sexta-feira, abril 18, 2008

[REC]

(Espanha, 2007)



Sustos genuínos (eu digo genuínos mesmo! De pular da cadeira!) nesta eficiente e curta empreitada digital dos diretores Jaume Balagueró (A Sétima Vítima) e Paco Plaza (Roma Santa), “revivendo” os filmes de zumbis de acordo com a estética do vídeo caseiro, consagrada em A Bruxa de Blair e retomada recentemente em Cloverfield, Redacted e, principalmente, Diário dos Mortos, do mestre George Romero, só que concentrada em poucos espaços. No caso, no quartel do corpo de bombeiros e num prédio de apartamentos em Madri, palco dos momentos mais claustrofóbicos, para onde seguem a repórter Angela (Manuela Velasco) e o cinegrafista Pablo (o ponto de vista do filme), que, a fim de fazer uma reportagem para o programa noturno “Enquanto Você Dorme”, acompanham filmando incessantemente a rotina de bombeiros, especialmente quando estes, junto com policiais, atendem a uma chamada vinda do prédio. Tudo muito banal, até que um dos policiais sofre um ataque de uma moradora enlouquecida: uma mordida, que transmite uma infecção capaz de tornar a vítima em zumbi raivoso. Logo em seguida, sem maiores explicações, o prédio é isolado pelas autoridades sanitárias, e os bombeiros, moradores, policiais e, principalmente, Angela e o cinegrafista, sem nunca deixar de registrar o que se passa lá dentro, são impedidos de sair. A cada nova mordida, claro, a epidemia se espalha, numa sangria desatada. Sem muita enrolação, começa então um sobe-e-desce de escadas, em momentos de gelar a espinha, neste filme enxuto, que aproveita muito bem os exíguos espaços em que o terror, solerte, se imiscui em cada canto ou apartamento escuro e se revela numa abrupta virada de câmera, até o final arrepiante, que ainda consegue encaixar a tradicional rivalidade entre portugueses (“Medeiros”, hehehe) e espanhóis e evocar mais uma vez, ainda que brevemente, um certo misticismo religioso comum às duas nações. Pena que os americanos, para estragar tudo, como andam fazendo com os terrores asiáticos, já o estejam refilmando como Quarantine...

quinta-feira, abril 17, 2008

The Rolling Stones – Shine a Light

(Shine a Light, EUA/Reino Unido, 2008)



Não curto o quarteto inglês, nem o “róqui” em geral, muito menos os Clinton (meu voto é para o McCain!). Portanto, não sou um entusiasta fervoroso deste filme, apesar de reconhecer os méritos da filmagem impecável do ardoroso fã (e estressadíssimo) Martin Scorsese, no registro de duas apresentações dos Stones no pequeno Beacon Theatre, em Nova Iorque, em 2006, alternando saborosos depoimentos antigos de seus integrantes com as manjadíssimas Jumpin´Jack Flash, Start Me Up e Satisfaction no palco, embora as guitarras elétricas encubram com certa constância os vocais do faceiro e serelepe frontman Mick Jagger, o homem, o mito, a lenda. Aqui, mais o homem, suas encoxadas (em Christina Aguilera) e, principalmente, suas rugas, bem como as do pai do Jack Sparrow, o guitarrista Keith Richards, e as do também guitarrista Ronnie Wood. Melhor quando arriscam tocar blues, ao lado de Buddy Guy ou no vocal de Richards acompanhado pela harmônica de Jagger, ou country, ou acústico, ou ainda quando Scorsese destaca o olhar blasé do também enrugado baterista Charlie Watts.

Visto numa sessão geriátrica, ou seja, durante à tarde num dia de semana, o que é até condizente com o espírito deste DVD, ou melhor, filme chapa-branca sobre a longevidade da banda e das rugas de seus incansáveis protagonistas sessentões.

quarta-feira, abril 16, 2008

Imagens do Além

(Shutter, EUA, 2008)



O boboca Joshua Jackson (o Pacey da série Dawson’s “Cricri”) e a gata Rachael Taylor (de Transformers) formam um desses irritantes e grudentos casais jovens, moderninhos e descolados que, recém-casados, mudam-se para o Japão, onde ele vai trabalhar como fotógrafo de uma revista de moda de amigos, num emprego dos sonhos, com direito a um apartamento “funcional” no centro de Tóquio, todo decorado no melhor estilo GNT, Discovery Travel & Home, Pottery Barn, Tok & Stok e Casa Cláudia (o mundo dos vivos nunca foi tão morto e padronizado como atualmente...). Ela, no entanto, solitária e “perdida na tradução”, vagando pelas ruas de Tóquio durante o dia, tenta-se habituar ao novo lugar e, sobretudo, à cultura do superpovoado país oriental. Uma noite, voltando de um passeio, atropelam uma menina. Ou pensam ter atropelado. E estranhas e fantasmagóricas imagens de vultos começam a aparecer nas fotos que tiram.

