(The Real Life of Angel Deverell, França/Reino Unido/Bélgica, 2006)
A conhecida colagem visual e de referências tradicionais de gêneros fílmicos de outrora, que François Ozon (re)utilizara com sucesso em filmes como Oito Mulheres e Swimming Pool, retorna aqui, depois do interlúdio mais assentado de O Tempo Que Resta. Neste seu primeiro filme inteiramente de língua inglesa, bebe direto na seiva do melodrama clássico à Douglas Sirk, ao narrar a trajetória, baseada em livro de Elizabeth Taylor (não a atriz, a escritora britânica), da Angel do título. Filha decidida de uma quitandeira humilde e dotada de imensa imaginação, torna-se escritora de sucesso de romances açucarados na Inglaterra do começo do século XX, vira dona de seu próprio castelo e conquista, ou melhor compra, o seu príncipe encantado, um artista esnobe, Esmé (Michael Fassbender), de origem aristocrática e que pinta seus nada coloridos quadros com traços modernistas em seu estilo ainda não muito bem aceito e compreendido pelos gostos vigentes da sociedade da época. A princípio adorável, com o tempo, Angel torna-se cada vez mais obsessiva em transpor as fantasias que imagina para o seu mundo, ignorando, de sua enorme mansão Paradise, os fatos concretos ao redor, algo nem sempre em sincronia com os desejos dos outros, especialmente com os de seu cada vez mais insatisfeito marido. Não raro também incorre a sua própria imaginação para reinventar-se como pessoa, criando peripécias mirabolantes que diz referir-se a acontecimentos ocorridos em sua vida.
Começando com um jeitão propositalmente antiquado, denunciado pelo uso ostensivo e artificial de back projection em alguns planos e pelas cores que remetem aos melodramas clássicos, revivendo-os, além da presença dos espelhos, marca registrada de várias obras de Douglas Sirk, como Sublime Obsessão e Palavras ao Vento, aos poucos, à medida que Angel vai se fechando em seu mundo de fantasia, que obviamente colide com a realidade, especialmente quando explode a Primeira Guerra Mundial e seu marido se alista e da qual volta mutilado, adquire tons mais sóbrios e soturnos, nada fantasiosos. E, como é típico na obra de Ozon, os relacionamentos, antes idealizados, vão se desgastando e se autoconsumindo com a convivência, sem possibilidade de redenção, além de expor nas entrelinhas certa tensão homoerótica no relacionamento entre Angel e sua secretária, irmã de Esmé, com fixação acentuada na escritora. Com ótimos coadjuvantes, como Charlotte Rampling, atriz fetiche de Ozon, e Sam Neill, arrasta-se um pouco à medida que se aproxima do final, que fecha o filme com uma clássíca tomada da fachada da mansão, vista numa panorâmica de baixo para cima, e nem sempre Romola Garai (de Feira das Vaidades e Desejo e Reparação, aqui morena) dá conta da complexidade de sua personagem-título, mas filme no todo elegante e bom de se ver, como os melhores filmes de época à inglesa.
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