quinta-feira, maio 17, 2007

Vacanze

Bom, amiguinhos, eu e o blog, sobretudo, entraremos em recesso por um tempo. Uns dias de férias em Paris, outros na Toscana, sob o sol primaveril da região, etc., longe do cinza escuro dos últimos dias em São Paulo. Eu mereço, acho. Arrivederci.

quarta-feira, maio 16, 2007

Lady Vingança

(Chinjeolhan Geumjassi/Sympathy for Lady Vengeance, Coréia do Sul, 2005)



Fecha o tríptico da vingança, que começou em Sympathy for Mr. Vengeance (2002) e seguiu com Oldboy (2004), o mais conhecido no Brasil. De maneira análoga aos anteriores, uma personagem, no caso Lee Geum-ja (a bela Lee Young-ae), fica anos em situação de confinamento, injustamente acusada de um crime cometido pelo ex-marido, embora tenha sido cúmplice dele. Cumprida a pena e saída por cima da penitenciária, como a líder respeitada da cela além de habilidosa confeiteira, parte para a vingança, claro, pondo em prática um plano que urdiu pacientemente durante os anos de reclusão. Acusada de seqüestrar e matar um menino de 5 anos, fará com que a vingança contra o real assassino não seja um desejo só dela. No meio do caminho, reencontrará a filha, que agora vive com um casal australiano.

Belo, com uma belíssima seqüência de abertura, o filme é conduzido com uma placidez quase classicista por Park Chan-wook, acentuada pelos temas clássicos da trilha sonora, num vai- e-vêm contínuo no tempo narrativo, mas que nunca deixa de amarrar todas as pontas, evitando os excessos Grand Guignol de Oldboy, ainda que estes existam em alguns momentos. E, mais do que a vingança friamente arquitetada, é a redenção que Lee Geum-ja busca no final, conforme atestam as onipresentes imagens de santos que percorrem o filme. Redenção difícil, que leva à condenação também, em imagens e ângulos de câmera requintados, numa vingança conduzida de forma democrática, compartilhando culpas e sofrimentos, ainda que com espaço para alguns risos, em meio à intensa violência psicológica do segmento final.

A Morte de um Bookmaker Chinês

(The Killing of a Chinese Bookie, EUA, 1976)



Um filme de John Cassavetes com contornos narrativos mais definidos, ao contrário do improviso que tomava conta de Sombras (1959) ou Faces (1968), por exemplo, e um onipresente clima de decadência no ar. Aqui, uma trama noir em tons avermelhados, em que o dono de um clube noturno de Los Angeles, Cosmo Vitelli (Ben Gazzara, excelente), deve 23 mil dólares no jogo para gângsteres. Para saldar o débito, ou ao menos reduzi-lo, é forçado pelo líder deles (Seymour Cassel) a dar cabo num poderoso apostador chinês. O serviço é feito, mas Cosmo se vê perseguido pelos mafiosos que o coagiram, e terá que se livrar deles também, numa anticlimática seqüência de tiroteio, quase toda às escuras. Mesmo emboscado, não deixará de se dedicar aos preparativos do show apresentado a cada noite ou de tomar conta das inúmeras (e carentes) strippers que o cercam. Porém, a partir de determinado momento, ferido, estará mais só. Hora de deixar o palco. E talvez para sempre.

Filme noturno, de sombras que se avolumam a todo instante, com tensão narrativa que vai se esgarçando à medida que se aproxima do final, e bem à maneira autoral de Cassavetes: despido de artifícios, com a câmera solta pairando sobre as figuras do nightclub, emanando humanidade dos tipos melancólicos, solitários e decadentes que registra, como Mr. Sophistication (Meade Roberts), Mestre de Cerimônias dos shows, um tipo meio Joel Grey deixado para trás, sobretudo na longa seqüência final no palco. E já sem Cosmo, engolido pelas sombras da cidade grande, em sua violência e indiferença, bem representadas na cena em que seu carro enguiça no meio de uma movimentada via expressa.

terça-feira, maio 15, 2007

Um Crime de Mestre

(Fracture, EUA, 2007)



Um crime cometido com notável frieza: um engenheiro bem-sucedido (Anthony Hopkins) atira à queima roupa na mulher adúltera (a bela e elegante Embeth Davidtz, de A Lista de Schindler, 1993, e Retratos de Família, 2005). A polícia chega. Ele confessa o crime e assina a confissão, sem qualquer demonstração de culpa. E será seu próprio advogado de defesa, explorando as falhas e fissuras do sistema, como bom engenheiro aeronáutico, acostumado a encontrar as mínimas imperfeições na fuselagem dos aviões que projeta. Porém, para sua sorte (ou nem tanto), a suposta arma do crime não possui vestígios de ter sido disparada. Ou seja, não há arma do crime. E sem a arma não há outra evidência para sustentar o inquérito, de poucas testemunhas, uma delas pouco confiável, como o investigador que prendeu o engenheiro e que mantinha um caso com a mulher dele. Além da própria mulher, internada em estado de coma. Mesmo assim, um jovem e ambicioso assistente (Ryan Gosling) do promotor público (David Strathairn), com alto de índice de condenações, mas em vias de deixar o cargo para trabalhar num escritório de advocacia de prestígio, decide pegar este caso, achando-o moleza, como seu último na promotoria e disposto a condená-lo, nem que tenha que atropelar a ética, pois, se perder, põe em jogo também a sua carreira no futuro (e lucrativo) emprego. Caminhará no fio da navalha, o tempo inteiro, neste thriller de tribunal conduzido sem correria pelo bom Gregory Hoblit (Possuídos, 1998), que até conta com uma esperada reviravolta final, mas que se vale sobretudo do duelo entre Anthony Hopkins e Ryan Gosling, ainda que representem mais tipos que personagens de carne e osso. De Hopkins, não é necessário falar muito. Sem esforço, rouba a cena e tal, sempre atuando bem atrás das grades, com suas piscadelas à Hannibal e ar de falso ingênuo, mas Gosling, seu antípoda, o enfrenta de igual para igual, sem se intimidar. Um duelo de mentes, acima de tudo, num típico filme de tribunal, em que um pequeno detalhe ou deslize acaba decidindo a favor ou contra o réu (ou contra a acusação também), e que mantém o interesse até o final. Portanto, um trabalho quase todo minimalista, elegante, sem arroubos e que, mesmo assim, é envolvente e eficaz.

