(Chacun son Cinéma ou Ce Petit Coup au Coeur Quand la Lumière s'Éteint et que le Film Commence, França, 2007)



Cada com seu cinema ou cada um com seu futebol (no caso de Ken Loach), nesta coletânea de 33 curtas de três minutos cada, dirigidos por significativos cineastas consagrados, em homenagem aos 60 anos do pomposo Festival de Cannes e obviamente ao cinema em geral como arte, como lugar de exibição das grandes emoções, afetações, distúrbios psicossociais, lembranças e paixões afins, enfim, como celebração de uma trajetória pessoal. Cada curta com o estilo e, muitas vezes, com a cara de seu diretor, literalmente: o apocalipse de David Cronenberg (foto, um dos melhores); o humor bonachão do quase centenário Manoel de Oliveira, reinventando a História, com H maiúsculo; o niilismo nietzscheano de Lars Von Trier, aqui aplicando na prática a "filosofia do martelo" do bigodudo pensador alemão; o cinema e suas cortinas vermelhas como porta de entrada para o mundo de sonhos e, principalmente, de pesadelos de David Lynch; a comicidade dolorosa de Roman Polanski; o tipo excêntrico, rural e solitário de Takeshi Kitano; a nostalgia poética de Theo Angelopoulos, homenageando o 8 e 1/2 de Felllini; a nostalgia de butique de Claude Lelouch, homenageando os pais; o conhecido narcisismo de Youssef Chahine; o diário confessional e bem-humorado de Nanni Moretti, falando das idas ao cinema com os filhos; o cinema em tempos de guerra sem fim de Amos Gitai, tanto no passado como no presente, sobrepondo-se; o pai e filho de acento cockney à Ken Loach armando confusão na fila do cinema, decidindo-se entre o cinema e o jogo de futebol e irritando todo mundo, em outro bom segmento; os amores fetichistas feitos e desfeitos na sala escura, refúgio de solitários, de Wong Kar-Wai; o humor à Jacques Tati e crítico de Elia Suleiman; a sala de cinema como lugar de tolerância, de Billie August; o humanismo de Abbas Kiarostami, ao enquadrar somente o rosto e a reação de mulheres islâmicas comovidas diante da cena final de Romeu e Julieta, de Franco Zeffirelli, entre outros. Como era de se esperar, coletânea irregular, com alguns bons filmetes, outros nem tanto, como o de Walter Salles, que, apesar de engraçadinho e esforçado, é o mais "institucional" de todos, lembrando as propagandas e vinhetas do Governo Federal e seu apreço todo sentimental (e falso) a tipos populares, aqui representado pela simpática dupla de repentistas Caju e Castanha, e o de Jane Campion, com seu forçado simbolismo psicanalítico protofeminista, na estória de uma barata bailarina que é pisoteada num cinema. Ainda assim, um conjunto bastante agradável, em que se sobressai uma melancólica nostalgia em que o cinema, com suas grandes salas de milhares de poltronas, hoje decadentes ou fechadas, parecia ser de fato este tão nostálgico lugar de momentos inesquecíveis proporcionados por cineastas e atores míticos, como Bresson, Dreyer, Fellini, Mastroianni e Godard (escolhas óbvias até demais), algo, segundo quase todos os missivistas, aparentemente impossível de se vivenciar hoje em dia, sem se copiar, felizmente, o estilo lacrimoso, consagrado por Giuseppe Tornatore em Cinema Paradiso. Próximo projeto coletivo, já que os cinemas andam decadentes ou voltados demais para o consumo tipo multiplex: Cada Um com Seu YouTube!

sexta-feira, março 14, 2008

Sentença de Morte

(Death Sentence, EUA, 2007)