Ainda que bem ambientado no Japão e comandado por um genérico diretor japonês, Masayuki Ochiai (de Infecção, disponível em DVD), refilmagem quase igual ao tailandês Espíritos – A Morte está a Seu Lado (2004), grande sucesso de bilheteria no Brasil, com os mesmos sustos, inclusive, só que tudo bem suavizado e previsível, sem a mesma capacidade de criar o clima apavorante e de constante tensão do original, que, afinal, não era tão original assim, já que lembrava Ringu – O Chamado, One Missed Call (vem aí a péssima versão gringa do”ringu” de Takashi Miike), Ju-On – O Grito e tantas outras fitas nipônicas e suas imitações chinesas e coreanas de meninas cabeludas e desgrenhadas vindas do além em busca de vingança. Mas que era(m) bem mais eficiente(s) em sua reciclagem de lugares-comuns.

terça-feira, abril 15, 2008

Estômago

(Brasil/Itália, 2007)



O Como Água para Chocolate brazuca, versão “coxinha”, na estória em flashback de um paraibano, Raimundo Nonato (João Miguel), que, da prisão, relembra o dia em que chegou a São Paulo sem um tostão. Faminto, pede duas coxinhas num pé-sujo vagabundo e tem que se virar lavando os pratos para pagar. Consegue, porém, um quartinho ao lado da cozinha. E como é bom pra pôr a mão na massa, torna-se cozinheiro da espelunca, cujas coxinhas boas “pra caralho” que frita fazem sucesso retumbante entre os (novos) freqüentadores, dentre os quais uma puta um tanto gulosa (Fabiula Nascimento, muito bem), que vira a sua namoradinha, ainda que ela não o deixe beijá-la. Em pouco tempo, estará preparando o chique penne alla putanesca na cozinha de um fino restaurante italiano nas proximidades, gerido por um grosso, mas todo professoral carcamano (Carlo Briani). Alternadamente, na prisão, tenta se impor entre os perigosos colegas da apertada cela, por meio de receitas improvisadas no exíguo espaço, a fim de melhorar a gororoba servida no presídio.

Despretensioso filme de Marcos Jorge, com diálogos engraçados à brasileira, temperado por muitos palavrões e sacanagem, embora force um pouco no didatismo gastronômico, especialmente nas falas um tanto artificiais do dono do restaurante italiano, e levado pela divertidíssima interpretação de João Miguel como o simpático aprendiz de mestre-cuca paraíba e dono de um olhar só aparentemente inocente, além de um desfecho digno de giallo. Não é perfeito, um monte de gente vai gastar tinta para deitar falação socioculinária-cinematográfica em cima, mas ao menos dá pra rir. Ao menos aqui, não se trata da "cosmética da fome", tão freqüente no cinema brasileiro, muito menos de fome. Essa, só na barriga do espectador depois da sessão.

domingo, abril 13, 2008

Meu Nome é Taylor, Drillbit Taylor

(Drillbit Taylor, EUA, 2008)



Três nerds típicos – o gordinho tarado e falastrão, o magricela desengonçado e tímido (prefigurando o sensacional McLovin, de Superbad) e o outro, baixinho e com aparelho nos dentes, que não desgruda dos dois –, calouros numa High School, sofrem nas mãos de um psicótico veterano fortão. Cansados das surras e humilhações rotineiras, decidem contratar um guarda-costas (Owen Wilson) para se protegerem. Porém, o homem responsável pela segurança deles, pago com o dinheirinho da suada mesada de cada um, é na verdade um sem-teto malandro, que vivia de esmolas pelas ruas de Los Angeles, apesar de veterano, ou melhor, desertor do exército americano.