segunda-feira, maio 14, 2007

Batismo de Sangue

(Brasil, 2006)



Numa cena emblemática, frades dominicanos que decidem apoiar a luta armada são conduzidos às escuras ao esconderijo ou “aparelho” dos guerrilheiros, durante o pior período da ditadura militar brasileira, no final dos anos 60. Lá recebem as instruções do líder da ALN – Ação Libertadora Nacional, Carlos Marighella, bem como os panfletos subversivos de sua autoria. Marighella se retira e então os frades passam a ler entre eles, e somente entre eles, o que está escrito nos livros, como se a partir daí o peso todo da luta caísse sobre eles. E sem contato ou apoio popular. Quando os militares estouram o Congresso da UNE em Ibiúna, os frades que ajudaram a organizá-lo, entre eles Frei Beto e Frei Tito, são presos. Tem início o calvário, especialmente de Frei Tito, preso e torturado sob os “cuidados” do famigerado delegado Sérgio Paranhos Fleury, do DOI-CODI, até seu exílio em Paris, onde perseguido pelas lembranças dos horrores dos eletrochoques e do pau-de-arara cometerá suicídio, em cena que abre e fecha o filme. Um bom trabalho de Helvécio Ratton, injustamente criticado, com ótima recriação do período, excelentes atores, com destaque para a comovente e humanista atuação de Caio Blat como Tito, apesar de alguns diálogos sentenciosos ou que se mostram excessivamente didáticos. No entanto, nada que prejudique a força de algumas seqüências, como a bela cerimônia de eucaristia rezada na prisão, com bolachas e suco instantâneo substituindo a hóstia e o vinho, as cenas das torturas infligidas aos frades, francamente mostradas, mas nunca apelativas ou gratuitas, a emboscada a Marighella ou todo o terço final retratando em tons frios o enlouquecimento e a solidão de Tito na França.

sexta-feira, maio 11, 2007

Papa

Discordo do Papa Bento XVI. Sexo, só antes do casamento. Depois, nunca mais...

Ser ou Não Ser

(To Be or Not to Be, EUA,1942)



The “Lubitsch Touch” again and again...

Quando as coisas estão difíceis, e ainda pioram, sempre recorro a Lubitsch. No começo desta semana, por exemplo, a visão de meu olho bom, o esquerdo, embaçou. Pensei que fosse algo com as lentes de contato que uso, e que só bastasse a troca delas e tal. No retorno ao oftalmologista, porém, ele constatou um pequeno rasgo no fundo da retina. Prognóstico: uma urgente cauterização a laser, pela quarta vez na minha vida, para fechar a fissura no fundo do olho a fim de impedir um muito provável descolamento de retina. Descolamento já ocorrido no olho direito, meu olho fraco, ultramíope, e cuja visão piorou consideravelmente após uma dolorosa intervenção cirúrgica tempos atrás. E lá fui mais uma vez sentir aquelas pontadas durante os disparos do laser, como agulhas cutucando o fundo do olho, uma lente grossa impedindo o fechamento das pálpebras e as lágrimas que não paravam de escorrer, insistentes, disparo após disparo. E eu querendo fechar o olho de qualquer jeito, sair dali, me esconder, respirar, enfim. Mas só me restava agüentar aqueles tiros estroboscópicos, firme. E depois, os flashes, a tontura, a visão embaçada e a cabeça latejando, todo aquele incômodo para que, ao menos, fosse evitada nova cirurgia e a conseqüente piora da visão de meu olho bom. Por enquanto. Depois disso, só olho(s) de vidro. Enfim, com a cabeça doendo, visão um pouco melhor, ma non troppo, fui para a casa no final da tarde e, potencializado por tudo isso, senti também o peso da solidão desses anos em São Paulo, da angústia e do acúmulo de frustrações, no trabalho e na vida pessoal, de tudo que passa e acabo não aproveitando, dia após dia, etc., coisas que só costumo sentir na quinta ou na sexta e não logo no início da semana. Aí percebi que, mesmo com tudo ao redor sem definições precisas, era a hora de ver este clássico de Ernest Lubitsch, a fim de esquecer um pouco da dor e do peso dos fracassos que ainda me afligiriam ao longo da noite e do dia seguinte. E depois ainda tratei de revê-lo, quando tudo já estava mais nítido e o pesar era menor. E que maravilha! Mais uma de suas charmosas obras-primas. Uma delícia do início ao fim. Um primor nas atuações, nos diálogos entremeados de malícia e erotismo (o tal do inimitável “Lubitsch Touch”) e que começa com Hitler, um vegetariano, mas “que engole países inteiros”, conforme assinala a narração, passeando calmamente pelas ruas de Varsóvia pouco antes da guerra e assustando a população local. Na verdade, trata-se de um ator da companhia do Teatro Polonês, que ensaiava uma peça sobre o nazismo e que deixou o palco irritado com as críticas a sua performance. Está armada a farsa metalingüística. Aqui, Lubitsch, que já havia satirizado o comunismo em Ninotchka (1939), tece uma caricatura do nazismo, tendo como protagonista o casal de atores da companhia, Maria e Joseph Tura (Carole Lombard e Jack Benny). Durante o famoso monólogo de Hamlet, Maria pede a um admirador, Sobinski (Robert Stack, o Elliot Ness da série de TV “Os Intocáveis”), um jovem piloto, que se levante e vá ao camarim dela para, digamos assim, “conhecê-la”. Isso, o ato de alguém sair no meio de sua apresentação, está claro, irrita Joseph, que se considera o grande ator de teatro da Polônia. Mas a química entre os dois, piloto e atriz, é imediata, pois Maria fica admirada em saber, sobretudo, do avião que Sobinski pilota, um bombardeio que despeja “três toneladas de bombas em dois minutos”, vejam só. E Sobinski se oferece, digamos assim, para mostrá-lo a ela. E em detalhes. No entanto, a guerra explode. E Sobinski se junta à Real Força Aérea Britânica. Lá descobre um espião da Gestapo disfarçado de líder da resistência. Doido para revê-la, regressa clandestinamente a Varsóvia, numa cena de ação construída com admirável suspense. Com a ajuda de Tura e sua trupe, arma uma cilada para o impostor, com os atores fazendo-se passar por soldados alemães, e com o canastrão Joseph tendo que interpretar várias vezes figurões nazistas igualmente canastrões e esmerando-se no “Heil, Hitler” toda vez que é obrigado a improvisar. Ao mesmo tempo, compete com Rawitch (Lionel Atwill), o “Hitler” da cena inicial, para ver quem é o melhor "nazista" em cena.

