quarta-feira, janeiro 31, 2007

Dreamgirls - Em Busca de um Sonho

(Dreamgirls, EUA, 2006)



Primeiro o encantamento, depois a desilusão. Assim, tradicionalmente, segue a trajetória do trio de “garotas do sonho”, de operárias e candidatas desconhecidas de concursos de novos talentos dos bairros negros da Detroit dos anos 60 até o sucesso nas paradas, primeiro como backing vocals do egocêntrico soulman James “Thunder” Early (Eddie Murphy, em interpretação atípica), depois como The Dreams, alçadas ao estrelato pelo ambicioso empresário Curtis Taylor Jr. (Jamie Foxx), que, de concessão, exigências e puxadas de tapete, vai se revelando o canalha de sempre dessas histórias. Uma das garotas, Effie (Jennifer Hudson), a então líder e alma do grupo, após turbulento affair com o pragmático Curtis, deixa o trio e mergulha na miséria. Outra, a menos talentosa e mais sensual Deena (Beyoncé Knowles), vira a estrela e casa-se com Curtis, que assume o controle de sua vida. É o preço da fama, em que uns são usados e depois passados para trás, e bem à maneira de Curtis que, com muito dinheiro e influência, detém as chaves do reino do sucesso e não se importa de usar os mesmos métodos dos brancos na apropriação de talentos e músicas de outros, inclusive de amigos.

Essa trajetória de altos e baixos segue, no entanto, acelerada, em ritmo de soul music e R&B, neste excelente musical de Bill Condon, adaptando o homônimo da Broadway, que por sua vez era inspirado na história real do grupo Supremes, com um elenco irreprochável, como a estreante Jennifer Hudson, que, dissidente do grupo durante a ascensão, ofusca o brilho de Jamie Foxx e da esplendorosa Beyoncé Knowles. Na montagem dinâmica que Condon (Deuses e Monstros, Kinsey) empresta ao filme, intensificando as elipses e a constante movimentação da câmera nos momentos mais feéricos, os fatos políticos que agitaram a América dos anos 60 e 70, como segregação racial, Martin Luther King, John Kennedy, a Guerra do Vietnã e os distúrbios raciais em Detroit são também habilmente entrecruzados com o estrelato das garotas, o que dá á película certo estofo e profundidade que, garantem alguns, não havia no palco.

Muitas (boas) canções, afinal é um musical, em que as partes mais dramáticas também pedem o canto, o que vai desagradar muita gente. Mas a vibrante performance de Hudson e também de todo o elenco, especialmente Murphy, e a direção criativa de Condon vão um pouco além do caminho comum de muitos melodramas de “meninas-do-interior-que-querem-conquistar-o-mundo-pelo-showbizz-e-quebram-a-cara-mas-que-mantêm-a-dignidade-no-fim-das-contas” e fazem do filme um hit. No final da sessão, champanhe e outras elegâncias servidas aos que compareceram à pré-estréia no Cinemark Iguatemi. Infelizmente, sem a presença de Beyoncé Knowles.

terça-feira, janeiro 30, 2007

Pecados Íntimos

(Little Children, EUA, 2006)



A melancolia perene dos subúrbios ricos da América com um final mais alentador, ma non troppo, onde as “criancinhas” do título original são os adultos eternamente infelizes que, entocados nesse universo que se fecha sobre si mesmo, passam o dia a fofocar maldades no playground ou na piscina pública, a formar, entre uma partida e outra de futebol, patrulhas para atazanar supostos molestadores, a masturbar-se na Internet ou simplesmente preencher o vazio do casamento ou da existência com relações adúlteras. Nenhuma novidade, mas boa atmosfera no uso de close-ups, que acentua ainda mais esse ambiente claustrofóbico, e justas interpretações, como as de Kate Winslet, uma esposa adúltera inspirada em Madame Bovary; de Patrick Wilson, como Brad, o marido de Jennifer Connelly e também “dona-de-casa”, que se envolve com Winslet e observa, com nostalgia infantil, o dia-a-dia de skatistas diante da bilioteca onde deveria estar estudando para prestar (ou protelar mais uma vez) o exame da ordem dos advogados; além de Jackie Earle Haley como a trágica figura do molestador infantil, ele mesmo uma criança desamparada de 40 anos, cuja atuação rende momentos de asco e também de ternura, sobretudo quando contracena com a mãe (Phyllis Somerville), sua única companhia. As crianças de fato são meio que deixadas de lado pelos pais, ou servem mais de pretexto para promover a aproximação ou o afastamento entre os indivíduos.

Invariavelmente os personagens se cruzarão, uma certa tensão se faz presente em cada cena, nos olhares, nos gestos, convergindo para o desfecho conformista e não tão satisfatório. Mesmo assim, a narração plena de ironia trata de fazer o contraponto com as imagens de lares e seres arrumadinhos só na aparência, num mundo de onde parece não haver escapatória ou alívio, nem pelo adultério, e que o diretor Todd Field calmamente trata de impregná-lo com os mesmos tons sombrios de seu filme anterior, Entre Quatro Paredes (2001).

segunda-feira, janeiro 29, 2007

The Marx Brothers Show

The Mirror Scene. Duck Soup (1933), directed by Leo McCarey.

Poder Além da Vida

(Peaceful Warrior, EUA, 2005)



Trama de superação de atleta machucado (no caso, um ginasta) típica de telefilme baseado em fatos reais. Só que aqui num tom meio sobrenatural e que tem início com um pesadelo. Jovens rapazes, atléticos, filmados desnudos. Um misterioso guru de posto de gasolina meio mestre chinês, meio grego, que atende pelo sugestivo nome de Sócrates, igual ao filósofo condenado à morte por corromper garotinhos na Grécia antiga. Algo a ver com Victor Salva, o diretor de filmes fantásticos como Energia Pura (95) e Olhos Famintos (2001) e que também foi condenado por molestar um adolescente do elenco de seu já antigo Clownhouse (1988).

Coincidências à parte, a direção de Salva transcende o lado do discurso motivacional que impregna a narrativa com belas construções visuais, tom intimista centrado mais no treinamento interior do atleta e na superação de suas fraquezas humanas que na competição, momentos surrealistas e atuação destacada de Nick Nolte como o guru que faz o ginasta insone e egocêntrico Dan Millman (Scott Mechlowicz) a pacificar o seu “guerreiro interior” e assim realizar com mais convicção e concentração espetaculares façanhas olímpicas, mesmo após um acidente de moto ter estraçalhado a sua perna direita. Enfim, com ecos de Karatê Kid, falsa espiritualidade, bom cinema.