Ótima premissa, baseada em idéia do genial John Hughes, rei dos filmes adolescentes dos anos 80, e no filme Cuidado Com Meu Guarda-Costas (1980), e um começo que garante boas risadas, a cargo do martírio do desengoçado, mas simpático trio de nerds. No entanto, com a entrada em cena do meio sorumbático Wilson (sozinho ele não segura um filme, ainda mais depois de uma tentativa real de suicídio), infiltrando-se como professor no ambiente escolar, a coisa toda desanda, além do ritmo irregular característico das produções de Judd Appatow (Ligeiramente Grávidos, Superbad, O Virgem de Quarenta Anos, Ricky Bobby, O Âncora), ao sabor da verborragia típica do co-roteirista Seth Rogen (ator em Superbad, O Virgem..., Ligeiramente...), numa mistura que muitas vezes não dá liga, neste filme do burocrático Steve Brill, com resultados um tanto aquém de seu hilário potencial. O produtor Appatow deveria era ter trazido o Matt Dillon de volta. E agora como o guarda-costas da garotada.

sexta-feira, abril 11, 2008

Um Beijo Roubado

(My Blueberry Nights, Hong Kong/China/França, 2007)



Com a surpreendente colaboração no roteiro do romancista de livros policiais Lawrence Block (O Ladrão que Estudava Espinosa, Cidade Pequena, Hit Parade), um dos meus escritores de "thriller de aeroporto" favoritos, o chinês Wong Kar-Wai (Dias Selvagens, Amor à Flor da Pele) dirige seu primeiro filme de língua inglesa, no entanto, não sendo este Um Beijo Roubado muito diferente daqueles que o celebrizaram em Hong Kong, marcado aqui também pelo uso ostensivo da câmera lenta, pelo demorado abrir e fechar de portas, embalado por uma trilha sonora nostálgica e melancólica e povoado por tipos solitários, em meio a vitrines embaçadas, suspensos no tempo das imagens que se sobrepõem, sofrendo nas noites de bebedeira ou de insônia as dores dos amores fraturados. Em seus filmes, de relações que se estabelecem ao acaso, o amor começa de repente, acaba de repente, sem explicação, e é uma lembrança dolorosa, que assombra seus protagonistas. Aqui não é diferente, só trocando o aperto dos apartamentos e as ruas tortuosas de Hong Kong pela vastidão das paisagens desérticas da América. Os sentimentos de abandono permanecem os mesmos, porém. Logo no começo, uma imagem comum a outros de seus filmes: um trem no elevado, símbolo dos amores expressos e desencontrados, atravessa a cena noturna, cruzando a cidade, no caso Nova Iorque, onde Elizabeth (a cantora Norah Jones, muito bem), à procura do namorado com quem acabara de romper, conhece Jeremy (Judy Law, ainda que bom ator, muito metrossexual para o papel que seria mais adequado a tipos mais duros e sofridos, como os de Tony Leung ou Andy Lau dos filmes chineses), que dirige um café e também foi deixado por sua namorada russa. A cada noite de insônia, Elizabeth reaparece para bater papo com ele, saboreando a torta de mirtilo ou blueberry do título original, que costuma fazer pouco sucesso entre os clientes do café, restando intacta no final do dia. Uma noite, ela não reaparece mais. Mergulhada na tristeza, deixa-se levar pelas estradas da América e vai parar em Memphis, onde trabalha como garçonete de dia e bartender à noite, quando ouve as tristezas e lamentos de um policial alcoólatra (David Strathairn), abandonado pela esposa (Rachel Weisz). Em outra parada de sua fuga sentimental pelos EUA, faz amizade com uma jogadora de pôquer (Natalie Portman), que a leva até Las Vegas. Jeremy, no entanto, não deixa de segui-la por meio de correspondências ou de telefones, onde quer que ela esteja. Correspondência que é mútua, com a narração de ambos pontuando o filme.