Do mesmo jovem diretor de Jogos Mortais (2004), mas felizmente sem os mesmos excessos e maneirismos visuais deste, um movimentado e eficiente vigilante movie, que atualiza a premissa básica da justiça com as próprias mãos de Desejo de Matar, baseando-se inclusive em livro do mesmo autor, Brian Garfield, acrescentado de nuances psicológicas e enriquecido por uma soturna atmosfera que remete instantaneamente ao clássico de Michael Winner. Aqui, é a vez de Kevin Bacon, como Nick, um bem-sucedido diretor de uma grande companhia de seguros e pai de família exemplar, ver seu filho mais velho e esportista promissor ser estupidamente assassinado durante assalto a um posto de gasolina por um delinqüente em processo de iniciação para ser aceito na gangue que comete o roubo. O assassino obviamente é solto. E obviamente Nick o mata, quase que instintivamente. Passa então a ser perseguido sem trégua pela gangue de tipos animalescos, numa escalada de violência e vingança mútua que destruirá o que restou de sua família e, sobretudo, de sua humanidade. Mas Nick, antes incapaz de segurar um revólver, não vai deixar barato, pois de tanto encarar o(s) monstro(s), torna-se ele um monstro também, só que cada vez mais armado e psicótico, mergulhado num pesadelo que não parece ter fim, em filme bem levado por James Wan, que conta com Kevin Bacon, excelente num papel bastante físico, e uma eletrizante perseguição, filmada quase sem cortes num edifício-garagem por uma câmera que desliza sem treme-treme pelas ruas e plataformas, como seus principais trunfos, além de participações de John Goodman, como o homem que arma Nick, e de Kelly Preston, que faz a esposa do todo certinho pai de família tornado justiceiro implacável. Enfim, assim como o recente Valente, de Neil Jordan, um filme matador.

quinta-feira, março 13, 2008

Dois Dias em Paris

(2 Days in Paris, França/Alemanha, 2007)



Enquanto flana mais uma vez por Paris, Julie Delpy dirige, escreve, edita, atua, compõe e ainda canta algumas das músicas da moderninha trilha sonora desta comédia romântica verborrágica, obviamente influenciada pelos trabalhos de Richard Linklater, sobretudo Antes do Pôr-do-Sol (2004), onde também co-escrevia e protagonizava. No entanto, aqui o tom é mais sarcástico, menos romântico na estorinha de jeitão indie de um casal descolado, a francesa Marion (Delpy) e seu hipocondríaco namoradinho americano Jack (Adam Goldberg, cria de Linklater, revelado no ótimo Jovens, Loucos e Rebeldes, 1993), com um relacionamento de dois anos já um tanto desgastado e que, após viagem à Itália, decidem passar dois dias em Paris antes de regressarem a Nova Iorque, onde moram. Filha de pais liberais e, especialmente seu pai, artista plástico erótico (Abert Delpy, pai de Julie), bastante lúbricos, mantém contato com os vários ex-namorados que encontra casualmente na rua, cumprimentando-os sempre com dois beijinhos, o que desperta os ciúmes quase doentios de Jack, um decorador hipocondríaco, barbudo, tatuado e obviamente malinha, apesar da aparência cool, obcecado por registrar todos os momentos da viagem com uma câmera fotográfica digital, embora a fotógrafa profissional seja ela.

Com alguns diálogos afiados na falação toda e outros bons momentos, como a visita ao túmulo de Jim Morrison sempre cheio de fãs extravagantes ou quando Jack, mesmo sem conhecer a cidade, explica a um grupo de estúpidos americanos fãs de Dan Brown como chegar ao Louvre, dando-lhes propositalmente as direções erradas, a bela Julie (aqui enfeiada e parecendo uma estudante universitária desleixada), apesar de francesa, cutuca sem dó os estereótipos de sua terra natal, como a comida esquisita dos “frogs”, as múltiplas neuroses dos parisienses, os taxistas racistas, os artistas jovens, culturetes e pretensiosos que povoam os distritos da Cidade Luz e, sobretudo, toda essa liberdade bem francesa para falar o tempo todo e descompromissadamente sobre sexo (e fazê-lo também quando der na telha, sem grilos ou quase), desviando a câmera dos pontos turísticos mais tradicionais e do clichê de Paris como cidade romântica, embora este curioso filme, agradável e divertido, não traga nenhuma surpresa em relação a tudo o que já foi visto no irregular filme-ônibus Paris, Te Amo (2006) e no supracitado trabalho de Linklater, terminando até de forma bem mais caretinha, ainda que o briguento casal deste filme se pareça mais com tipos reais que os dois jovens românticos idealizados do(s) filme(s) de Linklater. Ah, l´amour, toujours l’amour...