Momento Elio Gaspari

O recém-anunciado com pompa Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê ampla desoneração tributária, o que certamente implicará em onerar amplamente outros setores, sobretudo o bolsinho da patuléia. Não vão mexer no gargalo da Previdência. Não é um PAC, Programa para Alcançar a China, como sonham alguns. É um PACtóide. Nesse ínterim, mais reuniões interministeriais, mais grupos de trabalho, mais definições sobre o nada, mais papelada e papeluchos, mais estagnação e mais quatro anos de parolagem. Enquanto isso, China, Índia, México, Rússia, Argentina, Venezuela, Turquia e até o Peru avançam.

domingo, janeiro 28, 2007

The Office - Primeira Temporada

(The Office - First Season, EUA, 2005)



(Re)ver a primeira temporada completa da versão americana da série The Office, em DVD pobrezinho de extras e com o excelente Steve Carell como o chefe mané que constrange a tudo e a todos, só reforçou a minha eterna impressão de que adultos não passam de crianças crescidas com mesadas maiores, ainda que muito mais carentes, e o local de trabalho, um playground movido a café. Oito horas muito difíceis, mesmo. Mas hilárias.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

L'amour, toujours l'amour!

Num cinema pornô, aposentados asmáticos
Contemplavam, sem acreditar,
As carícias mal filmadas de dois casais lascivos;

Não havia história.
Aí está, eu disse para mim mesmo, o rosto do amor,
o autêntico rosto.

Alguns sedutores seduzem sempre,
e outros flutuam.

(by Michel Houellebecq, em A Busca da Felicidade)

E um bom fim de semana a todos! Ou a ninguém!

Aniversário de São Paulo

Com algum atraso, uma bela homenagem de José Simão na Folha de hoje à aniversariante São Paulo ( e aos paulistanos, sobretudo):

Paulistano gosta tanto de São Paulo que comemora o aniversário longe da cidade.
Paulistano é assim: passa o tempo todo reclamando: "Tô estressado, tô estressado, preciso viajar". Aí vai viajar e estressa todo mundo. Rarará.
Se a comida demora: "Tá vendo, se fosse em São Paulo, a comida já teria chegado". Se fura o pneu: "Se fosse em São Paulo, o borracheiro já teria chegado". E já teria mesmo.
E só em São Paulo que chega carteiro em segunda-feira de Carnaval. Rarará.
O bom de São Paulo, isso eu repito sempre, é que tem 879 peças, 420 filmes, 80 shows e você grita: "OBA! Vou ficar em casa!".
Ou seja, você fica em casa por opção. E não por falta de opção!

Rárará!

Apocalypto

(Apocalypto, EUA, 2006)



O idílio dos nativos pré-colombianos dura pouco. Numa caçada logo no começo, indício de uma praga que anda dizimando povoados assusta Pata de Jaguar (Rudy Youngblod), o jovem caçador. Em seguida, a civilização maia vem cobrar seu preço na forma de sacrifícios humanos. Pata de Jaguar salva a sua família, mas é levado prisioneiro. A sua aldeia é dizimada, corações são arrancados e cabeças rolam do alto da pirâmide do templo, para delírio da multidão. Antes, uma travessia perigosa como nos filmes de King Vidor e uma longa e minuciosa seqüência descrevendo os costumes da metrópole yucateca, de volúpia decadente. Verdade histórica? Não, a verdade do cinema, de som, imagens e fúria, que não é a mesma verdade da vida.

Pata de Jaguar escapa. A caçada do prelúdio vira caçada humana. E caça vira caçador. A besta se funde ao homem e, na fuga, a câmera de Mel Gibson corre com ele, acompanhando seu martírio em ritmo frenético. As imagens borram-se e Pata de Jaguar se confunde com as folhagens. O que parecia Rapa Nui com sacerdotes que remetem aos faraós de Cecil B. DeMille vira Caçado, vira Rambo. Pata de Jaguar agora está incorporado à selva, à sua selva, onde quer continuar caçando com seu filho. Mergulhado na lama, funde-se à terra, também. Aos poucos, uma profecia que antes ganhara voz no sombrio discurso de uma menina doente vai se materializando. É o começo do fim da civilização dos yucatecas, conforme assinalado na epígrafe de Will Durant que abre a narrativa. Outra civilização avança para cobrar seu preço, eclipsando a dos maias, literalmente. E agora em definitivo.

Uma narrativa toda visual, imagens de encher os olhos e muito, mas muito sangue do tipo “olho por olho, dente por dente” jorrando em câmera lenta, marca registrada de Mel Gibson, num mundo como nunca antes se viu retratado nas telas do cinema. Que bom selvagem que nada!

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Ama-me ou Esqueça-me

(Love me or Leave Me, EUA, 1955)



Com ecos de Nasce uma Estrela (1954), de George Cukor, um retrato pouco simpático da meteórica (e real) ascensão da cantora Ruth Etting (interpretada por Doris Day, atípica), então dançarina acompanhante de uma espelunca, que se aproveita da proteção do gângster Martin Snyder (James Cagney, explosivo), dono de várias lavanderias na Chicago dos anos 30 e inúmeros contatos no show business, para brilhar em outros palcos. Mesmo apaixonada pelo pianista John Alderman (Cameron Mitchell), também seu professor de canto, casa-se com Snyder, que vira seu empresário, e vai brilhar em Nova Iorque na famosa casa de espetáculos Ziegfeld Follies e depois no resto do país. Rica, com a carreira em alta e casamento em baixa, recebe o convite para estrelar um musical em Hollywood, onde reencontrará Alderman, reacendendo antigas paixões e também a fúria possessiva de Snyder, loucamente apaixonado por ela e que não aceita perdê-la.

A louríssima Doris Day, apesar de dançar e cantar com seu timbre característico (e belas pernas, diga-se), pouco lembra aquela atriz de filmes românticos que colocariam nela o estigma de a “eterna virgem”. Aqui ela é enérgica, um tanto dissimulada e oportunista, que sabe se aproveitar dos homens quando bem lhe convém, apesar da carinha doce de boneca de porcelana.

Ainda que pontuado por famosas canções que “comentam” a trajetória de Ruth e mesmo sendo da MGM, o filme é mais um drama sombrio, com toques noir e personagens tridimensionais, que um frívolo musical, dirigido com habitual elegância por Charles Vidor (Gilda, 1946). Há até uma cena que sugere estupro, além de o alcoolismo da personagem de Ruth ser evidente nas entrelinhas. Mas quem se destaca é mesmo o baixinho Cagney, uma figura trágica, incapaz de compreender os sentimentos dos outros ou até mesmo os seus e que, na última cena, com um mínimo de gestos e filmado de costas, demonstra uma grandeza notável em finalmente admitir que foi passado para trás.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Déjà Vu

(Déjà Vu, EUA, 2006)



Inimigo do Estado encontra Minority Report. O mesmo senso de voyeurismo e correria do primeiro, só que, ao contrário do segundo, as imagens exibidas em potentes telões vêm do passado e não do futuro. E que fazem Denzel Washington, um agente federal, se apaixonar por uma mulher que já morreu e querer alterar o curso de acontecimentos já transcorridos. A felicidade só existe no passado para ele. De quebra, no fiapo de história, a missão maior de evitar um atentado terrorista na devastada Nova Orleans e presenças ilustres de Val Kilmer e Jim “Jesus” Caviezel.