Com esplêndida fotografia, pra variar, filme belo e poético que talvez peque no roteiro, por ser redondinho demais em relação aos outros trabalhos de Kar-Wai, ora erráticos, ora confusos, mas ainda assim sempre fascinantes, para quem sabe apreciar suas obsessões fetichistas, aqui centradas no caráter erótico da torta de blueberry, imagem que abre e encerra o filme. Enfim, uma nova sinfonia pop de Kar-Wai, que nunca deixa de ser marcante pelos encontros e desencontros dos afetos à deriva, pelo visual elaborado de cores berrantes, mas nunca afetadas, e pelo elenco estelar, sobretudo por Norah Jones e pelos tipos desesperados e desesperançados interpretados por Stratahairn e pela bela, ou melhor, belíssima Weisz. Ah, o amor, essa coisa complicada...

quinta-feira, abril 10, 2008

O Sol

(Solntse, Rússia/Itália/Suíça/França, 2005)



Filme visto há quase dois anos na Mostra de Cinema de São Paulo, na sempre muito agradável companhia da recém-conhecida Alê Marucci (saudades, Alê!), mas ainda bastante fresco na memória, em que o diretor russo Aleksandr Sokurov busca mais uma vez dar volume e densidade a figuras históricas, sem enaltecê-las de maneira patética, desmistificando-as, mantendo-as, porém, envoltas numa aura de densa e misteriosa melancolia.

Depois do Hitler de Moloch (1999) e do Lênin de Taurus (2001), agora é a vez do imperador japonês Hiroito (o Sol do título), recolhido nos subterrâneos de seu palácio às vésperas da rendição japonesa, dando fim à Segunda Guerra Mundial. Tóquio em chamas sob os incessantes bombardeios dos americanos, e o imperador, aficcionado por biologia marinha, preocupa-se somente em observar os peixes no aquário, no interior de seu bunker, com um olhar de peixe morto, com a boca que se move como a do peixe do aquário, sem emitir sons. O país é enfim rendido, e diante do então chefe da ocupação, o general MacArthur, toda a ritualística do imperador, outrora expressa nos mínimos gestos cheios de significados divinos para os japoneses, se esvazia e importa pouco para os ocidentalizados e pragmáticos yankees, que o chamam de Charlie, por acharem que ele se parece com Charles Chaplin. Com os privilégios revogados, Heroito renuncia a sua condição divina para permanecer Imperador, e também renega a tradição milenar guerreira e militarista do Japão, anunciando uma inédita era de paz a seus súditos.

Um choque de culturas decorrente de uma nova realidade para o humilhado imperador, para os japoneses e também para os americanos de pouco tato, que rende também alguns bons momentos de humor, coisa rara nos trabalhos anteriores de Sokurov, neste belo filme que se desenrola lento, contemplativo, quase estático, banhado numa sublime fotografia difusa, de cores mínimas, e que tem na interpretação de Issei Ogata, recriando com perfeição os mínimos gestos e tiques do imperador um tanto perplexo, outro tanto alienado diante dos novos tempos, um de seus maiores e mais significativos triunfos.

quarta-feira, abril 09, 2008

Jumper

(EUA, 2008)



Na adolescência, o muito maltratado pelos colegas David Rice (Hayden Christensen) descobre que tem a incrível capacidade de se teletransportar pelo mundo, para onde bem entender. Assim, foge do pai abusivo (Michael Rooker) e cotidianamente rouba uns trocados dos cofres de bancos que invade sem esforço, para viver muito bem uma despreocupada, ainda que solitária, rotina de globetrotter, em que acorda em Nova Iorque, passa o dia em Londres, ou em Tóquio, ou no Egito, ou no Havaí, e depois retorna tranqüilamente para o lar, são e salvo. E, melhor, sem jet lag. Tudo vai no bem bom até passar a ser alvo dos Paladinos, uma seita proto-religiosa que há séculos combate esses "jumpers", liderada por Roland (Samuel L. Jackson), obcecado em exterminá-los um a um, onde quer que estejam. Descobrindo também que há outros como ele, como Griffin (Jamie Bell), David vê-se no centro de uma guerra, pondo em risco não só a sua vida, mas a de sua família (ou o que restou dela) e, principalmente, a de uma antiga paixão de adolescência (Rachel Bilson).

Ótimo conceito, muito bem aproveitado e executado pelo diretor Doug Liman (Swingers, Vamos Nessa, A Identidade Bourne), num filme divertido e ágil, que não enrola e que tem como maior mérito a declarada despretensão ao longo de seus gostosos noventa minutos, além de dinâmicas (alguns chatos "dissonantes" dirão "tremidas") e inventivas cenas de ação around the world.

segunda-feira, abril 07, 2008

À Procura da Vingança

(Seraphim Falls, EUA/Reino Unido, 2006)



Nas montanhas geladas do meio-oeste americano, enquanto descansa, um homem (Pierce Brosnan) leva um tiro. Ferido, despenca morro abaixo e cai num rio, ao tentar atravessá-lo. Levado pela gelada correnteza, despenca na queda d´água. Sobrevive à cachoeira, ao frio intenso, à ferida da bala que arranca sozinho, à falta de cavalo e comida. Porém, continuará, sem maiores explicações, a ser incessantemente perseguido pelo algoz (Liam Neeson) e seu bando pelas montanhas, por vales escarpados, por ferrovias em construção, pelo árido deserto. Os motivos mais tarde virão à tona, em econômicos flashbacks. Mas importam menos. Importa mais a jornada empreendida.