Num roteiro bem mais complexo que as habituais comédias de situação e operetas que Lubitsch magistralmente dirigira até então, ao juntar drama, propaganda antiguerra e, claro, humor durante a ocupação da Polônia, da mesma forma que Chaplin fizera em O Grande Ditador (1940) e que Billy Wilder, confessso discípulo de Lubitsch, faria mais tarde com a divisão da Alemanha em Cupido é um Moleque Teimoso (1961), expõe-se os artifícios do teatro para representar a realidade e atuar sobre ela, de modo a alterar a sorte dos envolvidos e a manter a resistência local viva. E isso no decorrer da guerra, o que gerou várias críticas ao filme pelo assunto, que seria impróprio para o humor. Sobre isso, Lubitsch declararia: “Ser ou Não Ser gerou muitas controvérsias e, na minha opinião, foi injustamente... Nunca quis fazer graça à custa dos poloneses... O que satirizei na fita foram os nazistas e sua ridícula ideologia. Satirizei, também, a atitude dos atores que sempre permanecem atores, por mais perigosas que sejam as situações nas quais se vêem envolvidos”. Destaque ainda para a impagável atuação de Sig Ruhlman, ator lubitschiano por excelência, como o líder da Gestapo em Varsóvia, o coronel Ehrhardt, também conhecido como o “campo de concentração” Ehrhardt, título que o deixa todo orgulhoso. E já que o assunto deste post começou pelos olhos, vale sempre lembrar do colírio que é Carole Lombard, de sua beleza e de seu perfeito timing cômico como a esposa que adora cutucar a vaidade do marido. Infelizmente, ela faleceria após as filmagens num trágico acidente aéreo, quando viajava para vender bônus de guerra. Apesar dessa nota destoante e da guerra em si, um filme hilário do início ao fim e, se não curou minha dor de cabeça, ao menos me fez esquecer dela por pouco mais de uma hora e meia. A lamentar, na edição recém-lançada pela Wonder/Silver Screen, as legendas em constante descompasso com as falas aceleradas. Ainda assim, a imagem está muito boa neste clássico em preto e branco que seria refilmado nos anos 80 por Alan Johnson, com Mel Brooks e Anne Bancroft revivendo o casal de atores, e que aqui foi lançado como Sou ou Não Sou (1983). Brooks também aproveitaria alguns elementos de Ser ou Não para compor sua famosa sátira Primavera Para Hitler (1968), e que viraria depois o sucesso The Producers na Broadway. Vale uma “olhada”, sempre.

quinta-feira, maio 10, 2007

Eu me Chamo Elisabeth

(Je M'Appelle Elisabeth, França, 2006)



Uma pequena estória, quase uma fábula com elementos de terror, mais atmosférico que sobrenatural, sobre o difícil e muitas vezes doloroso processo de crescimento no interior da França logo após a Segunda Guerra Mundial. O mundo, que era pequeno para Betty, de 10 anos, limitado a escola, casa e visitas a um vira-lata no canil, crescerá quando ela encontra no quintal um assustado fugitivo do hospital psiquiátrico adjunto à residência familiar e administrado pelo pai um tanto severo, ao mesmo tempo em que vê a mãe deixar a família e a irmã mais velha partir para estudar fora. Betty, menina de poucos (e traiçoeiros) amigos e pais um tanto ausentes, o manterá escondido numa edícula no quintal, sob os olhos desconfiados da muda empregada. Tudo ficará maior, ela inclusive, mais difícil, mais exigente, sobretudo quando vê que terá que escondê-lo em outro lugar, onde será obrigada a enfrentar seus medos neste pequeno e às vezes poético filme dirigido com delicadeza por Jean-Pierre Améris, sempre atento ao olhar infantil, mas não infantilizado, de Betty, que depois se chamará Elisabeth. Inevitável dizer que boa parte dos encantos do filme reside na interpretação da adorável Alba Gaïa Kraghede Bellugi como Betty, ou melhor, Elisabeth. Curioso ainda o paradoxo mostrado em filmes como este (e também em Anche Libero Va Bene, 2006, e Ponte para a Terabítia, 2007), ao retratar as exigências crescentes do mundo adulto em cima das crianças, cada vez mais precoces, enquanto hoje em dia os adultos fazem questão de se mostrarem mais imaturos, infantilizados e incapazes de encarar seus próprios sentimentos ou dificuldades.

