terça-feira, julho 31, 2007

Quebra de Confiança

(Breach, EUA, 2007)



O maior caso de vazamento de informações ultra-secretas da história da espionagem americana, num filme conduzido com discreta elegância por Billy Ray (O Preço de uma Verdade, 2003, que também era um filme sobre o maior caso de falsificação de reportagens do jornalismo americano), também co-roteirista. Sem grandes arroubos, comedido, quase “sussurrado”, concentra-se, sobretudo, nos últimos dias que antecederam a captura em 2002 de Robert Hanssen (Chris Cooper, excelente), um especialista em informática do FBI, agente veterano altamente gabaritado e que durante anos e anos vendeu sem ninguém desconfiar informações sigilosas para os russos, que causaram a morte de vários agentes americanos (e também de soviëticos infiltrados) e custaram ao governo federal bilhões de dólares em prejuízos. Também é um pornógrafo que vende, às escondidas, material obsceno pelo correio. pretexto inicial para sua captura. Mas esse traidor e pervertido tem uma aparência tranqüila, um jeitão obsoleto para os novos protocolos do Bureau, é dedicado à família, ao trabalho e vai à igreja todo dia, como temente a Deus. Apesar de rígido, ganha rapidamente a confiança e a admiração de Eric O'Neill (Ryan Philippe), novato, CDF e ambicioso agente designado para espioná-lo por sua superiora durona (Laura Linney) até o momento do flagrante. Como um trabalho desses exige dedicação integral, isso obviamente abalará o casamento de Eric e vai impondo pouco a pouco uma questão ética a ele, pois à medida que se aproxima de Robert, inevitavelmente forma-se um laço de lealdade entre eles. Até na hora da inevitável traição. E rompê-lo termina por desafiar as convicções morais de O’Neill, que vão além da carreira, da justiça e de outras instituições americanas. Um duelo de atores, concentrado, diálogos afiados, momentos de tensão eficazes e feitos com tão poucos recursos em uma fotografia neutra, para revelar que, na tão (mal)falada Era Bush, de vigilância onipresente, o inimigo se oculta entre nossos próximos. Seu amigo de um dia é o inimigo no dia seguinte, bem distante dos inimigos externos de ontem, como os comunistas soviéticos, e de hoje, como os talibãs. Parece óbvio, mas, sob as falsas (e dissimuladas) aparências dos dias atuais, só parece.

Michelangelo Antonioni (1912-2007)



Dio mio, Dio mio!

segunda-feira, julho 30, 2007

Michel Serrault (1928-2007)



Un extraordinaire comédien:
www.imdb.com/name/nm0785664/

Bobby

(EUA, 2006)



Um réquiem para Bobby Kennedy e para uma América que poderia ter sido nas mãos dele como provável futuro presidente: justa, tolerante e fora do Vietnã. Será? O fato é que o diretor-ator Emilio Estevez (que havia dirigido Censura Máxima, 2000), consoante com a agenda liberal professada por seu pai, Martin Sheen, aqui reunido junto a um elenco extraordinário, faz um retrato reverente do senador assassinado no lendário Ambassador Hotel, após o discurso vitorioso nas eleições primárias da Califórnia, ao acompanhar 22 personagens fictícios, à maneira de Robert Altman e de Grande Hotel (1932), de Edmund Goulding, durante as horas que antecederam o fatídico acontecimento. Reverente até demais, especialmente na escolha das cenas documentais de um Bobby idealista e justo, em campanha pelos pobres, e que entrecortam a narrativa. E percebe-se que os personagens são mais tipos, às vezes bem caricaturais (o hippie de Ashton Kutcher, por exemplo), que pessoas, servindo, na maioria das vezes, em diálogos sentenciosos, para expor a situação política do país, a Guerra do Vietnã, o LSD e a luta pela igualdade racial. E sobra nostalgia um tanto embolorada nas falas do velho porteiro vivido por Anthony Hopkins. Ainda assim, Demi Moore, como uma cantora alcoólatra e decadente, e Sharon Stone, como uma cabeleireira traída pelo marido, o gerente do hotel (William H. Macy), tratam de humanizar seus personagens, num dos melhores momentos deste bem-intencionado Bobby. Mas nem sempre boas intenções resultam em memorável cinema, e tanto drama junto, obviamente traçando paralelos com a América atual de George W. Bush, blá-blá-blá, cansa. Tudo que é mencionado é interrompido ou calado com os tiros. Fica uma sensação de superficialidade, ainda que Estevez, fazendo uso de ambientação impecável, consiga equilibrar bem as histórias de todos os personagens.