Com belos enquadramentos, um curioso western com jeitão europeu, de pouca fala e muita movimentação do diretor e co-roteirista David Von Ancken, valorizado pelas performances de seus dois ambíguos antagonistas, pelo onipresente clima estranho, quase sempre místico, nessa rota de fuga marcada pela presença de mórmons e pistoleiros no meio do caminho de ambos, por um índio de comportamento enigmático e pontuado pelas falas proféticas e sentenciosas a cargo de Liam Neeson, dignas de um vingativo capitão Ahab há anos atrás de sua baleia branca, que, com intenção de caçar seu oponente e liquidá-lo a qualquer custo, não poupa nem os indivíduos do séquito que o acompanha. Atmosfera essa acentuada no final pela presença misteriosa de Anjelica Huston, encarnando um personagem muito semelhante à da feiticeira da Odisséia de Homero, e pela beleza das paisagens naturais que se descortinam silenciosas a cada ato, sempre implacáveis em sua vastidão. Mais do que um filme sobre a vingança, um filme sobre a peregrinação neste mundo estranho e que parece infinito, em que a vingança e somente ela obrigam os dois homens em seu desespero a percorrê-lo e a serem vencidos por ele, esgotados, liquidados, por fim.

domingo, abril 06, 2008

A Grande Ilusão

(La Grand Illusion/ The Grand Illusion, França, 1937)



Durante a Primeira Grande Guerra Mundial, um avião francês é abatido por alemães. Os sobreviventes, o nobre capitão De Boeldieu (Pierre Fresnay) e o tenente da classe operária Maréchal (Jean Gabin) vão parar no campo de prisioneiros dirigido pelo aristocrático comandante Von Rauffenstein (Erich Von Stronheim, um dos grandes atores e diretores advindo da Era Muda), protótipo do refinado militar prussiano, que logo na chegada os convida para jantar em seus aposentos, simpatizando-se sobretudo com De Boeldieu, pertencente ao mesmo estamento da nobreza que ele, apesar da beligerante rivalidade entre as nacionalidades. Mas guerra é guerra, e os dois franceses, mais outro prisioneiro que conhecem nos alojamentos, o judeu e rico banqueiro Rosenthal (Marcel Dalio), armam planos para fugir dali, primeiro cavando um túnel, depois tentando armar para cima dos guardas. Enquanto isso, as diferenças de classe mais aproximam que separam soldados franceses dos inimigos soldados alemãos, e aristocratas alemães e franceses, além dos russos e ingleses, confinados no mesmo local, honram suas origens, bebendo juntos, mesmo sabendo que a extinção da nobreza e de seus refinados valores de civilidade está mais do que certa com a iminente ascensão da classe operária ao final do conflito, "pois quem quer que vença a guerra, será o fim dos Rauffensteins e dos Boeldieus", prenuncia o comandante alemão, com o corpo bastante marcado pelas infelicidades do conflito. Mas o filme é mais do que isso. Com a guerra, as diferenças sociais se exacerbam em acaloradas discussões ou se harmonizam dentro do campo, demonstrando que fronteiras e conceitos de patriotismo não passam de noções fabricadas que terminam por separar os iguais dos diferentes e que, ao compartilharem da mesma humanidade, do gosto pelas mulheres, pelo vinho, pelo teatro, pela música, embora se comuniquem em idiomas diferentes, esses homens todos, sob o olhar marcante de Jean Gabin ou sob o rosto resignado e marcado de Von Stronheim, acabam não sendo assim tão diferentes entre si.