quarta-feira, maio 09, 2007

Marcas da Vida

(Red Road, Reino Unido/Dinamarca, 2006)



Filme atmosférico, ganhador do Grande Prêmio do Júri no último Festival de Cannes, que consagrou com a Palma de Ouro o excelente Ventos da Liberdade (The Wind that Shakes the Barley, 2006), de Ken Loach, e que faz parte do projeto "The Advance Party", co-produção a cargo da dinamarquesa Zentropa de Lars Von Trier, que encabeçou o movimento Dogma, onde três diretores utilizam os mesmos personagens (criados por Anders Thomas Jensen e Lone Scherfig, de Italiano para Principiantes, 2000, e Meu Irmão Quer se Matar, 2002), interpretados pelos mesmos atores para realizarem cada um o seu próprio filme durante seis semanas em Glasgow, Escócia.

Aqui, na terra que inventou e popularizou o termo “Big Brother”, vislumbra-se um mundo bem contemporâneo, de um cotidiano cinzento em que as relações humanas são intermediadas, observadas, registradas e, sobretudo, construídas por meio de dispositivos eletrônicos, no caso câmeras de vigilância onipresentes, cujas lentes se aproximam ou se afastam de pessoas estreitamente vigiadas nas ruas de Glasgow. Porém, quanto mais próximas dessas pessoas, menos se sabe sobre elas. A realidade neste mundo de superexposição de imagens parece escapar o tempo inteiro, sob uma suposta (e enganosa) neutralidade, decupada e fragmentada em inúmeros monitores, a escolha do observador confinado. Em certo momento, essa percepção da realidade, desse simulacro, altera-se. Numa checagem de rotina, um criminoso recém-saído da prisão, Clyde (Tony Curran), é visto pela câmara do circuito fechado de Jackie (Kate Dickie), sobre a qual pouco se sabe a respeito, a não ser que não se dá bem com o sogro, que (mal)transa no furgão com um homem casado e meio bruto, que a apanha no serviço de vez em quando, e que se mostra muito interessada em algumas pessoas que aparecem nos inúmeros monitores que a cercam. Mais do que vigiar, bisbilhotar, acompanhando sempre a rotina diária de indivíduos que a atraem, tanto que nem tem mais paciência de assistir à TV quando chega em casa para (mais) uma solitária noite. Fixa-se em Clyde. Pouco se sabe sobre ele, porém. Ela deixará a sala dos monitores e tratará de segui-lo, sem explicação aparente, a princípio atraída por ele. O que era virtual torna-se real. Ela se aproximará de Clyde, entrará no seu apartamento, no gigantesco bloco de prédios populares de Red Road, conhecerá os amigos dele. Nota-se que uma curiosidade voyeurística a move, curiosidade acompanhada pelo olhar também voyeurístico do espectador. Arma-se o suspense, com os elementos sendo inseridos aos poucos, por meio de silêncios e planos fechados, bem construídos, claustrofóbicos, câmera presa ao rosto angustiado e de olhar sempre atento da protagonista, que a segue como em Dublê de Corpo, de Brian De Palma (1984), em sua busca por um bairro barra-pesada de Glasgow, até a reviravolta, juntando as peças do quebra-cabeça. Seca, sem alarde, sem lições de moral. No fundo, um filme sob expiação de culpa, bem conduzido por Andrea Arnold e que tem como um de seus grandes trunfos a contida e corajosa interpretação de Kate Dickie, que, em busca de justiça, comete outra injustiça ao se deixar seduzir por Clyde ou seduzi-lo (e por tabela envolver o espectador), numa cena de carnalidade quase explícita, até enxergar a alteridade, a encarar o passado com outros olhos, transcendendo-o, reencontrando-se consigo mesma, evitando que o filme caia no fácil caminho do moralismo barato e da punição tipo olho por olho ou justiça a qualquer preço. Humaniza-se, no final das contas. Reinventa-se, transmuta-se de thriller para drama, sem fazer drama, e respira, enfim, aliviado.

terça-feira, maio 08, 2007

O Mundo em Duas Voltas

(Brasil, 2007)



Navegar é preciso. Para viver, é preciso navegar. Depois dos portugueses descobridores de rotas, é a razão de ser da família Schürmann, desde uma visita ao Caribe há muitos anos, quando decidiram navegar pela primeira vez. E é precisando navegar novamente que, em 1997, os Schürmanns embarcam em uma grande viagem ao redor do mundo, a segunda e com novos tripulantes, agora refazendo a lendária rota de circunavegação do globo de Fernão de Magalhães, contornando a Patagônia, navegando rumo ao Pacífico. Ou melhor, velejando, ainda que o veleiro seja equipado com um motor. Pois o que era incerto no passado, hoje se demonstra que navegar é de fato algo bem mais preciso, com GPS, motor a combustão, computador de bordo e bússola eletrônica, toda essa parafernália embarcada. Ainda assim, uma aventura dessas guarda seus encantos e seus perigos, sobretudo nas tempestades e nos piratas, que atacam de surpresa no Pacífico. De quebra, a possibilidade de conhecer diferentes culturas espalhadas pelas ilhas da Polinésia, neste documentário convencional, com a narração um tanto ensaiada e invasiva do próprio casal de velejadores, que são, porém, bastante simpáticos, e esplêndidas imagens captadas durante quase três anos pela equipe de filmagem comandada pelo filho do casal, David Schürmann, que também assina a direção. Mesmo um tanto chapa-branca, ao contrário de Extremo Sul (2005), por exemplo, que mostrava às claras os desentendimentos e medos entre os participantes de uma escalada que deu errado na Terra do Fogo, acompanha-se aqui com interesse a trajetória do veleiro Aysso (“formoso”, em tupi-guarani), ao mesmo tempo em que é narrada num sotaque italianado não muito feliz, e ilustrada por meio de desenhos e animações, a viagem original do português Magalhães no século XVI, bem mais perigosa e desesperadora, feita às escuras, por uma rota totalmente desconhecida, comandando uma desconfiada (e prestes a se amotinar) tripulação espanhola, além da precariedade das embarcações da época, que partiam rumo ao incerto. Ou melhor, rumo às Índias.