L'Uomo Morto



Ponto de Fuga

Montanhas escondidas
Num mundo cada vez mais banalizado, cada vez mais caótico, a Garfagnana, na Itália, parece um refúgio

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Toda a vez que se fala numa viagem para a Itália, voltam nomes de cidades na Toscana. Florença, Pisa, Siena são mencionadas com entusiasmo. Alguém acrescenta: "E Lucca? E San Gimignano?". Elas têm belezas universais, atraem turistas do mundo inteiro. Infinitos olhares se pousam, dia após dia, sobre o "Davi" de Michelangelo, sobre a torre inclinada. São obras e lugares deslumbrantes. Há, porém, um outro prazer, mais confidencial: fugir das obras-primas inevitáveis, dos panoramas assinalados e encontrar pousos mais discretos.
Existem paraísos ainda não assolados pelas multidões. É bem mais difícil reconhecer nomes como Garfagnana ou Barga do que Pisa ou Siena. A Garfagnana é uma região no norte da Toscana. Nela, há montanhas verdes, vertiginosas, espremendo o vale do rio Serchio.
Região de acesso difícil, que foi pobre: no passado, sem recursos, muitos de seus habitantes, os garfagninos, emigraram para os Estados Unidos, para a Austrália, para o Brasil.
No vale do Serchio, aqui e ali, algumas indústrias de papel maculam a paisagem.
Mas, quando se embrenha para o alto, na margem esquerda ou na direita, descobre-se uma beleza de intensa originalidade, rude e rústica pelas escarpas e pelo isolamento, mas fina pela atmosfera luminosa, pela arte românica intacta e harmônica.
Nos restaurantes, vazios de turistas, a comida está à altura da paisagem, rica de funghi porcini e tartufi bianchi locais. Destes últimos, quando ralados, emana um cheiro curioso e estimulante. Num mundo cada vez mais banalizado, cada vez mais caótico, a Garfagnana parece um refúgio.

Picos
Há uma certa severidade nos garfagninos, o que torna sua acolhida ainda mais calorosa e aristocrática. Há tradições inesperadas: na aldeia de Pieve Fosciana, o esporte, regulamentado, antigo e popular, é o lançamento de queijos -o que faz pensar irresistivelmente nas maluquices do Monty Python. Há vistas únicas: uma longa crista de pedra, bem no alto, recorta contra o céu o perfil e os volumes precisos de um homem deitado. É conhecido como "L'Uomo Morto", nome que acrescenta ao aspecto sobrenatural da paisagem.
Uma cidadezinha, Barga (foto) - de supremo encanto, e cujo domo, no alto, reúne esculturas medievais comoventes-, foi descoberta por ingleses, que a elegeram como lugar de férias. Promove um festival de jazz. Mas, de um boteco minúsculo na praça, onde se servem os mais sublimes salames da galáxia, ouvem-se vozes que saem das janelas. Cantam o "Trovatore", a "Bohème".
Dennis O'Neill, grande tenor do País de Gales, organiza ali, com os auspícios da Universidade de Cardiff, uma academia de canto. Reúne jovens artistas, com quem trabalha durante duas semanas. No ano passado, O'Neill esteve em Manaus, estupendo no papel de um "Otello" de Verdi.

Dó de peito
Há, em Barga, um pequeno teatro. Suas origens remontam ao século 17. Tem uns 300 lugares. Chama-se Teatro dei Differenti, adorável com seus balcões à italiana. Nele, encerrando as aulas, Dennis O'Neill organiza um recital com seus alunos. Todos notáveis.

Pérolas
Dois desses cantores em formação se destacam. O barítono coreano Seong Seung-wook, cujo prólogo de "I Pagliacci" é digno de se ombrear com as mais altas interpretações, e o tenor brasileiro Luciano Botelho: qualidade de timbre, musicalidade sensível, meio mágica, provocaram um triunfo no final de sua "Una Furtiva Lagrima".

(Mais!, Folha de São Paulo, 29/07/2007)



L'Uomo Vivo: "Baaaaaaaarga!"

Ingmar Bergman (1918-2007)



O Sétimo Selo: derrotado definitivamente no jogo de xadrez.

sexta-feira, julho 27, 2007

Harry Potter e a Ordem da Fênix

(Harry Potter and the Order of Phoenix, EUA/Reino Unido, 2007)



Da mesma forma que Brett Ratner (X-Men 3), Michael Bay (Transformers, o mais divertido filme do ano, junto com As Férias de Mr. Bean) e Tim Story (Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado), mais um diretor dito genérico (David Yates, do belo The Girl in the Café, 2005) que acerta a mão num blockbuster. A fabulosa saga de Harry Potter (Daniel Radcliffe) ganha aqui contornos mais realistas desde o início, quando Harry é mostrado sozinho num parquinho de Londres, prestes a ser aporrinhado por "trouxas" e por criaturas das trevas. Também o Mal, sempre ameaçador no retorno eminente de Lorde Voldemort (Ralph Fiennes), ser maligno que ninguém ousa dizer o nome e que Harry, ameaçado de expulsão, havia enfrentado no ano anterior, provocando a morte de um dos alunos, ganha presença mais corpórea e cotidiana na figura de Dolores Umbrigdge (Imelda Staunton), uma “tia” a princípio simpática. No entanto, como burocrática interventora do Ministério da Magia, que quer limitar o poder do diretor Dumbledore (Michael Gambon), passa a baixar uma série de medidas repressoras na escola de bruxos de Hogwarts, restringindo o uso de mágica e de outras (in)certezas hormonais da adolescência (que hoje se estende para além dos 30 anos...), abrindo caminho para a volta do Lorde, que assalta a mente de Harry em terríveis pesadelos, vez ou outra. Provocará também a revolta dos alunos, à maneira (suavizada) de If... (1968), de Lindsay Anderson, pois, com a ajuda da sociedade secreta da Ordem da Fênix, liderada por Sirius Black (Gary Oldman), e de Dumbledore, a fim de enfrentar Voldemort, Harry passa a treinar um exército de bruxos às escondidas da interventora castradora e obcecada por decretos, pregados na parede dia a dia, pontuando visualmente a narrativa. Há menos magia desta vez, mas não menos encantamento, sobretudo no relacionamento tenso entre os jovens e nas obrigações cada vez maiores que Harry, um quase adulto, é obrigado a assumir e carregar nas costas. Não se restringe mais a torneios de quadribol ou xadrez gigante, por exemplo. Além disso, tem coisas, em se tratando de sentimentos, que a magia é incapaz de solucionar. Também o confronto entre Harry e Voldemort, uma batalha mental, sobretudo, é muito interessante e assume de vez os traços sombrios das próximas aventuras. E, claro, o exuberante elenco de atores ingleses dos filmes anteriores está todo ali, ganhando o reforço da extraordinária Imelda (O Segredo de Vera Drake, 2004, de Mike Leigh), nessa trama bem mais complexa, nada infantil, com ecos de 1984, de George Orwell, e que mostra, acima de tudo, que crescer nunca é fácil, pois tem horas que não dá mais para escapar das responsabilidades. Nem com um passe de mágica.