Premissa absurda, cheia de furos, que ainda brinca com os paradoxos do tempo à maneira de O Exterminador do Futuro e similares, mas bem levada por Tony Scott, aqui num registro menos saturado e mais consistente que Domino ou Chamas da Vingança. No geral, filme divertidíssimo. E Denzel, à vontade, torna tudo incrivelmente possível, até uma dupla ressurreição.

terça-feira, janeiro 23, 2007

Perfume: A História de um Assassino

(Das Parfum: Die Geschichte eines Mörders, Alemanha/França/Espanha, 2006)



...as pessoas podiam fechar os olhos diante da grandeza, do assustador, da beleza, e podiam tapar os ouvidos diante da melodia ou de palavras sedutoras. Mas não podiam escapar ao aroma. Pois o aroma é um irmão da respiração. Com esta, ele penetra nas pessoas, elas não podem escapar-lhe caso queiram viver. E bem para dentro delas é que vai o aroma, diretamente para o coração, distinguindo lá categoricamente entre atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio. Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas.

Patrick Süskind – O Perfume


Neste nicht so gut drama de época, na tentativa de abarcar todo o romance do tedesco Patrick Süskind, com as reviravoltas e toda a erudição da trama, sua essência (a obsessão de um serial killer), digamos assim, fica um tanto diluída na longa duração. Mas o começo é muito forte, registrando em flashback o nascimento do perfumista Jean-Baptiste Grenouille (Ben Wishaw) em meio a peixes estragados e vísceras de animais podres no fétido mercado de Paris do século XVIII, de onde é levado para um orfanato e onde descobrirá uma apurada capacidade para distinguir odores. Mais tarde é vendido para trabalhar num curtume e depois como aprendiz do perfumista italiano Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman). De lá, parte para Grasse, na Provença, terra da lavanda, para aperfeiçoar-se na arte da enfleurage, alimentando uma obsessão doentia de descobrir a essência do amor que possa ser engarrafada. Como nenhum requinte existe sem perversão, a matéria-prima dessa fórmula será obtida a partir da essência extraída de belas jovens por ele assassinadas, o que colocará a região em estado de pânico e forçará o mercador local, Antoine Richis (Alan Rickman), a fugir com sua linda filha de olhos azuis e cabelos vermelhos, ou melhor, ruivos, Laura (Rachel Hurd-Wood), obsessão maior de Jean-Baptiste, que a seguirá por meio de seu desenvolvido olfato até um final de transe coletivo.

É forte também na ambientação e elegante nas belas composições visuais, que lembram Théodore Gericault, Rembrandt e o fotógrafo americano Spencer Tunick, entre outros. Mas quadros sozinhos não sustentam um filme inteiro, em que claramente transparece a mão pesada do produtor Bernd Eichinger (A Queda, A Casa dos Espíritos, O Nome da Rosa, O Quarteto Fantástico) no andamento convencional da história (com narração em terceira pessoa, reiterativa, que explica o que as imagens já mostram) e na direção meio frouxa de Tom Tykwer, que também colaborou com a trilha e o roteiro e que pouco lembra aqui o cineasta que um dia fez o pós-moderno e ritmado Lola Rennt (98). De qualquer forma, uma película mais para ser vista que sentida, que deve agradar sobretudo aos fãs puristas (e intransigentes) do best seller e cujo final remete diretamente ao admirável clássico De Repente no Último Verão (1959), de Joseph L. Mankiewicz.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

As Aventuras de Azur e Asmar

(Azur et Asmar, França/Bélgica/Espanha/Itália, 2006)



Fábula de Michel Ocelot (Kiriku e a Feiticeira, Príncipes e Princesas) sobre uma fada lendária aprisionada que, ao ser resgatada por um príncipe, o concederá como recompensa a sua mão em matrimônio, o que leva Azur, europeu branco, loiro e de olhos azuis, e Asmar, sarraceno trigueiro, de cabelos e olhos escuros, a partir como rivais na mesma jornada e se confrontarem. Embora tivessem sido criados quase como irmãos por Jenane, ama-de-leite de Azur e mãe de Asmar, a intransigência do pai de Azur um dia os separará, ao expulsar injustamente a babá de casa, motivo de grande ódio para Asmar. Adulto, Azur partirá para o mundo de Asmar, do outro lado do mar, em busca da fada perdida, numa viagem que será também de reencontro, reconquista de afetos e de novas amizades, além da aventura proporcionada, um espetáculo à parte de imagens e sons, perfeitamente integrados.

Mais lenta que as animações habituais americanas, como se nota logo na primeira e graciosa seqüência, e de impressionante simetria nos cenários, que cintilam e enchem a tela (e os olhos) de cores e padrões geométricos cuja inspiração vem diretamente da arquitetura mourisca fundida com a tapeçaria européia medieval, especialmente quando Azur chega à terra dos sarracenos, além das ótimas caracterizações, é uma fábula também sobre tolerância e alteridade, sintonizando dramas do passado com inquietações atuais, num mundo imaginário que só pode existir mesmo como conto de fadas, atemporal, longe das eternas assimetrias e conflitos de nossa era.

domingo, janeiro 21, 2007

Babel

(Babel, EUA, 2006)



O mundo fala várias línguas, ainda que entre alguns o idioma seja o mesmo. É árido no Marrocos, tumultuado no México, estroboscópico no Japão, intransponível na América. É cheio de barreiras: físicas, como o muro que separa os iguais dos diferentes, no México, ou emocionais, entre marido e mulher, no Marrocos, ou entre pai e filha, no Japão, onde às vezes o melhor é não falar nada.

Mas, para além da lingüística e da geografia, é bressoniana a idéia inicial deste Babel, de Alejandro González Iñárritu. Um pouco como L´Argent (1983), o objeto do mal aqui é um rifle, que é passado de mão em mão, de um canto a outro do planeta, trazendo conseqüências catastróficas para todos ao seu alcance. Ela, no entanto, se dilui um pouco nos desdobramentos dramáticos de suas três narrativas que se cruzam, alguns, de fato, tensos e exasperantes; outros, nem tanto. Mas ainda assim, tem algo a mostrar. Na globalização, Cate Blanchett sangra e o mundo agoniza.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

A felicidade não pode viver no presente

A vida é uma constante mentira, quer nas coisas pequenas como nas grandes. Quando nos faz uma promessa, não a cumpre, a não ser para mostrar-nos que era pouco desejável o nosso desejo.

Da mesma maneira nos engana a esperança quando não se realiza o que esperávamos.

E se a vida cumpre o que nos prometeu, é só para nos tornar a tirar.