Bom, mas acho que ficou faltando ainda, para apimentar e criar mais dramaticidade, o registro de algumas briguinhas familiares, pois numa viagem longa como essa, realizada em condições de extremo confinamento e meses a sós no mar, é natural que conflitos assim surjam de vez em quando, ainda mais pelo fato de os tripulantes estarem todos, e o tempo todo, em família, fonte de qualquer desavença, sempre. Pena que o filme explore este lado tão pouco, mencionando-o brevemente em apenas dois momentos, a fim de não perder muito o foco de seus dois eixos narrativos principais: o turístico-aventureiro e o histórico com tintas didáticas. Um trabalho interessante, apesar do final ufanista, com a chegada em Porto Seguro, num filme que se pretende familiar, acima de tudo, e é bem-sucedido neste aspecto.

segunda-feira, maio 07, 2007

Homem-Aranha 3

(Spider-Man 3, EUA, 2007)



Talvez o mais desequilibrado filme da série. Talvez o melhor em vários momentos. E o mais longo, também. Menos ação, muitos vilões, uma nova e bela namoradinha, Gwen Stacy (Bryce Dallas Howard, subaproveitada), mas todo mundo botando para quebrar de vez em quando, isso é o que importa, além, claro, dos eternos conflitos do melancólico herói, potencializados por uma misteriosa substância negra alienígena que, em contato com o alter-ego Peter Parker (Tobey Maguire), fará seu lado sombrio emergir, tornando-o tão xarope quanto um jovem baladeiro poser paulistano metido à moderninho emo, com a diferença de que seus sapatos, não o All Star cano baixo da moda, estarão mais limpinhos. E mais cruel também. Quer se casar com a sua paixão de infância, Mary Jane (Kirsten Dunst), mas a vaidade crescente do herói (e de Parker), no auge da popularidade de uma imagem que ele mesmo procurou construir para si, fará com que coloque o ego em primeiro lugar, pondo seu namoro em xeque, ao mesmo tempo em que, transformado num ser sombrio, literalmente, terá de lidar com três vilões ligados a conflitos de seu passado, sobretudo à morte de seu tio (Cliff Robertson), como o sentimental Homem-Areia (Thomas Haden Church), o vingativo Venom (Topher Grace) e o amigo, ex-amigo, amigo de novo e, por fim, inimigo Harry Osborne (James Franco), que assumirá de vez a armadura e o planador do Duende Verde para vingar a morte do pai (Willem Dafoe). Também caminhos se bifurcam, caminhos se reencontram, em aceleradas cenas de ação, onde o diretor Sam Raimi recupera muito do espírito do precursor Darkman (1990), ao evidenciar as mutações sofridas pelo meio “golem” Homem-Areia, por exemplo, num nível molecular, trazendo também certo senso humor que certamente não irá agradar a muita gente, além de tratar com mais intensidade temas afetivos ligados a amizade, amor e vingança, tudo entrelaçado. Herói dos quadrinhos, sentimentos de verdade, em tom crepuscular, como evidencia uma das últimas cenas do filme, e que emocionam. Sorry, puristas, mas este terceiro Spider-Man é ótimo e melhor ainda se visto sem muita expectativa.

sexta-feira, maio 04, 2007

Moody

Of all the Souls that stand create --

Of all the Souls that stand create --
I have elected -- One --
When Sense from Spirit -- files away --
And Subterfuge -- is done –

When that which is -- and that which was --
Apart -- intrinsic -- stand --
And this brief Drama in the flesh --
Is shifted -- like a Sand –

When Figures show their royal Front --
And Mists -- are carved away,
Behold the Atom -- I preferred --
To all the lists of Clay!

Ou:

Dentre todas as Almas já criadas -
Uma - foi minha escolha -
Quando Alma e Essência - se esvaírem -
E a Mentira - se for -

Quando o que é - e o que já foi - ao lado -
Intrínsecos - ficarem -
E o Drama efêmero do corpo -
Como Areia - escoar -

Quando as Fidalgas Faces se mostrarem -
E a Neblina - fundir-se -
Eis - entre as lápides de Barro -
O Átomo que eu quis!

(by Emily Dickinson, trad. de José Lira)

E um bom fim de semana para todos!