quarta-feira, março 12, 2008

Angel

(The Real Life of Angel Deverell, França/Reino Unido/Bélgica, 2006)



A conhecida colagem visual e de referências tradicionais de gêneros fílmicos de outrora, que François Ozon (re)utilizara com sucesso em filmes como Oito Mulheres e Swimming Pool, retorna aqui, depois do interlúdio mais assentado de O Tempo Que Resta. Neste seu primeiro filme inteiramente de língua inglesa, bebe direto na seiva do melodrama clássico à Douglas Sirk, ao narrar a trajetória, baseada em livro de Elizabeth Taylor (não a atriz, a escritora britânica), da Angel do título. Filha decidida de uma quitandeira humilde e dotada de imensa imaginação, torna-se escritora de sucesso de romances açucarados na Inglaterra do começo do século XX, vira dona de seu próprio castelo e conquista, ou melhor compra, o seu príncipe encantado, um artista esnobe, Esmé (Michael Fassbender), de origem aristocrática e que pinta seus nada coloridos quadros com traços modernistas em seu estilo ainda não muito bem aceito e compreendido pelos gostos vigentes da sociedade da época. A princípio adorável, com o tempo, Angel torna-se cada vez mais obsessiva em transpor as fantasias que imagina para o seu mundo, ignorando, de sua enorme mansão Paradise, os fatos concretos ao redor, algo nem sempre em sincronia com os desejos dos outros, especialmente com os de seu cada vez mais insatisfeito marido. Não raro também incorre a sua própria imaginação para reinventar-se como pessoa, criando peripécias mirabolantes que diz referir-se a acontecimentos ocorridos em sua vida.

Começando com um jeitão propositalmente antiquado, denunciado pelo uso ostensivo e artificial de back projection em alguns planos e pelas cores que remetem aos melodramas clássicos, revivendo-os, além da presença dos espelhos, marca registrada de várias obras de Douglas Sirk, como Sublime Obsessão e Palavras ao Vento, aos poucos, à medida que Angel vai se fechando em seu mundo de fantasia, que obviamente colide com a realidade, especialmente quando explode a Primeira Guerra Mundial e seu marido se alista e da qual volta mutilado, adquire tons mais sóbrios e soturnos, nada fantasiosos. E, como é típico na obra de Ozon, os relacionamentos, antes idealizados, vão se desgastando e se autoconsumindo com a convivência, sem possibilidade de redenção, além de expor nas entrelinhas certa tensão homoerótica no relacionamento entre Angel e sua secretária, irmã de Esmé, com fixação acentuada na escritora. Com ótimos coadjuvantes, como Charlotte Rampling, atriz fetiche de Ozon, e Sam Neill, arrasta-se um pouco à medida que se aproxima do final, que fecha o filme com uma clássíca tomada da fachada da mansão, vista numa panorâmica de baixo para cima, e nem sempre Romola Garai (de Feira das Vaidades e Desejo e Reparação, aqui morena) dá conta da complexidade de sua personagem-título, mas filme no todo elegante e bom de se ver, como os melhores filmes de época à inglesa.

segunda-feira, março 10, 2008

10.000 a.C.

(10.000 b.C., EUA, 2008)



"Ô meu, sai fora! Aqui não é a Era do Gelo não, mané!"