A beleza do paraíso, que à distância admiramos, desaparece logo que nos deixamos seduzir. A felicidade está no futuro, ou no passado; o presente é uma pequena nuvem escura que o vento impele sobre a planície cheia de sol. Diante e atrás dela, tudo é luminoso; só a nuvem é que projeta uma sombra.
(by Arthur Schopenhauer)

E um bom fim de semana a todos!

Three

(Saam Gaang, Coréia do Sul/Tailândia/Hong Kong, 2002)



Três diretores. Três histórias de terror. Terror oriental, com pias, elevadores e vultos de mulher cabeluda na primeira estória (“Memories”, da Coréia), bonecos amaldiçoados típicos do teatro tailandês e que causam mortes e incêndios, na segunda (“The Wheel”), e uma obsessão amorosa, beirando a necrofilia na última (“Going Home”). De todas, a terceira, de Peter Ho-Sun Chan, também produtor, é de longe a melhor, narrando a crença do protagonista (Eric Tsang) de que sua falecida mulher (Eugenia Yuan) irá reviver algum dia, após o uso intensivo de ervas da medicina chinesa. Para isso, ele mantém seu corpo inerte conservado em um apartamento de Hong Kong, agindo como se ela ainda estivesse viva, num prelúdio mais mórbido de Fale com Ela (2002). Desconfiado, um vizinho (Leon Lai), à procura de seu filho, descobre o segredo e, todo amarrado, observa impotente a mórbida rotina do marido e todo o ritual para manter íntegro o corpo dela até a ressurreição.

Essa obsessão ganha ares trágicos, comoventes, auxiliada pela ótima utilização de ária da ópera Carmen, pela fotografia quase monocromática de Christopher Doyle, sem falar da fina direção de Peter Ho-Sun Chan, que impregna a história de intensa e assustadora melancolia. No fundo uma história de amor em que o amor é mesmo prelúdio para a morte. Não se vive sem ele e morre-se ou deixa-se morrer por ele.

Mais tarde, este projeto seria retomado por Peter Ho-Sun Chan em Three... Extremes (2004), reunindo outra trinca de diretores consagrados: Fruit Chan (Hollywood Hong Kong), Park Chan-Wook (Oldboy) e o venerável Takashi Miike (Audition).

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Democracia Americana

O adultério é a democracia aplicada ao amor.
(by H.L. Mencken)

Uma Noite no Museu

(Night at the Museum, EUA, 2006)



Um guarda noturno (Ben Stiller, típico) com um grande “L” de “Loser” grudado na testa e que se relaciona melhor com múmia de faraó, estátuas de cera e animais empalhados do Museu de História Natural de Nova Iorque que com seu filho ou outros complicados seres de carne e osso. Ele, adulto, após um início tumultuado em seu novo emprego no museu, insere-se aos poucos num universo próprio da imaginação de crianças, com índios, miniaturas de caubóis e romanos briguentos e outros bichos e estátuas que misteriosamente ganham vida à noite no local, neste Jumanji protagonizado por gente grande. Num momento liliputiano, resolve uma contenda entre romanos e heróis do velho oeste e ainda apela para a psicanálise sobre traumas infantis para acalmar um “huno”, momentos depois. Sua colega de trabalho, a guia do local e historiadora interpretada por Carla Gugino, também demonstra certa afinidade por vultos do passado, fascinada que é pela figura de uma índia de cera encerrada numa vitrine, objeto de sua tese de doutorado que a mantém longe das complicações de seres reais. Algo no filme parece alertar, ainda que brevemente, sobre os relacionamentos dessa geração de 30 anos para cima, que às vezes insiste em não crescer ou busca refúgio em universos menos gregários, distante das pessoas. Ao final, dá-se um jeito de conciliar essas duas realidades. De resto, é um filme de férias, à maneira de Shawn Levy, encobrindo tais inquietações que possam existir com (os esperados) bons efeitos especiais, um ritmo de parque de diversões, que acelera ainda mais na divertida meia hora final e ainda conta com presenças ilustres de Steve Coogan, Owen Wilson, Robin Williams, hunos e dos veteraníssimos Dick Van Dyke e Mickey Rooney, o hiperativo ator infantil de filmes dos anos 30 e 40.

Como curiosidade, Ricky Gervais, da série britânica The Office, faz o diretor do museu, tratando Stiller com característica posição de superioridade. Já no episódio inaugural da ótima série Extras (2005), também criada, produzida e estrelada por Gervais, era Stiller quem tratava Gervais com subserviência, interpretando a si mesmo como um diretor de cinema todo estrelinha, que humilhava o figurante Gervais sempre que tivesse a oportunidade, papéis invertidos aqui neste Museu não sem certa ironia.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

O ano Courbet na França



Le Sommeil ("O Sono"), de Gustave Courbet (1819-1877), o maior pintor realista do século XIX e um dos maiores pintores de todos os tempos, aqui encantado com os mistérios femininos em suas formas voluptuosas.

Máxima

A pior forma de solidão é a companhia de um paulista.
(by Nelson Rodrigues)

Mongolian Ping Pong

(Lu Cao Di, China, 2005)



Foge, mas nem tanto, do exótico da paisagem da Mongólia, das danças, dos costumes dos pastores locais, inalterados desde os tempos de Genghis Khan, ao centrar foco nas brincadeiras das crianças nas áridas estepes onde vivem os nômades. Crianças como todas as outras, que criam um mundo próprio, imaginativo, afastado da realidade dos adultos, que entram mais para puni-las ou enganá-las. Nesse universo infantil de regras particulares, uma bola de pingue-pongue trazida pelo riacho intrigará os garotos, que partem pelo deserto tentando devolvê-la a sua origem. Viverão típica jornada aventuresca e de descobertas, culminando na cena final na China, que mostrará só o necessário para traçar o destino do protagonista, Bilike (Hurichabilike). Ao mesmo tempo, a modernidade vai se infiltrando aos poucos num lugar que antes parecia parado no tempo, por meio de um jipe que corta a paisagem, da câmera fotográfica que registra a família de Bilike diante de cenários falsos, da TV que nunca funciona direito e da própria bolinha. Presta-se tributo ao cinema iraniano e, sobretudo, ao neo-realismo dos italianos na maneira de filmar as crianças neste filme de belas imagens de Ning Hao e feito para agradar em cheio ao público chique de Mostras. E a outros, também.

terça-feira, janeiro 16, 2007

Hail to the Brits!



By Jove! Os atores da ilha vencedores do Globo de Ouro 2006: Jeremy Irons, Emily Blunt (foto), Bill Nighy, Hugh Laurie, Sacha Baron Cohen e a rainha Helen Mirren (duas vezes!). Porque os britânicos são e continuarão sendo os melhores atores de todos os tempos. Always. God save the Queen!

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Congratulations, Dr. House!



Vejam a cara de felicidade do doutor Gregory House (aka Hugh Laurie) ao receber pela segunda vez consecutiva o Globo de Ouro de Melhor Ator de Série Dramática. Bah!