Proibido Proibir

(Brasil, 2006)



Juventude da faculdade pública em (des)compasso de espera no Rio dos dias de hoje. Em descompasso entre eles. Sem lenço, sem documento, sem compromisso, sobretudo. A revolução que não veio, nem mais virá. Sobram alguns clichês lingüísticos. Livros, sobretudo Foucault, músicas, sobretudo a MPB, jargões, sobretudo “proibido proibir” e “alienado”, o boteco, sobretudo a cervejinha e o samba, e as drogas, sobretudo a maconha, ameaçam estereotipar o trio de protagonistas. Sobretudo no insistente “ descompromisso” anárquico do médico residente Paulo (sua máxima: “o que importa no mundo é a buceta e a cannabis”), interpretado por Caio Blat, no insistente compromisso social do estudante negro de Ciências Sociais Leon, interpretado por Alexandre Rodrigues, e sobretudo nos trejeitos insistentemente românticos e meigos da estudante de arquitetura que quer conhecer Paris, Letícia, de classe média alta, interpretada por Maria Flor, comprometida com Leon e que será a paixão de Paulo, comprometido ao menos em ajudar uma doente de câncer, Rosalina (Edyr de Castro, excelente), sua única confidente, e em localizar os filhos dela, perseguidos pela polícia, insistentemente. Contudo, quando inevitavelmente as mazelas sociais à brasileira se impõem, o trio se aproxima, se humaniza, e o filme de Jorge Durán ganha contornos dramáticos mais consistentes em seu despojamento naturalista, espontâneo até, aproveitando bem as locações nas praias e subúrbios cariocas. No final, fugindo da polícia, o trio contempla do mirante na serra de Petrópolis o horizonte nublado, sem perspectivas, mas juntos. Juntos, sobretudo.

quinta-feira, maio 03, 2007

O holandês voador aporta nas locadoras

Nas lojas, entre outros títulos do diretor de Robocop (1987) e A Conquista Sangrenta (1985), O Quarto Homem (1983), suspense de Paul Verhoeven da fase holandesa, que prefigura seu grande sucesso hollywoodiano, Instinto Selvagem (1992), com a loira Sharon Stone, em muitos aspectos, sobretudo no clima de ambigüidade, nos objetos pontiagudos e no tratamento aberto da bissexualidade da gélida protagonista, a também muito loira Renee Soutenkijk, como uma mulher que pode ou não ter matado seus três últimos maridos. Pobre então de Jeroen Krabbé (ator que participaria de filmes em Hollywood, como O Fugitivo, 1992), seu quarto marido, que pode ou não ser o próximo. E, emoldurando tudo, a fotografia estilosa de Jan de Bont, habitual colaborador de Verhoeven na Holanda e em Hollywood, e que depois dirigiria Velocidade Máxima (1994) e Twister (1996). Imperdível.

Calvário

(Calvaire, Bélgica/França/Luxemburgo, 2004)



Um lugar onde homens dançam com homens, num louco frenesi. E sodomizam porcos. E vestem a vitima masculina de mulher. E a sodomizam também. E a crucificam num celeiro. E a caçam pelo pântano, armados de espingardas. Em cores vermelhas, emolduradas por chamas, névoas, construindo esplêndidas composições visuais em CinemaScope, e diálogos que se reduzem a piadas requentadas, gemidos, gritos e guinchos de porcos vindos da boca dos próprios homens, numa explícita alusão a Deliverance – Amargo Pesadelo (1972), enunciando os desejos bestiais que irrompem violentamente, nasce Calvário, de Fabrice Du Welz. Aqui, um cantor de quinta, Marc Stevens (Laurent Lucas), segue a sua melancólica rotina apresentando-se em asilos e casas de repouso durante as celebrações natalinas para uma platéia de idosas solitárias, como Madame Langhoff (Brigitte Lahaie), e enfermeiras ultracarentes, como Mademoiselle Vicky (Gigi Coursigny). No caminho para outro trabalho, na Bélgica, perde-se no nevoeiro e na chuva e, com o carro quebrado, vai parar numa hospedaria (alusão à Psicose, 1960), que há muito não recebe visitantes, administrada pelo inicialmente solícito Monsieur Paul Bartel (Jackie Berroyer), que também se diz artista e que venera obsessivamente a memória da esposa Glória, que o abandonou. Simpatiza-se com Marc, a ponto de não deixá-lo mais sair do local. Sabotará de vez o carro dele. E o transformará numa “substituta” de Glória, raspando seu cabelo, trajando-o com um vestido, amarrando-o e até o crucificando. Tentará fugir. Será recapturado. Atrairá, no entanto, a atenção dos pervertidos locais, que também o perseguirão pelo bosque na anticlimática seqüência final. Antes, uma sublime cena de tiroteio, com ecos de Sob o Domínio do Medo (1971), O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Quadrilha de Sádicos (1977), um clima onírico tornado pesadelo, doentio, atmosférico, atraindo o olhar para as chamas e para as penumbras, para a brancura da paisagem, para os olhares desesperados e carentes, e um belo plano-seqüência da câmera entrando pelo pára-brisa da van de Marc levam-nos também à triste conclusão de que os belgas rurais são talvez um dos povos mais pervertidos, infelizes e brutais de toda a Europa Ocidental. Inquietante, no mínimo, porque fincado na realidade dos monstros humanos, sem fantasmas, sem explicações psicológicas e bem evocativo do terror dos anos 70.