quinta-feira, julho 26, 2007

Ascensor para o Cadafalso

(Ascenseur pour l‘Echafaud, França, 1957)



O primeiro longa do jovem diretor Louis Malle (então com 24 anos), nome importante da Nouvelle Vague, é um noir à francesa da clássica história da femme fatale (Jeanne Moreau, sempre maravilhosa), que, pelo telefone, em célebre cena ("Je t'aime, je t'aime"), envolve o amante (Maurice Ronet), um ex-capitão do Exército francês, para matar o marido, um rico negociador de armas para quem ele trabalha, fazer parecer suicídio e ambos fugirem com o dinheiro. No entanto, após executado o plano, ele ingenuamente esquece de um detalhe. Ao voltar para o prédio para sumir com a evidência, fica preso no elevador. Numa espiral de acontecimentos absurdos, enquanto sofre para sair do ambiente de confinamento, prenúncio de seu destino final, tem o carro roubado por um casal de jovens inconseqüentes que, numa noite de farra, acaba cometendo outro crime brutal. Enquanto isso, sua amante vaga melancólica pelas ruas de Paris, sentindo-se abandonada, e ele, ao amanhecer, é acusado do crime cometido pelos jovens, mas seu álibi repousa no outro assassinato. Situação difícil, que Malle conduz de maneira límpida, com notável rigor e clareza, ajudado pela trilha incidental e jazzística de Miles Davis e, sobretudo, pela fotografia em preto-e-branco de Henri Decae, registrando em locações uma Paris noturna e de texturas inebriantes, numa mise-en-scène cuja atmosfera emula Pacto de Sangue (1944), O Destino Bate à Sua Porta (1946) e o Bresson de Um Condenado à Morte Escapou (1956). Não deixa também de evidenciar o turbulento contexto político do período, ao colocar na boca dos personagens referências críticas às guerras coloniais na Indochina e na Argélia. Um detalhe: os amantes aqui nunca se encontram. Apenas no final são mostrados reunidos numa foto, que sela o destino dos dois.

quarta-feira, julho 25, 2007

Algo Como a Felicidade

(Štěstí, República Tcheca/Alemanha, 2005)



Por quanto tempo prevalece a sensação de felicidade (Štěstí, do título original)? Para as jovens pessoas de uma triste cidadezinha industrial no interior da República Tcheca, com a paisagem dominada pelas torres dos reatores de uma usina nuclear, não muito. Mas o suficiente para impactar. E para tornar tocante este filme, que começa impessoal, mas vai mudando de tom, aproximando-se mais e mais de seus personagens, ao narrar a história de Monika que acaba de se despedir de seu namorado, que vai embora para a América. Apaixonada por ele, aguarda ansiosamente a chance de reencontrá-lo em São Francisco. Mas a sua vizinha, Dasha, obcecada por um homem casado (e um completo de um babaca), quando ele a larga, surta de vez e deixa dois filhos pequenos a própria sorte. Contrariando a mãe, Monika decide tomar conta das crianças com a ajuda de Tonik, que é apaixonado por ela desde jovem, mas que nunca tentou se aproximar demais dela. Sem muitas perspectivas na cidade, a não ser trabalhar na fábrica local ou ajudar a tia na pequena propriedade rural, caindo aos pedaços e prestes a ser engolida pela expansão da fábrica, ou ainda beber com o pai de Monika, Tonik forma com ela uma pequena e inesperada família na comunidade rural e vivem alguns dias de plena felicidade. Que é fugaz, no entanto, e suficiente para mexer com o marasmo local, com o coração da bela Monika e dar novo rumo a vida de todos. Mas, obviamente, não um rumo daqueles filmes românticos standard de Hollywood, daqueles fazem as mulheres supostamente adultas alimentarem fantasias adolescentes sobre príncipes encantados e quejandos. Ao se concentrar nos pequenos gestos, nas relações entre familiares ou da nova família que surge por conta do acaso, ao expor o cotidiano dessas pessoas sem grandes arroubos, registrando apenas, um filme que cresce em sua segunda metade e emociona sem ser melodramático. Um belo e surpreendente trabalho de contenção do diretor Bohdan Slama, onde a felicidade parece ser algo simples, repousando no encontro ou na aproximação inesperada com o outro, mas que, no entanto, escapa por conta até de mudanças no contexto local ou da noção de família, sobretudo nesses países em eterna transição do Leste Europeu.