Quando Hollywood Dança

(That’s Dancing, EUA, 1985)

Documentário da MGM que, nove anos depois, segue a trilha aberta pelo sucesso das muito auto-elogiosas compilações anteriores, Isto Era Hollywood (1974) e Isto Também Era Hollywood (1976), em que o produtor e diretor Jack Haley Jr. prestava entusiasmada homenagem aos musicais da era de ouro do cinema americano, especialmente os da MGM, claro. A diferença é que aqui, com foco mais na dança e menos entusiasmo, sai um pouco do território da Metro, ao incluir cenas antológicas de extravagâncias de outros estúdios, como RKO, Universal, Warner Bros. e Fox. En passant, e já que abre com um “moderno” número de break em Nova Iorque, também aborda alguns musicais dos anos 70 e 80, como Os Embalos de Sábado à Noite (1977), Fama (1980) e Flashdance (1983). Aí, empalidece um pouco, pois em comparação com as monumentais coreografias de áureos tempos, estes filmes mais parecem exercícios acrobáticos, e dos bem básicos. Ainda assim, oferece um panorama e tanto de um gênero outrora popular e que hoje é visto não com poucas sobrancelhas erguidas, devido a sua muitas vezes enganosa frivolidade.

Dividido em segmentos, com boa edição, apresentação de Gene Kelly e participações especiais de Sammy Davis Jr., que narra a ascensão do sapateado nas telas, Mikhail Baryshnikov, que apresenta a dança clássica, e Liza Minnelli, que fala das adaptações dos musicais da Broadway dos palcos para as telas (hoje o caminho é o inverso), entre outros, o filme mantém o mesmo tom laudatório, hiperbólico, chapa branca, etc., dos anteriores, mas sem se esquecer da nostalgia. Também não há como ser de outra forma em se tratando do excepcional número de sapateado com centenas de dançarinos geometricamnente dispostos em Caçadoras de Ouro (Gold Diggers of 1935), do gênio de Busby Berkeley, ele mesmo merecedor de todo um segmento. Ou então, das irresistíveis performances de Fred Astaire em Na Roda da Fortuna (1953), Gene Kelly e Donald O’Connor em Cantando na Chuva (1952), Cyd Charisse e suas pernas em Meias de Seda (1957), Roy Bolger em cena inédita de O Mágico de Oz (1939) ou James Cagney em Canção da Vitória (1942), não é mesmo?

domingo, janeiro 14, 2007

A Menina e o Porquinho

(Charlotte´s Web, EUA, 2006)



Não caminha tão bem quanta a famosa animação da Hanna-Barbera dos anos 70 este filme de Gary Winick. Às vezes lembra Babe (1995), e não por culpa da história. Mas os bichos, como não poderia deixar de ser, são todos interessantes, especialmente a aranha Charlotte, que faz de tudo para evitar o triste destino do porquinho Wilbur de virar bacon ou torresminho, ao tecer uma teia de afetos que ligará os animais do estábulo aos seres humanos da fazenda e do condado. Garantem vários momentos de humor e ternura. Já os humanos, bem menos, mesmo a protagonista, a menina Fern (Dakota Fanning), protetora de Wilbur. Ainda assim, o final é emocionante e consegue captar a essência do querido clássico da escritora E.B. White. Lenços, por favor.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Bandeirantes do Norte

(Northwest Passage, EUA, 1940)

Uma aventura colonial às antigas. Ou seja, que narra em vivas cores de Technicolor uma missão cujo objetivo é arrasar uma tribo indígena hostil, a dos Abenakis, e assim abrir rota para os colonizadores britânicos seguirem até o Pacífico e Oriente, pela mítica passagem noroeste, em um território da América colonial dividido entre índios e franceses, os maus, e ingleses e americanos, os bons. Ou seja, um horror aos olhos moderninhos dos multiculturalistas e politicamente corretos de hoje. Especialmente o momento do massacre, filmado com notável realismo para a época e atenção aos detalhes por King Vidor (que aqui co-dirige o filme com Jack Conway). Na história, baseada em livro de Kenneth Roberts, o encarregado da tarefa é o major Robert Rogers (Spencer Tracy), líder de um exército de bandeirantes especialista em missões adentrando territórios inexplorados. A eles, se junta Robert Young como o jovem idealista Langdon Towne que, expulso de Harvard por aptidões demasiadamente artísticas para tão sisuda instituição, impedido de casar-se com sua amada (Ruth Hussey), também por causa de aptidões artísticas (ou falta de dinheiro, mesmo), e encrencado com as autoridades de sua cidade, foge com um antigo conhecido (Walter Brennan) e, no caminho para Albany, trombam com o exército do rigoroso Rogers. Partem para o noroeste e Langdon torna-se então o cartógrafo da tropa, ainda que contra a sua vontade, pois preferia pintar índios e não matá-los.

Dura jornada, mas cheia de aventura em regiões pantanosas, com inimigos sempre à espreita, emboscadas, escassez de comida, traição entre colegas e outras adversidades que vão tornando a tropa um amontoado de esfarrapados. Há uma grande cena em que empurram os barcos montanha acima, pela terra, muito antes de Fitzcarraldo, e outra memorável em que atravessam a nado um rio cheio de corredeiras. Para cumprir essas tarefas, contam com a ajuda do sempre motivador major Rogers, que parece ter o dom da retórica de um pastor missionário e de tal ímpeto que de fato empurra os homens (ou ovelhas) pelos vales, que resistem dias sem comer, e faz feridos e mutilados caminharem longas distâncias. Não à toa, Moisés e uma passagem bíblica são mencionados em seu discurso improvisado, que torna até convincente, graças à eloqüência espetacular de Tracy, o milagre que acontece no final.

Milagre, pregação, senso de aventura, interior da América profunda e sua formação, enfim território muito conhecido para o diretor texano do clássico Hallelujah! (1929) e do sensual Duelo Ao Sol (1946).

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Dias Selvagens

(A Fei Jing Juen/Days of Being Wild, Hong Kong, 1991)



O amor começa de repente e acaba de repente. Começa nos detalhes, nos pequenos objetos de evocativa afeição, como um relógio. Assim, em um minuto está formado o laço que une Yuddy (Leslie Cheung) e Su Lizhen (Maggie Cheung), nos primeiros momentos deste Dias Selvagens, segundo longa de Wong Kar-Wai. Pouco depois se desfaz. Yuddy recusa-se a casar com ela. Ela o deixa. Curto o amor, longo o esquecimento, como disse uma vez Pablo Neruda e como acabamos aprendendo na marra. Pior para Su Lizhen, que ainda gosta dele, um boa-vida misógino. Tentando recuperar objetos deixados com ele, que agora se aproveita de Mimi (Carina Lau), uma dançarina impulsiva, ela acaba conhecendo um compreensivo policial (Andy Lau), que faz ronda noturna perto da casa de Yuddy. Iniciam uma conversa que vai pela noite. Por acaso, um novo laço se forma, mas mais frágil ainda. Ela combina de ligar para ele quando estiver aflita ou solitária. A partir daí, todo dia diante da cabine telefônica ele esperará pela ligação dela, que não vem. Ele então parte para virar marinheiro, seu sonho de infância. Nas Filipinas, esperando o navio, encontra Yuddy, que abandonara Mimi para ir em busca de seus verdadeiros pais, pois descobrira que havia sido adotado e, criado a vida inteira por uma prostituta, sempre teve um sentimento pouco lisonjeiro em relação às mulheres, levando uma vida de indiferença que eventualmente afetará todas as pessoas que cruzarem seu caminho. Assim um novo laço se estabelece, de amizade com o ex-policial agora marinheiro, mas que também durará pouco e terminará tragicamente, numa longa viagem de trem, que será também uma viagem de despedida.