quarta-feira, maio 02, 2007

O marido ideal, afinal

Para a mulher de hoje, moderna, solteira, sensual, liberal e emancipada, o homem perfeito, o bom partidão, tem que ter somente as seguintes características: ser bonito, não ser tão bonito. Ser loiro, ou moreno, ou negro, ou caucasiano, ou mulato, ou meio índio, ou meio cafuzo, ou meio oriental. Ou inteiramente oriental. E musculoso e gentil. Ou magrelo ou barrigudo e gentil. Ou bravo. Ou calmo. Ou estressadíssimo. Ou super sussa, aí, ó. Do mesmo signo. De signos diferentes. De mesmo ascendente, eu prefiro. De ascendentes diferentes. O mesmo para o horóscopo chinês. Ou não. Com ou sem tatuagem. Com tatuagem, de preferência. Sem tatuagem, de preferência. Ter olhos claros, ter olhos escuros, ter olhos castanhos claros, ter um olho escuro, outro claro. Ter a rudeza bem masculina impressa nos olhos. Ter a delicadeza expressa pelo olhar. Ter a doçura expressa pelo olhar. Ser gentil, ser cavalheiro, ser meigo, ser rude, ser modesto, ser honesto o tempo todo, ainda que minta um pouquinho. Ser sossegado, ser agitado, ser introvertido, ser extrovertido. Ter samba no pé. Ser intelectualmente brilhante. Daqueles com a câmera na mão. Filmando tudo e o nada. O nada, acima de tudo, enquanto escreve poemas ou torpedos, servem estes também. Intrigante. Ser enigmático. Ser transparente e flexível. Ser inflexível. Mas transparente, sobretudo. Dar uma de esperto barrigudo. Dar uma, duas, três de uma vez. Piscadinhas e piscadelas. Ser um xucro, um cavalão, um garanhão, um galinhão. Flerte é coisa do passado. Ou não é. Saber soletrar o nome, apenas. Ser homem de uma mulher só, ainda que confesse ter outras, pois honestidade é tudo hoje em dia para um bom relacionamento. Ter ainda alta conta bancária, cartões de crédito premium sem limite. Precisa ter carro. Pode ser qualquer carro. Tem que ser carro de luxo. Que venha com o motorista também, oras! Ou não precisa ter cartão, ou carrão, não precisa ter conta, nula a conta, negativos os saldos, pois só o amor basta, no final das contas, o ter o um ao outro, ou não ter, tendo. Tem que ter, pô! All we need is love. Ser também graduado, pós-graduado, de preferência na FGV ou em Harvard ou em Pirapora do Bom Jesus. Ou não ser graduado e, mesmo assim, ser pós-graduado. Pós-graduação na escola da vida, dizem. Engenheiro, advogado, analista, ilusionista, calculista, financista, jornalista, contador, médico, empresário, veterinário. Católico, budista, metodista, espírita, seicho-no-iê, protestante, islâmico, judeu. Com ou sem circuncisão. Da igreja mórmon dos últimos dias, mas com uma esposa só. Ou várias, desde que uma não saiba da outra. Ou saiba. Ser bom de cama, embora sexo não seja tudo, mesmo que seja quase tudo. Gostar de rock, indie, pagode, blues, broadway, sertanejo, jazz, clássico, eletrônica, lounge, trancer, hip hop, eletroacústica, erudito, new age, balé, ópera e teatro, com DJ no ritmo da night, vestimenta de brechó, se acabando na balada trash já no pós-nove da manhã do dia seguinte. Ser ele ainda o DJ, com tatuagens, piercings, brincos, e depois um café. Expresso, por favor. Sem açúcar ou com adoçante. Faça dois para a viagem, embora prefira o meu sem cafeína. Ou que seja chá mesmo. Com limão. Minto, com leite. E sem açúcar. Melhor uma Coca Light, agora Zero, para beber no cinema com pipoca. Também gostar de cinema, do Espaço Unibanco, do Cinemark, Bombril, Kinoplex, Cinemateca, Belas-Artes. Dos três Bs, além do BBB: Bergman, Buñuel, Bertolucci. E de Fellini. E de Woody Allen. E de Bresson, outro B. E maiúsculo. E de Kurosawa. E de cinema do Irã, da República Tcheca, da Turquia, China, da Romênia, da Bósnia, do Cazaquistão (Borat não vale, ou vale também). E de Homem-Aranha. Ou de pancadaria americana. De Steven Seagal e Van Damme, não. Pode até gostar de Steven Seagal. Do Van Damme, não. De Van Damme também pode, desde que dispense o Jet Li, o Jackie Chan, o Chuck Norris, o Vin Diesel, o Dacascos e o Stallone. Pensando bem, pode até gostar deles, desde que não goste do Mr. Bean. Pode gostar do Mr. Bean. E do Garfield, o gato fofo que come lasanha, mas só daquelas vegetarianas. Não faz mal se for vegetariano. Às vezes, faz. Tem que ser vegetariano, pois coitado do boi, do galo, do pato e do porco que sofrem ao serem abatidos. Do peixe, ao ser pescado e congelado morrendo de frio. Ou da alface que sofre ao ser arrancada ainda viva da terra. O melhor mesmo é gostar de churrascão. Mas sem suruba. Ou com alguma putaria. Sem putaria. Nudez, talvez. Fico só na salada, na maionese e no queijinho mesmo. Na normal, na moral, mas tudo um tédio assim paradão, só na fofoca e nas breja sem álcool. E tem que agüentar, sim. Tem que agüentar a fofoca das minhas amigas. E as minhas amigas. Todas elas, sobretudo quando abrem a boca (não as pernas, viu!) ao mesmo tempo, ininterruptamente. Mas aos filmes de novo. E aqueles da Julia Roberts. E da Sandra Bullock. E do Hugh Grant. E do Keanu Reeves. E do Jude Law. Tem que ser igual ao Jude Law. Tem que ser o Jude Law. Melhor que seja o Jude Law. Ou o Selton Mello. Ou o Rodrigo Santoro. Tem que gostar de Lost, de Heroes, de Sopranos, Sete Palmos, Friends, Simpsons. Futebol? Não, futebol, não, please. De novela, sim. Mas pode gostar de futebol, fazer o quê. E de Sex and the City. Mas não vale ficar só vendo TV. Ler livros, também. Literatura de Cabul. Auto-ajuda, psicografados, auto-estima ou auto-depreciação. O Segredo? O Desespero? E gostar também de revistas. De Contigo, Caras, Gente. Gente! Tem que estar sempre acompanhado de gente. De amigos, dos muy amigos. Aventureiros. Falastrões. Caladões. Viajantes. Iatistas. Malabaristas. Manobristas. Equilibristas. Alpinistas. Sociais, está claro. Ou estar só. Sempre. Como sedentário. Ordinário. Ansioso. Extravagante. Desbundante. Bravo, Maestro! Maestro, artista também. Flautista. Trompetista. Clarinetista. Pianista, toda a orquestra, mais o maestro de novo. E o coro, sem sopranos. Músico somente, instrumentista. Instrumento grande, instrumento pequeno, flautim, fagote, contrafagote, clarineta, trombeteando com a tuba e com a trompa. Afinado. Desafinado. De sopro, de cordas, de percussão, de precisão, diapasão. De andamento lento, de andamento acelerado. Não tão acelerado. Sustentado. Largo ma non troppo. Modulado como o rack comprado a prestações. Carinhoso. Amoroso. Afetuoso. Il Principe. Que cozinhe. Que não cozinhe. Que siga a dieta de Long Beach. Que não siga. Bonachão. Brincalhão. Sorridente. Diga “X” na foto do casal. Ou “Uíssssque”. Simpático, antipático, burocrático. Gerente de risco ou de situação. Apaziguador. Contestador. Brigador. Bundão. Bundalhão. Bunda mole, mas que seja bem durinha. Narcisista. Ególatra. Sociopata. Marginal. Enfadonho. Traficante. Burguês. Engajado como o guia genial dos hormônios. Carismático. Mulherengo. Hedonista. Malandro. Onanista. Atraído pelo perigo. Enfadado pelo tédio. Acovardado pelo dia-a-dia. De uma mulher só. Única. E para sempre, até o fim dos dias. Ou de um dia qualquer. E que ainda traga os filhotes. Um, dois, três, marchando, sempre em frente. Sentido! Sentiu?