De estrutura episódica, com uso pioneiro da profundidade de campo, uma constante, embora discreta e muito elegante movimentação de câmera, que serve formalmente para estabelecer relações entre os prisioneiros, aproximando indivíduos, unindo-os, alternando momentos pungentes com outros bem-humorados, uma obra-prima indiscutível do mestre do realismo poético Jean Renoir e um dos grandes filmes de todos os tempos, transpirando genuíno humanismo e pacifismo em cada uma das suas memoráveis seqüências, como a da apresentação do improvisado teatro de atores "travestidos" para os prisioneiros ou as conversas amigáveis entre os "camaradas" inimigos militares De Boeldieu e Von Rauffenstein, além da fuga pelas montanhas até a fronteira da Suíça, em que os franceses fugitivos são recebidos por uma resignada viúva alemã que já não acredita mais nessas noções abstratas de nacionalismo, após ter perdido quase toda a família nas maiores vitórias de seus compatriotas militares.

No final, a "grande ilusão" do título é aquela em que muitos acreditaram de que essa guerra, que "iria pôr fim a todas as guerras", não iria durar tanto assim, neste belo filme feito às vésperas de outra grande guerra, proibido e quase destruído pela Alemanha nazista, que se fecha com uma poética e inesquecível imagem da brancura da neve numa paisagem de montanhas, praticamente indiferenciando a Suíca da Alemanha, já que "a natureza não dá a mínima para fronteiras, meras invenções dos homens", conforme fala emblemática do pragmático sobrevivente Rosenthal.

Charlton Heston (1924-2008)



Ou El Cid, Ben-Hur, Michelangelo, Moisés... Mais do que o Senhor da Guerra, o Senhor do CinemaScope e do Technicolor.

sexta-feira, abril 04, 2008

O Banheiro do Papa

(El Baño del Papa, Uruguai/Brasil/França, 2007)




(Ou O Muambeiro Fiel.)

Pensando nas suas necessidades financeiras e, sobretudo, nas necessidades fisiológicas dos outros, Beto (César Troncoso), um muambeiro de Melo, Uruguai, que vive a penosa rotina de trazer diariamente em sua bicicleta produtos contrabandeados do Brasil para as vendinhas do povoado local e assim garantir parte do minguado sustento de sua muito pobre família, decide construir, sozinho, um banheiro para atender aos milhares de fiéis esperados durante a visita do Papa João Paulo II à região, em 1988. A fim de lucrar alguns trocados, todos os moradores também pretendem oferecer algum tipo de serviço aos esfomeados e sedentos visitantes que acorrerão ao local, vendendo lanches, quitutes, tortas e refrescos, empenhando suas parcas economias e até suas casas para armar as barracas e comprar lingüiça e pão. Muito pão. Tanta comida temperada que entra na boca dos fiéis uma hora deve ter de sair, raciocina o dedicado e engenhoso muambeiro Beto, com um tanto de ingenuidade, outro tanto de esperteza, daquela esperteza tão decantada pelos intelectuais e atribuída à sabedoria e criativdade das classes populares. Daí a idéia do banheiro. Começa então sua dura jornada para arranjar mais dinheiro e trazer na garupa de sua bicicleta desde a porta da toalete, encanamentos até o vaso sanitário, em momentos de humor e muita movimentação, enfrentando com algum jogo de cintura e muita teimosia os guardas de fronteira, a polícia, um fiscal aduaneiro que vive de achacá-lo e até a contrariedade da mulher e da filha.

Nem tão engraçado ou redentor quanto se poderia supor, já que o Papa acaba não sendo tão pop assim, o estreante diretor uruguaio César Charlone, em parceira com Enrique Fernández, emulando clássicos do neo-realismo italiano, iraniano, indiano, ucraniano, boliviano, etc., acaba na verdade prejudicando o bom potencial dessa história real que se quer singela com a sua intrinseca capacidade de filmar a pobreza dos hermanos daquele seu jeito tão brasileiro e comovido de retratar a miséria, visto nos filmes que fotografou e o consagrou, como Cidade de Deus e Jardineiro Fiel. O resultado, mediano, embora celebradíssimo pela crítica e pelo público chique, é acetinado, como as fotografias de Sebastião Salgado, e previsível, apesar da simpatia de seu esforçado protagonista, que conduz o filme. Ou seja, o que poderia ser uma revelação acaba sendo mais um típico representante latino-americano compromissado com as conhecidas mazelas de nosso continente, só que nos mesmos tons manjados e sem a mesma ironia dos filmes de pitoresca vila inglesa abalada com a chegada de algum visitante inusitado, como O Inglês que Subiu a Colina e Desceu a Montanha e O Barato de Grace.