Belas as cenas em que Maggie passeia com Andy Lau à noite, a sós, pelos trilhos dos bondes de Hong Kong. Bela a cena da chamada não atendida na cabine telefônica, no final do filme. Bela a última cena com Tony Leung. Enfim, é Kar-Wai exercitando seu estilo que levaria ao paroxismo mais tarde, em Amores Expressos (1994), Amor à Flor da Pele (2000) e, sobretudo, em 2046 (2004). O lirismo, no entanto, é o mesmo de seus trabalhos subseqüentes. Câmera passeando por corredores, música nostálgica na trilha sonora, ambientação sessentista e saudosista, portas se abrindo, portas se fechando, mulheres filmadas a partir dos pés, muito fetiche nos planos-detalhes, o cinema da parte pelo todo. É um Truffaut moderno, mas para quem o amor não se concretiza plenamente (mesmo em Truffaut também não era pleno, enfim), pairando intangível entre os seres que flanam ao acaso, se encontram, se afastam, "in the mood for love”, e presente essencialmente nos detalhes, que levam a lembranças que são mais permanentes que o simples minuto mostrado pelo relógio, na imagem recorrente dessa narrativa de amores expressos, muito bem fotografada por Christopher Doyle.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Yvonne De Carlo (1922-2007)



No cinema, a "Rainha do Technicolor" (dos cerca de 100 filmes que rodara, só quatro eram em preto-e-branco), em especial Zipora, a esposa de Charlton Heston, ou melhor, Moisés em Os Dez Mandamentos (1956), de Cecil B. DeMille. Na TV, a monstruosa Lilly Munster, de Os Monstros.

80 Jahre alt!



Há exatos 80 anos, estreava em Berlim Metropolis, de Fritz Lang. Sobreviveu a Hitler, aos nazis, à guerra, às inúmeras mutilações e restaurações, ao Queen. O que mais pode ser dito? Wunderbar!

O Amor não Tira Férias

(The Holiday, EUA, 2006)



Inverossímil, intragável. Direção frouxa, frouxa de Nancy Meyers, que se detém demais em seu script, filmando-o página por página, sem maior inspiração. O elenco é o maior destaque, mas não dá para engolir esta perfeição toda do personagem de Jude Law, por exemplo: viúvo, acento britânico, homem das letras (poesia, by Jove!), galã, pai de duas filhas lindas, que às vezes chora e que chega de repente batendo na porta da produtora de trailers Cameron Diaz, ela americana, solitária, recém-separada, carente, num lugar um tanto ermo no interior da Inglaterra. Ou nem tanto, afinal só está a quarenta minutos de Londres e não dá para ir muito longe numa ilha como a Inglaterra, não é mesmo? Mas, divago. Na estorinha, Cameron troca de casa com a inglesa Kate Winslet, outra alma de coração partido (para variar!) que vai para Los Angeles, onde conhece o também ultra-simpático Jack Black, músico sensível que já entra em cena ouvindo a estrategicamente colocada música do prestigioso Cinema Paradiso, e um roteirista veterano inspirado em Billy Wilder, o melhor personagem em cena, interpretado por Eli Wallach, e que cita o tempo todo cenas e passagens de filmes como Jejum de Amor e A Oitava Esposa do Barba Azul. Tenta-se a partir daí estabelecer um paralelo entre as comédias românticas antigas e a atual. A diferença é que nas antigas, como em Jejum ou Núpcias de Escândalo, o casal perfeito do final se odiava desde o primeiro instante e, até unirem as escovas de dente, guerreavam-se sem trégua. Aqui, nada feito. Tudo é certinho demais, bonitinho demais, arranjado demais, caminhando para um final sem surpresas e, por isso, a química entre os novos casais acaba não convencendo.

Prefira o antigo Holiday (1938), de George Cukor, recém-lançado como O Boêmio Encantador, que felizmente nada tem a ver com este The Holiday e trazia o autêntico Cary Grant, o que veio de Bristol, não o de Surrey mencionado erroneamente no filme de Meyers.

E começa o ano



Carlo Ponti (1912-2007) foi produtor de O Desprezo (1963), Doutor Jivago (1965), Blow-Up (1966), Um Dia muito Especial (1977), entre outros. Sua maior conquista, porém, sempre foi e sempre será Sophia Loren, com quem se casou em 1957 e teve dois filhos, passando a perna em ninguém menos que Cary Grant.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Você é tão Bonito

(Je Vous Trouve Très Beau, França, 2005)



Comédia romântica à francesa. Ou seja, um tanto chauvinista e com um protagonista para lá de rabugento. Nada de Jude Law aparecendo de repente para Cameron Diaz, num lugar isolado. Pior, o "galã" aqui é um provinciano típico, interpretado por Michel Blanc (Meu Marido de Batom, Um Homem Meio Esquisito, Estressadíssimo, Beije quem Você Quiser), muito mais chegado à companhia das vacas e galinhas de sua fazenda que das pessoas ou de sua própria mulher, e que após enviuvar procura urgente por uma nova esposa que cuide do lar, acima de tudo. Para facilitar a busca, recorre a uma agência matrimonial. Da mesma forma que em O Albergue (2005), descobre que o Leste Europeu, sobretudo a Romênia, está cheio de mulheres jovens que, para fugir das condições difíceis do país, aceitam qualquer traste como marido, dizendo à mais infeliz e feia das criaturas coisas do tipo “você é tão bonito”, desde que, claro, esta criatura leve-a dali e venha da França, Alemanha, Suécia ou qualquer outro país rico com alta taxa de suicídios. Sendo o amor secundário em sua busca, já que está mais a fim de uma dona de casa que lave a roupa sem afogar o gato, limpe a casa, prepare o jantar e encha a geladeira enquanto ele ordenha as vacas, Michel Blanc, ou melhor, Aymé aceita de pronto (ou “compra”) uma romena prestativa e doce (Medeea Marinescu) que, como diria um de seus amigos, é a mulher ideal, pois “jovem, bonita e quieta”, ou algo assim. Mas ela tem outras expectativas. Conflitos surgirão.