Embora se passe antes de Cristo, tá cheio de Cristo barbudo e com dreadlocks correndo atrás de mamutes peludões, neste filme de Roland Emmerich em que uma tribo de bons selvagens, sofrendo a escassez de alimentos, tem vários de seus membros seqüestrados e escravizados por maus selvagens. Ou melhor, pelos "civilizados" de unhas cumpridas e lápis nos olhos da nascente civilização egípcia, que, para erguer suas pirâmides faraônicas, capturam inclusive a órfã Evolet (Camilla Belle, de Quando Um Estranho Chama), menina de belos olhos azuis e consagrada pela feiticeira tribal como prenúncio de uma antiga profecia que vai livrar a tribo da atual situação de penúria, e que obviamente se cumprirá, já que o jovem e valoroso D'Leh (Steven Strait), filho de um caçador que abandonou a tribo e visto como um covarde por todos, parte para resgatá-la e assim provar que é capaz de segurar firme na grande lança branca de Tic-Tic (Cliff Curtis, de True Lies e Sunshine - Alerta Solar)!

Como bom alemão, Emmerich sempre curtiu um apocalipse e foi capaz de criá-lo até que bem, ao menos em algumas seqüências de filmes-catástrofe (ou catástrofe de filmes?) como Independence Day (1996) e O Dia Depois de Amanhã (2003). Aqui, no entanto, sem o mesmo grau de destruição, com vários elementos e referências já visualizados antes (e melhor) em Apocalipto (2006), efeitos especiais que fazem tudo parecer de mentirinha e um elenco sem nenhum carisma, em que até a gata da Camilla Belle está bem enfeiada, precisando urgente fazer uma escova nos cabelos, um espetáculo nada épico e pra lá de bocejante, prejudicado ainda mais pela monótona narração de Omar Sharif. No final das contas, há que se dar crédito mais uma vez ao ator, filológo,homofóbico, católico obscurantista, membro da Associação Nacional do Rifle (NRA), raivólotra assumido e cineasta bebum anti-semita Mad Mel Gibson: seu megalomaníaco Apocalipto, apesar de usar e abusar da câmera lenta e de referências chupadas de outros filmes, como Rambo e A Prova do Leão, é bem mais eletrizante. E nele o sangue jorra pra valer!

sexta-feira, março 07, 2008

Estamos Bem Mesmo Sem Você

(Anche Libero Va Bene, Itália, 2006)



Mesmo com alguns excessos, com um pé meio trêmulo fincado nos clássicos do neo-realismo da bota e outro, mais firme, no típico melodrama familiar à italiana, em que não faltarão lágrimas e ternura em seu comovente desfecho, o ator e estreante na direção Kim Rossi Stuart (A Chave de Casa, 2005) nos conduz com certa habilidade, através dos olhos tristes do menino Tommaso (Alessandro Morace, muito bem), ao dia-a-dia de uma família de classe média marcada pelo abandono rotineiro da mãe. Mesmo com a sentida ausência dela e mesmo alternando momentos de genuíno afeto com outros típicos de irritação e teimosia paternas, o pai (Stuart) consegue manter razoavelmente equilibrada a rotina familiar, enquanto trabalha como operador de steadycam em produções cinematográficas, tarefa que também exige equilíbrio, calma e habilidade. Ou seja, estão todos bem mesmo sem ela. No entanto, a mãe, um tipo emocionalmente desequilibrado, reaparece do nada, e o pai, um trouxa ainda apaixonado, a perdoa (mais uma vez). Mas Tommaso, que quer ser atacante de futebol do time da escola, sabe que isso não é para sempre, e o fantasma de um novo abandono acaba por se impor a todos e traduz-se em instabilidade à recém-reunida família, principalmente a seu irritadiço pai, sendo que o garoto é o que mais sofre neste processo cíclico de retorno/abandono e assim amadurece mais do que todo mundo, tendo a certeza de que os afetos que um dia pareciam estáveis, longos, terminam por solapar diante da onipresente ameaça da ausência, da perda. Se, no ninho da infância, acreditava na idéia de um lar como uma fortaleza contra as incertezas do mundo, seu olhar, com a passagem do tempo e mais maduro, traduz-se depois em angústia e resignação diante do despedaçamento familiar, ainda que não deixe de se agarrar ao que resta do teimoso afeto paterno e assim seguir em frente, só que agora como "líbero" (defensor), de acordo com a insistência paterna e com o título original do filme. Mas, para o conformado garoto, se for manter os cacos do que restou da família reunidos, "va bene" (está bom) assim mesmo.