terça-feira, julho 24, 2007

O Gosto dos Outros

Gostar ou não de Transformers, de Michael Bay. E gostando, como admitir isso diante de um público que parece sempre refratário àquilo que Hollywood produz, ainda que nunca deixe de freqüentar os multiplexes? É uma das questões que Bernardo Krivochein propõe em sua crítica da crítica a Transformers. Vejam só:

Não cabe a mim dizer se Michael Bay é arte – tanto que eu não o fiz. Quase, mas não fiz. O que devemos estudar é a forma como Bay e seus comparsas, tendo acesso a tantos milhões de dólares e se associando a projetos de grande interesse do grande público, são rejeitados justamente por grande porcentagem do público que o freqüenta fielmente. A necessidade que as pessoas precisam ser levadas a sério (coisa da carência fudida de brasileiro, que precisa ser aceito pelo maior número de pessoas possíveis - uma geração que "gosta de tudo", mas na verdade sem gosto definido, com medo de ser segregada por alguém atraente) as conduz para um estado de esquizofrenia: assistem a Michael Bay sem poder admitir que o apreciam, com medo do policiamento intelectual que assombra e julga. Será apenas quando admitirmos que não há possibilidade de arte em Hollywood, é que poderemos enxergar em quê a arte de Hollywood se consiste.

Mais detalhes in blogindie.blogspot.com. Vale ler também a sua crítica (excelente!) ao filme em: www.zetafilmes.com.br

Saneamento Básico - O Filme

(Brasil, 2007)



Para tratar da merda de um vilarejo no interior do Rio Grande do Sul, que contaminou o arroio local, moradores decidem pleitear uma verba no orçamento do município, destinada à realização de um curta-metragem, e usá-la para investir na fossa de tratamento dos dejetos. Mas, para isso, precisam escrever o roteiro e gravar cenas para o curta, um filme de monstro ecologicamente correto, que acaba saindo, claro, uma merda, mas bem engraçado em seu improviso e amadorismo e que serve de pretexto para o diretor Jorge Furtado (O Homem que Copiava, 2003) alfinetar a maneira como se faz cinema no Brasil, sempre dependente de dinheiro público e sempre a serviço de uma causa “nobre”. E a política, também. Ou seja, no final das contas, esgoto, política e, sobretudo, cinema brasileiro, com aqueles filmes que se pretendem socialmente engajados, são tudo a mesma merda, com o perdão do trocadilho infame.

Divertido quando se concentra na produção do filme dentro do filme, homenageando o cinema B à Ed Wood e a vontade de fazer cinema de guerrilha. Depois, alonga-se um pouco no desfecho. Ainda assim, o ótimo elenco, com Bruno Garcia, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Fernanda Torres, Paulo José, representando tipos engraçados e quixotescos, garante boas risadas, como sempre. E Camila Pitanga está gostosa, como sempre. Assiste-se com prazer, mas há algo que me incomoda nos filmes de Furtado, especialmente o fato de ele se prender demais ao roteiro, que é inegavelmente bem escrito, redondinho, buscando o efeito cômico a todo custo e sem dar espaço para as inconseqüências que uma história como essa pede. Até as supostas cenas erradas são muito bem arquitetadas e planejadas, e tiram parte do efeito subversivo ou irreverente que se quer causar espontaneamente. Mas isso é uma implicância minha e acho que tem a ver com as inúmeras exibições de A Ilha das Flores seguidas dos insuportáveis debates que eu era obrigado a encarar no primário, no colegial e, depois, na faculdade, ano a ano. Debates esses eivados de platitudes sob as eternas mazelas sociais brasileiras. Um saco! Por isso, até hoje fujo de debates, quaisquer que sejam. Mas nunca deixo de ver um filme de Furtado, ao menos.

segunda-feira, julho 23, 2007

Em Busca da Vida

(Sanxia Haoren/Still Life, China, 2006)



A história de um mineiro que procura pela ex-mulher e pela filha na região que está para ser alagada pelo lago da represa de Três Gargantas, cujas águas encobrirão vilas, sítios arqueológicos milenares, povoados e cidades inteiras, deslocando milhões de pessoas dali e desfazendo vidas. Parte da cidade por onde anda, por exemplo, já está no fundo do lago, tragada pelas águas da modernização. E uma outra história de uma enfermeira que busca o marido, engenheiro da usina, para obter o divórcio. Filme de imagens eloqüentes e poucas palavras, como os anteriores de Jia Zhang-Ke (Plataforma, O Mundo), menos criptico no entanto e cristalino nas metáforas visuais, além de laureado com o Leão de Ouro no último Festival de Veneza. Lento e contemplativo, de apreciação vagarosa sobre as ruínas de um mundo prestes a desaparecer em nome do progresso autoritário do capitalismo de Estado chinês e cujas marcas ficarão impressas apenas na memória dos que passaram por lá ou nas cédulas da moeda chinesa Yuan, em momento emblemático, apesar de alguns toques de fantasia e surrealismo não muito convincentes em sua segunda metade.