Ser tudo isso e mais um pouco e ainda responder sempre afirmativamente para ela: Você me ama? Você me ama? Você me ama? Você me ama? Você me ama? Você me ama? Você me ama? Você me ama?

Simples, não?

100 Escovadas Antes de Dormir

(Melissa P., Itália/Espanha/EUA, 2005)



Um título nacional masturbatório, com ênfase na repetição, e uma estética lambida para narrar, à maneira de Christiane F., aqui sem as drogas, no entanto, a iniciação sexual da jovem Melissa P. (Maria Valverde), com óbvias metáforas visuais de descida ao inferno. E nenhuma redenção. Como sempre nessas histórias, o começo será traumático. Iniciada por uma paixão do colegial, que se mostrará um sacana, claro, e se aproveitará dela muitas vezes, junto com os seus amigos, igualmente ordinários, se vingará transando com tudo e com todos. Ser escavocada pelos rapazes é o que há nessas paradas, pensa ela. E narrará suas experiências num diário, cuja leitura pontuará a narrativa. De virgenzinha inocente vira uma devassa típica, condenada aos olhos de todos, menos do seu coleguinha, um tipo “sensível”, com vocação artística e tal, o único rapaz que presta na história. Moralista, transformando o sexo em culpa, em remorso, em afetação visual, sem nenhuma inspiração fílmica, com pouca nudez ou ousadia, é, no entanto, valorizado pela presença de Geraldine Chaplin, como a avó de Melissa, sua única confidente. De resto, pueril e maniqueísta, apesar de baseado num livro de sucesso de alta voltagem erótica, gênero eurotrash mediterrâneo em seu aspecto solar à Emanuelle. Se visto ou lido dessa forma, porém, pode até ser divertido.

terça-feira, maio 01, 2007

Na Cama

(En La Cama, Chile/Alemanha, 2005)



Esqueçam Nove Canções (2004), de Michael Winterbottom, e sua pornografia explícita e estéril. Ou o pornô cabeça à francesa de Intimidade (2001), de Patrice Chéreau.

Aqui, sem canções ou discussões filosóficas, apenas gemidos numa noite transcorrida em um único ambiente. No caso, um quarto de motel onde um casal (Blanca Lewin e Gonzalo Valenzuela) transa intensamente desde os primeiros minutos deste filme do diretor chileno Matías Bize. Entre quatro paredes, sobre os lençóis ou sem edredom algum, transam e conversam. Transam de novo. Para depois continuar a conversa. Na cama, na banheira, plantando bananeira no chão ou duelando numa guerra de almofadas e travesseiros. Porém, pouco sabem um do outro. Nem os nomes a princípio, pois se conheceram numa festa e de lá foram para o motel. As conversas giram em torno de filmes, frivolidades, relacionamentos, família. Nem tudo, no entanto, é dito diretamente. E a intimidade surge nesses momentos de conversa com os olhares desviados ou de silêncios entre os dois, quando às escondidas reviram pertences um do outro ou dizem o que não tencionavam dizer, e não somente durante as cenas de sexo, que, mesmo assim, são intensas, calorosas e exploram muito bem os detalhes dos corpos de ambos, quase sempre na horizontal, em planos fechados, com a câmera situada no baixo ventre, subindo para close-ups dos rostos angustiados dos dois. Sempre erótico, nunca explícito ou claustrofóbico, revela também que o desejo projeta-se para além do limite dos corpos desnudos. Encontra-se num lugar entre o não-dito e o não-mostrado, sempre, num filme em que o tom predominante é melancólico, o final, incerto, silencioso, sem idealismos românticos, e que funciona em sua economia graças, sobretudo, ao bom desempenho (não só na cama) do belo casal protagonista. Já o amor... Bem, o amor é bem mais complicado. Ainda mais neste mundo atual de incertezas afetivas e insegurança emocional.