quarta-feira, março 05, 2008

A Era da Inocência

(L'Age des Tenebres/Days of Darkness, Canadá/França, 2007)



Com algumas delirantes, outras nem tanto, fantasias envolvendo a bela Diane Kruger e o cantor Rufus Wainright, Jean-Marc (Marc Labréche) preenche seu cotidiano vazio de funcionário público franco-canadense de classe média desprezado pela mulher workhalic e pelas duas filhas que não largam de seus iPods e telefones celulares. Fantasias também um tanto vazias. A era das trevas do título original, oculta sob a estúpida tradução nacional, é a assunção da estúpida era das celebridades, da exposição contínua da vida privada e do conformismo e resignação da classe média e de sua limitada imaginação a ela, anuncia com toda a superioridade que lhe é característica o diretor Denys Arcand, dando um fecho aqui um tanto apressado e monocórdico ao falatório intelectualizado dos super-aclamados O Declínio do Império Americano (1986) e As Invasões Bárbaras (2003), pois Jean-Marc, no fundo, não passa de um pulha também, que não ajuda nenhum dos desvalidos que vêm lhe pedir auxílio na repartição pública onde trabalha e não há muito que fazer para ele ou para a sua vidinha a não ser continuar se refugiando neste seu universo paralelo. E assim o filme, ainda que com bons momentos, como a encenação de uma justa medieval em pleno século XXI, a mesma câmera fluida dos trabalhos anteriores de Arcand e o seu pungente final clamando uma silenciosa volta de Jean-Marc às origens, se mostra tão vazio quanto os sonhos de seu protagonista malinha, o que talvez não represente nenhum descompasso em relação às intenções do diretor. O vazio, o vazio, e os cacos ou as maçãs depois... ah, esses canadenses. Têm de tudo, se dão ao luxo de brincar de Ivanhoé vez ou outra e vivem reclamando. Humpf!

terça-feira, março 04, 2008

Jogos de Poder

(Charlie Wilson´s War, EUA, 2007)



Nos anos 80, um congressista americano do baixo clero, Charlie Wilson (Tom Hanks), beberrão e mulherengo, que gosta de se ver cercado por mulheres bonitas e inteligentes em seu gabinete, e uma rica socialite do Texas, Joanne Herring (Julia Roberts), típica representante da direita cristã americana, amante ocasional de Charlie nas festinhas beneficentes que promove em Houston. Juntos conseguem, com a ajuda de um estourado agente da CIA posto na geladeira (Philip Seymour Hoffman), aumentar de US$ 5 milhões para US$ 1 bilhão de dólares anuais a ajuda em armamentos e munição para os combatentes mujahidin contra as forças invasoras soviéticas durante a guerra então travada no esquecido Afeganistão, além de costurarem sigilosamente uma habilidosa e improvável aliança entre países rivais como Israel, Arábia Saudita, Egito e Paquistão no apoio à causa afegã. Uma guerra então pouco comentada, mas que deu trabalho aos soviéticos e cujo desgaste da derrota e da retirada ajudou a acelerar a derrocada do comunismo soviético pelo mundo. Finda a guerra, finda a ajuda. O país mergulha no caos, com os desdobramentos que se conhecem hoje em dia, sob a sombra sinistra do pós-11 de setembro. Por isso, a cena final diante da bandeira americana, que abre e fecha o filme, tem um gosto de amarga ironia, além do que o seu patético triunfalismo patriótico possa sugerir à primeira vista para alguns desavisados.