sexta-feira, julho 20, 2007

Transformers

(EUA, 2007)



O kid-friendly movie, versão Spielberg anos 80, encontra o macho movie adrenalínico-militarista movido a testosterona e com tesão por explosões em rodovias de Michael Bay (Armageddon, Pearl Harbor, Bad Boys), numa perfeita simbiose de estilos, ao ressuscitar para a tela grande em live-action a série de TV animada. Melhor que Armageddon, conforme atesta um gordinho ao presenciar a chegada dos Autobots do espaço, em certo momento deste Transformers. Melhor mesmo, pois não tem Aerosmith, nem Ben Affleck, e é tão barulhento quanto. Tem como eixo narrativo a típica história do nerd que compra um carro usado e por acaso acaba ajudando a combater forças metálicas que querem destruir o planeta. E de quebra, conquista a gata mais gostosa do colégio (Megan Fox), ainda que, para isso, metade de Los Angeles tenha que desmoronar diante deles, e ele tenha que ficar pendurado no alto de um prédio. Se não fosse assim, na vida real, no final das contas, talvez ela dissesse que gosta dele, mas como amiga e tal, e voltaria para os braços do capitão do time de futebol que dirige um SUV. Emasculador! Mas isto é Hollywood, e o que importa aqui são as batalhas épicas e pantagruélicas, com um grau inacreditável de destruição e realismo no embate puramente físico entre as máquinas gigantes. Além do humor ingênuo, bem anos 80, mas que funciona muito bem e de maneira até nostálgica, num filme que, em sua leve veia critica, elege o celular como inimigo moderno (e monstruoso), incapaz de conectar as pessoas.

Como já dito, com o intuito de conquistar mulheres, o jovem Sam Witwicky (Shia LaBeouf), ao comprar um Chevrolet usado, descobre que ele é na verdade um robô, ou melhor, um Autobot, o simpático Bumblebee, que no desenho antigo era um Fusquinha amarelo e que aqui vira um Camaro V-8 potente, charmoso e vintage. E também amarelo. E que se comunica através de canções do passado tocadas em seu rádio, em momento Christine. Assim, o nerd solitário arruma como amigos outros robôs gigantes alienígenas, um tanto desajeitados, mas muito carismáticos. Além disso, por estar de posse de importantes informações escondidas na tralha de seu tataravô, explorador do Ártico, é jogado no meio de uma batalha intergaláctica entre os Autobots, liderados pelo célebre caminhão Optimus Prime, e os maldosos Decepticons, que, à procura do Allspark, o cubo de 2001 que gera vida em planetas mortos, ressuscitam seu líder, o destruidor Megatron, para tomar conta da Terra. Simples, assim. No meio deles, claro, o governo dos EUA, uma agência secreta que sabe demais, uma analista de sistemas britânica, loira, gostosa e inteligente, além de um pelotão de elite do Exército sobrevivente do primeiro ataque dos Decepticons no Qatar. É claro que é um blockbuster, e é claro que muita gente highbrow vai torcer a napa cult, preferindo ignorá-lo ou optando por (re)ver Paris, Te Amo. Ainda assim, é o melhor filme de Michael Bay, que corre num ritmo quase perfeito, sabe dosar o humor e tem maravilhosos efeitos especiais, na mais convincente combinação entre cenários reais, maquetes e modelagem 3D. E pancadaria das boas. Muito massa!

quinta-feira, julho 19, 2007

Léolo

(Canadá/França, 1992)




A vida não se passa na terra, mas na minha cabeça.
(de Réjean Ducharme, in "L'Avalée des Avalés")

O segundo e derradeiro filme do canadense Jean-Claude Lauzon, falecido em 1997 num acidente de avião, é uma pequena jóia que mistura memórias infantis com realismo mágico, uma meditação poética sobre a infância perdida e os estranhos mundos que habitam a imaginação. Bizarro, lúbrico, mas afetivo e belissimamente fotografado, com especial talento para filmar as palavras, que emanam poesia, conta a trajetória de Leo, ou Léolo, um garoto franco-canadense que, em seus jovens anos de menino, levado pela insanidade familiar, é conduzido para o inexorável caminho da escuridão. Mas antes anota suas iluminadas memórias em páginas soltas, episódicas, recolhidas do lixo por um velho colecionador de objetos afetivos, um tipo quixotesco e que narra o filme, pontuando-o com a leitura do clássico québécois L'Avalée des Avalés, de Réjean Ducharme, livro preferido de Léolo. De maneira onírica e irreverente, suas memórias falam de vida e família. Família, sobretudo, atormentada pela loucura. No mundo de sonhos onde se refugia, Léolo imagina ser um garoto italiano nascido do tomate que carregava o esperma de um camponês siciliano brincalhão. Imagina também, de modo recorrente, em voltar para a Itália, em delírios com a Sicília envolvendo a bela vizinha italiana Bianca, seu primeiro impulso sexual e, sobretudo, seu primeiro amor, ao mesmo tempo “tão perto, tão longe, tão jovem e tão aborrecida”. Mas, num bairro decadente de Montreal, passa mesmo a sua solitária existência entre estranhos infelizes, ainda que da família: o pai operário é obcecado pela saúde dos intestinos e o obriga a evacuar o tempo todo; o irmão mais velho, com quem divide o quarto, humilhado numa briga, torna-se fanático por fisiculturismo; as duas irmãs têm sérios problemas psiquiátricos e mal se comunicam; e o avô, um tipo asqueroso, que contrata jovens como Bianca para roer as unhas de seu pé como fetiche sexual, é que parece carregar toda a responsabilidade pelo fracasso genético da família. Tentou inclusive afogar Léolo na piscina. Sua imaginação ajudou-o, no entanto, a suportar o fardo e a forjar a vingança contra ele, o que o leva também ao hospital psiquiátrico, onde se reunirá novamente com a família, para seu azar e desespero. Somente a gorda mãe parece sã e meiga, suportando as turbulentas águas em casa como um grande navio que navega por ondas tempestuosas sem tombar. Mas o caminho da loucura é mesmo sem volta. Um pouco como C.R.A.Z.Y. (2005) faria mais tarde, sem a mesma inspiração, um triste, mas cativante retrato eivado de poesia de uma criança que decidiu sonhar, porque não vive, “porque não é”, conforme assinala a narração repetidas vezes, acompanhada pela bela trilha de Tom Waits e Gilbert Becaud. E sonhando para sempre, Léolo cala-se só em seu mundo interior.