O resto, todo mundo já sabe. Alguns esparsos comentários visuais sobre a solidão de viúvos, mas que também é um pouco da solidão de todos hoje em dia, a boa fotografia e a ótima presença de Michel Blanc, que rende agradáveis momentos de riso, tornam o filme da estreante Isabelle Mergault um pouco menos superficial que de costume. Mas não mais que isso.

Melhores do ano, de qualquer ano

Melhor Livro: O Mundo como Vontade e Representação, Arthur Schopenhauer (“as dores do mundo, eternas”).

Melhor Série: The Office, versão americana.

Melhor Filme: O Novo Mundo, Terrence Malick (“Venha, espírito! Ajude-nos a cantar a história de nossa terra”).

Melhor CD: Brahms – The Piano Concertos 1&2, Nelson Freire/Riccardo Chailly/Gewandhausorchester (Universal).


Lembrete: A cerimônia de premiação do The Lord David Fucking Best Awards 2007 dar-se-á no castelo (na verdade, um apartamentozinho) deste que vos escreve, no próximo dia 15 de janeiro, audaciosamente concorrendo com o menos disputado Globo de Ouro 2007. Presenças confirmadas: Brahms, Beethoven, Bach, a foto de Terrence Malick e alguns pesos de papel de The Office animarão a festa, que terá ainda um muito chique buffet de paçoquinhas e outros aperitivos à base de Listerine. Traje: formal, informal ou pijamas ou calção da Adidas, whatever. Schopenhauer avisou que prefere ficar em casa, sofrendo e sofrendo. Mesmo assim, imperdível! Ou, então, vai ver o Globo de Ouro, vai!

segunda-feira, janeiro 08, 2007

A Glória de Amar

(That Forsyte Woman, EUA, 1949)

Errol Flynn, em papel atípico, estrela este melodrama sombrio da MGM, que tenta com moderado sucesso condensar o livro Man of Property, primeira parte de The Forsyte Saga, de John Galsworthy, retrato da burguesia ascendente na Inglaterra do final do século XIX e de suas infelicidades, sobretudo conjugais. Aqui, Flynn é Soames Forsyte, o “homem de posse” do título do livro, advogado bem-sucedido de uma emergente família londrina, que após apropriar-se de quadros, casas e propriedades finalmente “assume” a posse de Irene (Greer Garson), professora de piano de cabelos vermelhos, ou melhor, ruivos, e rosto dos mais cândidos. Isso depois de muita insistência. Mas Irene, ainda que mulher liberal, só se rende à união com Soames por segurança financeira, como muitas ladies fazem ainda hoje. Por isso, não demora, e seu coração começa a pulsar pelo arquiteto pobretão, Philip Bossiney (Robert Young), que está prometido para a sobrinha de Soames, June Forsyte (Janet Leigh). Irene, no entanto, está disposta a enfrentar a reprovação social dos esnobes londrinos, largar Soames, a quem nunca amou de fato (será?), e procurar seu caminho em outro lugar, com ou sem o suposto amante. Em Paris, por exemplo. Só que acaba magoando June, que se vinga denunciando a Soames um encontro furtivo entre os dois, com desdobramentos trágicos. Toda a história é narrada pela ovelha negra da família e pai de June, Jolyan (Walter Pidgeon), pintor fracassado, que mesmo afastado há tempos dos inúmeros eventos sociais dos Forsyte, acompanha a tudo e a todos de perto e, também, claro, se enamora à primeira vista de Irene, ajudando-a mais tarde. Só que conquistar a mulher que se ama, como sói acontecer, é um outro problema, e que nada tem a ver com dinheiro ou posse. Mesmo hoje em dia.

Uma produção e tanto, com cenários exuberantes, figurinos indicados ao Oscar e bom uso do fog londrino, constantemente relacionado a essa zona nebulosa característica dos sentimentos humanos, mas que se precipita em sua parte final, quando tenta resolver rapidamente toda uma série de laboriosos conflitos. Mas, mesmo com as esperadas simplificações no enredo, retém boa parte da essência do livro na atmosfera evocativa e em muitos dos diálogos, sobretudo quando Flynn, elegante, e Garson, muito bela, estão em cena, assim como em cena-chave entre Garson e Robert Young, revelando uma notável química entre os dois. Faltou, no entanto, um Joseph L. Mankiewicz no set, cineasta que filmava “falas” como ninguém, para que o filme atingisse a estatura de um clássico. Ainda assim, este filme do pouco notado Compton Bennett é uma bela introdução ao romance detalhista de Galsworthy, escrito sob a clara influência de autores (Flaubert, Tolstói, etc.) que tanto se esmeraram em contar histórias de famílias infelizes. E infelizes “cada uma a sua maneira”.

domingo, janeiro 07, 2007

Curto e grosso

Trabalho que dê prazer tem que ser ao mesmo tempo trampante e trepante. O resto é pura punhetação.

sábado, janeiro 06, 2007

A Menina e o Porquinho

(Charlotte´s Web, EUA, 2006)



Não caminha tão bem quanta a famosa animação da Hanna-Barbera dos anos 70 este filme de Gary Winick. Às vezes lembra Babe (1995), e não por culpa da história. Mas os bichos, como não poderia deixar de ser, são todos interessantes, especialmente a aranha Charlotte, que faz de tudo para evitar o triste destino do porquinho Wilbur de virar bacon ou torresminho, ao tecer uma teia de afetos que ligará os animais do estábulo aos seres humanos da fazenda e do condado. Garantem vários momentos de humor e ternura. Já os humanos, bem menos, mesmo a protagonista, a menina Fern (Dakota Fanning), protetora de Wilbur. Ainda assim, o final é emocionante e consegue captar a essência do querido clássico da escritora E.B. White. Lenços, por favor.

Diamante de Sangue

(Blood Diamond, EUA, 2006)



Guerra civil, genocídio, facões, mutilados, refugiados, crianças empunhando metralhadoras, Aids. Enfim, o horror africano de cada dia, desde os tempos de Conrad. Aqui, com Leonardo DiCaprio como um “africano tranqüilo” e um sotaque estranho. Alguma ação e muita parolagem do tipo “Save the Africa”. Já foi feito antes, já foi feito melhor, ainda que sem a linda Jennifer Connelly. O filme chamava-se Falcão Negro em Perigo (2001), de Ridley Scott. Este, cinema de verdade.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Oy vey!

Niggun Atik
Uma Antiga Melodia

Se suas lágrimas vertem à noite como um rio,
Minha alegria, eu poderia queimar como palha
Minha cama, se você tem febre, irá aquecer-te,
Posso cobrir-te, dormir no chão.

Se você sente falta de juntar-se à dança
Eu tocarei até que as cordas do arco todas quebrem
Se é um presente de aniversário o que você cobiça
Minha vida é sua, amor, é só pegar.