Ainda que não no mesmo nível dos de um David Mamet (Mera Coincidência), diálogos afiados, excelentes atores e, sobretudo, direção precisa do veterano Mike Nichols (A Primeira Noite de Um Homem, Ânsia de Amar, Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, Ardil 22, Closer), que sabe como ninguém orquestrar o timing cômico de seus simpáticos intérpretes, sem afetação, tornando o assunto explosivo e a árida prática política que o acompanha num ritual de gestos, conversas cotidianas quase banais, mas sempre divertidas, agrados aqui e ali em certas autoridades. Política feita nos bastidores, num ofurô em Vegas, na cama ou na banheira dos amantes, numa boate no Oriente Médio, nos gabinetes de Washington, enxugando-se copos de uísque. Gestos que se entrelaçam e acabam por determinarem decisões, que, se certas ou erradas, só o tempo dirá. Enfim, filme sarcástico do início ao fim e que consegue tornar seus tipos um tanto intransigentes ou paranóicos (como o personagem de Hoffman) em seres bastante simpáticos e divertidos. Ao menos, mais simpáticos que nossos mensaleiros, legisladores de causa própria ou parlamentares neopuristas mancos da Língua Portuguesa, né, Aldo?

segunda-feira, março 03, 2008

Rambo IV

(Rambo, EUA, 2008)



Em algum lugar remoto nas selvas da Tailândia, estava quieto em seu lugar o bom e velho veterano do Vietnã, John Rambo (Sylvester Stallone), quando alguém vem mais uma vez perturbar a paz que desfrutava junto a suas cobras e serpentes. Desta vez, um grupo de teimosos missionários americanos que, munido apenas de boas intenções humanitárias, Jesus no coração e nenhum armamento, pede-lhe que os conduza rio acima com o seu barco para uma aldeia na vizinha Myanmar, país em guerra civil, governado por uma longeva e brutal ditadura militar. Rambo, após certa relutância, cumpre o que promete, apesar de alguns violentos percalços. E lá os missionários, como era de se esperar, são capturados pelos militares locais liderados por um malvadão, bigodudo e caricato oficial pedófilo, não sem antes massacrarem com requintes de crueldade a vila inteira, não poupando mulheres, crianças e até bebês, nas mais gráficas cenas há muito não mostradas no cinema. Pelo menos, num cinema mais convencional, desses de shopping. Sem perder tempo, Rambo é novamente contatado para retornar ao local, agora conduzindo um grupo de mercenários nervosinhos com a missão de resgatar os missionários seqüestrados, que estão sendo dados de alimentos aos porcos. E aí a conhecida máquina de guerra desperta em John Rambo e ele lança toda a sua fúria contra os militares genocidas, rasgando gargantas com as próprias mãos, aniquilando-os com o seu arco-e-flecha ou, melhor ainda, fatiando-os como ninguém com uma poderosa metralhadora giratória, em icônicas imagens que retomam os filmes anteriores. O sangue, os pedaços de corpos arrancados, os membros decepados tornam o filme um espetáculo literalmente visceral, como poucas vezes se vê por aí.

Rápido, enxuto, sem firulas e bem conduzido pelo próprio Stallone, especialmente nas cenas de ação, que, abrindo mão da sutileza nos diálogos ruins e agora sem politicagem ou jingoísmo, dando ênfase ao individualismo resignado do herói, não economiza na violência, na forma crua e direta de mostrá-la, num espetáculo de força bruta e gore que tem mais em comum na carga de violência explícita com os seus sangrentos imitadores ou antecessores italianos que com os outros filmes da série e que será marcante e nostálgico para muitos ou detestável ou aborrecido para outros tantos. Mas, dando as costas para a platéia, Stallone/Rambo conclui de forma até catártica e bem satisfatória a saga de seu sofrido veterano e assim despede-se de todos, como na cena final, que retoma o percurso inverso ao do primeiro filme, de 82, ao som do marcante tema musical de Jerry Goldsmith.