quarta-feira, julho 18, 2007

O Domínio de Houellebecq



1. O valor de um ser humano é medido hoje por sua eficiência econômica e por seu potencial erótico.
2. Num sistema econômico perfeitamente liberal, alguns acumularão grandes fortunas; outros afundarão em desemprego e miséria. Num sistema sexual perfeitamente liberal, alguns irão experimentar uma variada e excitante vida erótica; outros serão reduzidos à masturbação e à solidão.

(...)

O amor como inocência e capacidade de iludir, como aptidão para resumir o conjunto do outro sexo a um só ser amado, raramente resiste a um ano de vagabundagem sexual, nunca a dois anos.

Michel Houellebecq,
in Extensão do Domínio da Luta, livro adaptado para o cinema em 1999, na França, por Philippe Harel, que também interpreta o protagonista. Em breve nos cinemas (ou a qualquer hora, no e-mule), a adaptação alemã de As Partículas Elementares, por Oskar Roehler. Para calar a boca dos emo(rróida)s de aujourd'hui!

Só a Mulher Peca

(Clash by Night, EUA, 1952)



Mesmo não sendo a mais bonita do star system hollywoodiano dos anos 40 e 50 (a latina Rita Hayworth é hors concours), a diva Barbara Stanwyck sempre foi para mim uma mulher sexy direto das sombras do passado. Não à toa perturbou o bom moço Fred MacMurray, ao aparecer coberta apenas por um lençol e com o cabelo platinado em Pacto de Sangue (1944), de Billy Wilder. Ou, em Bola de Fogo (1941), de Howard Hawks, mexeu com o intelecto (e com outras coisas, também) do todo certinho Gary Cooper, com quem já havia trabalhado antes em Adorável Vagabundo (1941), de Frank Capra. Aqui, provoca grandes tormentas, conforme anuncia a seqüência de abertura deste filme do genial Fritz Lang, baseado em peça de Clifford Odets, ao chegar numa vila de pescadores, com as ondas sempre batendo nos rochedos e as nuvens anunciando tempestades. Viúva e arruinada, sem direito a um tostão da herança do falecido marido de Pittsburgh, volta para a casa do irmão pescador. E, com um emurrão do irmão, casa-se com o bondoso e simplório pescador Jerry (Paul Douglas), que cuida do pai doente e que ainda tem que agüentar um tio bêbado que dá conselhos mal-intencionados. Mas o coração ou o desejo dela bate mesmo pelo cínico (e casado) projecionista de cinema Earl (Robert Ryan), amigo de Jerry. Logo no primeiro encontro entre os dois, numa simples troca de olhares na cabine de projeção, percebe-se a atração mútua, o erotismo, o desejo velado. E assim, mesmo comprometida e com uma filha no colo, ela mantém o romance com Earl. Ao descobrir, ou já sabendo há tempos, o bom moço Jerry vira fera, libera sua fúria destrutiva, incontrolável. Como em Desejo Humano (1954), livremente baseado em A Besta Humana, de Zola, um melodrama de tinturas sombrias, com indivíduos que se movem por impulsos bestiais que levam à paixão, ao desespero e ao limite da morte, acionados, claro, pela presença de uma bela mulher, forasteira sofisticada como a Blanche de Um Bonde Chamado Desejo, elemento desestabilizador, num lugar regido, de um lado, pelas leis da natureza, que determina a época da pesca, e, de outro, pela orientação mecânica das máquinas e esteiras que todo dia transportam os peixes para o processamento, filmadas em tons naturalistas, quase como no universo mecanicista de Metrópolis (1927), pressupondo uma ordenação enganosa logo nos primeiros minutos de projeção. No final, prevalece a fúria das ondas. Belamente fotografado, em tons expressionistas, assinatura de Lang, com diálogos mordazes e de forte subtexto sexual, conta ainda com a presença de Marilyn Monroe num papel pequeno e desglamourizado de operária da fábrica local de processamento, cunhada de Stanwyck e fascinada por sua sofisticação de cidade grande.