Se é pão ou vinho o que você quer
Cabisbaixo, ficarei a espera impassível
Até que tenha vendido meus olhos no mercado
E então minha querida possa beber e comer.

Mas se quando eu não estiver com você
e você sorrir e festejar sem pensar,
Eu acabarei com a proteção sobre você
Com raiva moldada em ciúmes.

Nathan Alterman (1910-70), poeta israelense

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Em Direção ao Sul

(Vers le Sud, França/Canadá, 2005)



Tristes trópicos. Triste filme. Em meio à trama que versa sobre turismo sexual para mulheres de meia idade no Haiti de Baby Doc, há muita verdade nos depoimentos de três delas, especialmente no da doce americana Brenda (Karen Young). Ou, em certo momento, no de Albert (Lys Ambroise), conformado gerente do hotel em que elas se hospedam, e cuja fala vai no sentido oposto ao das imagens mostradas. Charlotte Rampling, a abelha rainha do grupo e grande presença em cena com seus profundos olhos azuis, encarrega-se de uni-las e também de afastá-las na disputa em torno do negro local preferido de todas, Legba (Ménothy Cesar), ser que paira entre a aparente boa vida no resort e a convulsiva realidade política e social do país. De resto, o bom diretor Laurent Cantet (A Agenda), num olhar amargo, registra sem ser panfletário o Haiti miserável de sempre, ainda que de belas praias, sensual, ensolarado, possuidor de toda uma natureza exuberante que é indiferente às almas, ricas ou pobres, brancas ou negras, que ali sem distinção se auto-imolam. Os afetos que unem todos no começo, os separam mais tarde. Desejando o paraíso, essas mulheres dão de cara com o inferno, disseminado aqui e ali nas relações interpessoais não destituídas de racismo ou de inveja e ciúmes e na violência cotidiana que, aos poucos, vai se infiltrando até no mundo dos mais abastados. Ao final, movendo-se em águas suaves, sempre “em direção ao sul”, ao Éden sexual buscado pela solitária Brenda, seu olhar permanentemente melancólico parece contrariar a natureza otimista de seu pensamento. Uma imagem que, enfim, persiste.

Eragon

(Eragon, EUA, 2006)



“É melhor pedir perdão que permissão.”
(máxima filosófica de Lorde Brom, ou melhor, Jeremy Irons em Eragon)

Depois de um breve interlúdio sem muita vontade de escrevinhar e um tanto deprimido por toda essa alegria “contagiante” de final de ano e seus efeitos, algo compensado em parte pelo uso indevido do MasterCard (“não tem preço”), Lorde David retorna para tecer algumas platitudes sobre a fantasia Eragon, de forma a manter este pouco lido espaço funcionando.

Tudo de ruim já foi dito sobre o filme. Eu sei, é derivativo demais de Star Wars a Senhor dos Anéis (que já era uma derivação da mitologia dos nibelungos) e Harry Potter, o galã é fraco, as batalhas não empolgam, etc. Nunca me entusiasmei muito com Harry Potter ou Anéis. Nem por este oportunista Eragon, baseado no romance do adolescente Christopher Paolini. Ainda assim, deixe-me então falar um pouquinho das coisas que funcionam neste filme, vai.

First things first, os efeitos, por exemplo, são bons e bem utilizados. Nada daquela bagunça em CGI muito evidente em produções atuais do gênero. A heroína, Sienna Guillory, é gostosinha e o dragão quando nasce é bonitinho, até. Quando adulto, vira a voz da sabedoria, ou melhor, de Rachel Weisz, e se torna o melhor personagem em cena. Para compensar o protagonista inexpressivo , temos ainda Jeremy Irons, grande ator, relegado ultimamente a papéis secundários pouco notados, aparecendo aqui com mais expressividade e humor como Brom, o mentor de Eragon, para quem dá conselhos como o da máxima acima, ensinamento que dito num belo sotaque britânico soa profundo o suficiente para que Lorde David leve-o também em consideração e com a maior seriedade daqui para frente em sua vida. E a saga, concentrada em pouco mais de uma hora e meia do camponês Eragon, o primeiro “cavaleiro” destinado a montar dragões e que se vê envolvido na luta contra o rei Galbatorix (John Malkovich, no piloto automático), tirano que controla a Terra Média do filme, Algaësia, ganha até momentos de western, no registro das paisagens.

Interessante que, na história, de mitologia menos complexa, o dragão só nasce para seu cavaleiro. E se o cavaleiro morre, morre também o dragão. Uma lealdade incondicional, que poderia ganhar contornos poéticos se fosse mais explorada no filme, que corre rápido até a batalha final sem novidades, prevendo continuação que não deve haver. Se tivesse uma direção mais firme que a do estreante Stefen Fangmeier, um sub-Ron Howard da Industrial Light and Magic, e o roteiro descolasse um pouco de suas matrizes originais, o filme poderia até ter a personalidade de um futuro candidato a guilty pleasure vespertino, como o legalzinho Willow – Na Terra da Magia, de Ron Howard (1988), ou o belo A Lenda, de Ridley Scott (1985). Pode ser uma decepção para quem gosta do livro, um best-seller. Como não o li, e do jeito que está, é mediano e deixa-se ver e esquecer neste começo de ano em que ninguém parece mesmo interessado em complicações de qualquer ordem.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Misantropia, cães e franceses


O amor é simples de definir, mas raramente se produz – na série dos seres. Com os cães prestamos homenagem ao amor, e à sua possibilidade. O que é um cão senão uma máquina de amar? Apresentam-lhe um ser humano, dando-lhe por missão amá-lo – e por mais feio, perverso, deformado ou estúpido que ele seja, o cão o ama.

Michel Houellebecq (A Possibilidade de uma Ilha, Ed. Record, trad. André Telles)


– Existe o amor, Bardamu!
– Arthur, o amor é o infinito posto ao alcance de cachorrinhos, e eu tenho minha dignidade, ora essa! – respondo.

Louis-Ferdinand Céline (Viagem ao Fim da Noite, Companhia das Letras, trad. Rosa Freire d’Aguiar)


Se precisar de um amigo dedicado, sempre alegre, sempre disposto a acompanhar-lhe em longas caminhadas, pegue um cachorro.
(...)
Não se submeta às leis da sociedade e não tema viver sozinho, com seu pensamento diante de você, com seu pensamento como companheiro, com seu pensamento como amigo, com seu pensamento como namorada.

Champfleury (Prefácio de Grandes Figuras de Ontem e de Hoje – Balzac, Gérard de Nerval, Wagner, Courbet, esgotadíssimo)

terça-feira, janeiro 02, 2007

A Promessa

(Wu Ji, China/Hong Kong/Japão/Coréia do Sul, 2005)



Só (d)efeitos especiais: Shaolin Soccer encontra The Storm Riders e o Cirque Du Soleil. Tudo levado a sério. O horror, o horror.

segunda-feira, janeiro 01, 2007