terça-feira, julho 17, 2007

Cão Sem Dono

(Brasil/Rio Grande do Sul, 2007)




Cão sem raça e sem dono. Um sujeito feioso, largado e doente. Uma bela modelo que inacreditavelmente se interessa por ele. Pelo sujeito, não pelo cão, está claro. Pelo cão, também. Iniciam um relacionamento. A princípio, ele não se interessa muito. Depois, ela fica doente também e some. Ele, então, fica desesperado. E mais doente ainda. Mas um zelador que pinta quadros horrorosos está ali para socorrê-lo. E papai, também, no final das contas. Filme de tempos mortos de Beto Brant e Renato Ciasca, que escancara um certo vazio existencial, angustioso, etc., que parece afligir esses jovens atormentados por volta dos trinta anos. Por conta disso, pelo seu baixo orçamento e pelo fato de quase nada acontecer ao tentar forçar uma naturalidade por meio de diálogos e situações que me pareceram um tanto desajeitadas, elogiadíssimo. Ou vazio, somente, ainda que bem melhor que Crime Delicado (2005), trabalho anterior de Brant.

segunda-feira, julho 16, 2007

Medos Privados em Lugares Públicos

(Coeurs, França/Itália, 2006)



Ao sair do cinema no último sábado, após a sessão deste magnífico trabalho de Alain Resnais, não mais um musical (como Amores Parisienses, 1997, e Pas sur la Bouche, 2003), não mais uma colagem de teorias científicas behavioristas que embasam uma bela estória (Meu Tio da América, 1980), não um filme sobre a memória (Hiroshima, Mon Amour, 1959), não mais uma experiência radical com a descontinuidade do tempo narrativo (O Ano Passado em Marienbad, 1961), mas tão labiríntico quanto, fiquei desconcertado, pensando em quantas vezes não geramos expectativas (falsas) em relação ao outro. Quantas vezes não alimentamos um auto-engano ao acreditar, por um mínimo sinal emitido, que a pessoa com quem compartilhamos certas afinidades no trabalho, no dia-a-dia, na Internet, no gosto por filmes (ou vídeo, no caso), livros, música, não seria a pessoa certa, aquela finalmente a preencher o nosso vazio afetivo de longa data? E alimentamos esse auto-engano por um bom tempo, para, depois da ilusão desfeita, voltar ao ponto de partida, novamente abraçados na solidão, que é persistente como a neve que cai ao longo do filme. Mas convicções são sempre mais fortes. E tendemos a acreditar na imagem, que leva também ao mal-entendido, difícil de ser desfeito. É um pouco o que acontece na estória dos seis personagens deste Coeurs, baseado numa peça teatral do britânico Alan Ayckbour (em quem Resnais se baseou para filmar Smoking/No Smoking, 1993), cujas vidas se entrecruzam de maneira ora prosaica, ora inusitada numa Paris fria, desorientadora e sombria, bem ao contrário daquela panelinha de filme-ônibus turístico (e suuuuperamado, gente!) que é Paris, Te Amo. Aqui, prevalecem os tipos essencialmente solitários, interligados pela fusão da imagem da neve que cai constantemente nas cercanias da Biblioteca Nacional e sobre eles, como forma de pontuar a narrativa e, acima de tudo, causar estranheza. Lá estão um corretor de imóveis (André Dussolier), a moça que trabalha com ele (Sabine Azéma, musa do diretor e muito bela) e a irmã dele (Isabelle Carré); uma cliente do corretor (Laura Morante, de Um Lugar na Orquestra, 2005), seu noivo desempregado, um ex-oficial do exército (Lambert Wilson) e o barman (Pierre Arditi) do hotel onde o noivo vai freqüentemente beber. Além disso, à noite, a corretora toma conta do pai doente do barman, um velho difícil, mas que ela, como cristã recém-convertida e capaz de perdoar a tudo e a todos, decide encarar, ainda que a sua maneira. Um tanto heterodoxa, mas eficaz. Ainda nas relações que se estabelecem (ou se desfazem) neste filme mosaico intimista, ela empresta ao colega da imobiliária onde trabalham uma fita de videocassete aparentemente inocente, com a gravação de um programa religioso, mas que, após o programa, revela um trecho de cenas pornográficas, que o faz acreditar que ela está mandando-lhe, por trás da bizarrice, um recado amoroso indireto, ao mesmo tempo em que a sua irmã busca um encontro às escuras e encontra o noivo desempregado e que está deixando a companheira. Tudo engano, claro. E tudo com humor à principio, depois com um persistente sentimento de melancolia, evidenciado pela neve que invade literalmente o apartamento do barman no final, correspondendo aos sentimentos dos personagens. E no meio do frio e de seu rigoroso formalismo, Resnais faz vibrar em belíssimas imagens a humanidade de todos. Que é intensa e desesperançada e acompanha a gente muito tempo depois de se encerrarem os créditos. Talvez o pecado maior seja acreditar demais no outro. Très extraordinaire!

sexta-feira, julho 13, 2007

Short List

Nunca fui muito fã de listas. Nem sempre entendia por que um livro ou um filme era melhor que o outro e posto numa hierarquia que ignorava todo o resto dos que ficavam de fora e que poderiam ser tão bons ou até melhores que os escolhidos como muito bons. E há sempre aqueles livros ou filmes que, por piores que fossem para o resto da humanidade culta, sempre podiam chamar a minha precária atenção para uma cena ou uma frase perdida no meio da página, blá-blá-blá. Mesmo assim, decidi aceitar o desafio da Alessandra Marucci, seguindo recente corrente literária da blogolândia, e fazer a lista dos livros que mudaram a minha vida, se não para sempre, ao menos por alguns instantes (lágrimas). Ecco:

O Segredo, de Rhonda Byrne
O Alquimista, de Paulo Coelho
Homens São de Marte, Mulheres São de Vênus, de John Gray
O Monge e o Executivo, de James C. Hunter
As Cinco Pessoas que Você Encontra no Céu, de Mitch Albom

E tantos outros que me ajudaram a descobrir “quem somos nós”, de acordo com a Lei da Atração, e fizeram a fama, a glória e a fortuna de seus autores (e só deles), etc.

Brincadeirinha. Agora, a lista séria, canônica e definitiva (empino o nariz, ergo a sobrancelha, coloco a peruca), ou nem tanto, já que muitos de que gosto, pra variar, ficaram de fora, como Vidas Secas, A Ilha do Tesouro, Dom Casmurro, Orgulho e Preconceito..., mas seleção é corte mesmo, fazer o quê. Voilà, sem ordem de preferência (soam os trompetes, rufam os tambores, erguem-se os lenços):



As Partículas Elementares, de Michel Houllebecq - o mais cínico dos autores contemporâneos, na narrativa de dois irmãos, filhos de pais ausentes da geração de 68, em duas trajetórias distintas. Em um, o desespero, a solidão. Em outro, a redenção da humanidade pela ciência. Em ambos, as disfunções sexuais, abjetas, cruéis, pontuando a narrativa de forma ultra-realista. E tudo tão amargo, numa linguagem crua, objetiva, "científica", que se torna irônico no final das contas. As digressões também são maravilhosas.

Moby Dick, de Herman Melville - a humanidade num navio, o Pequod, liderado por um lunático (ou um grande líder? ou profeta?) contra seus monstros e tormentas interiores, numa aventura pelos sete mares, reverberando a Bíblia, Shakespeare, a democracia americana, os gregos, a Odisséia na grande caçada em busca de Leviatã ou da grande baleia branca, que é a esfinge devoradora, indecifrável. Uma travessia fadada ao fracasso, mas onde vale a viagem. "Chama-me de Ismael".

Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato - o mundo do conhecimento, da cultura é o mundo da diversão para as crianças e criaturas encantadas do Sítio do Pica-Pau Amarelo, e das coisas descobertas pela primeira vez.

A Volta do Parafuso, de Henry James - assombração? Ou imaginação? Ou delírios de sexualidade reprimida de uma jovem governanta? Em curtas páginas, longas e elaboradas sentenças, um mistério que permanece na Inglaterra Vitoriana do século XIX, pelo mais inglês dos autores americanos. De arrepiar.

Notas do Subterrâneo, de Fiódor Dostoiévski - as inúmeras camadas de todo ser humano reunidas num individuo amargo que desde o início se afirma como desprezível. Duro desde a primeira sentença.

E passo o desafio de escolher outros cinco melhores livros para as seguintes “vítimas” virtuais (se é que alguma delas lê isso aqui): Alexandre, Andros, Carlos, Leandro e Vébis Jr., e lembrando que cada um, caso aceite a brincadeira, deve indicar em seu blog não só os cinco livros favoritos, mas também apontar outros cinco blogueiros para o mesmo e nobre propósito. Have fun, my dear friends!

quinta-feira, julho 12, 2007

O melhor de "Paris..."



14th Arrondissement, by Alexander Payne. Ou assista aqui: http://www.youtube.com/watch?v=kfkUF2bAvF0

Paris, Te Amo (moi non plus)

(Paris, Je t'Aime, França/Alemanha/Suíça, 2006)



Um filme episódico, a cargo de vários diretores, assimétrico par excellence, que fala de amor na autoproclamada Cidade do Amor, em segmentos um tanto incompletos que se passam em alguma região de uma Paris multifacetada, multirracial e nem sempre tão turística ou encantadora como o sorriso da Monalisa do Louvre. Um amor que surge num flerte politicamente correto entre uma garota tipicamente árabe e um adolescente tipicamente francês. Chato, ainda que aproveite bem a locação entre o Jardin des Plantes e a grande mesquita da cidade. Ou, em outro episódio, o possível amor que surge numa tentativa de estacionar o carro em Montmartre. Ou então, na visita ao túmulo de Oscar Wilde, no cemitério de Père-Lachaise, por um casal ranheta em lua-de-mel, num dos piores filmes da irregular carreira de Wes Craven, cedendo, no final das contas, a um conformismo matrimonial. Intolerável para um diretor que já detonou com sonhos de adolescentes em A Hora do Pesadelo, ou devorou típicas famílias americanas em Quadrilha de Sádicos, nos anos 70. E isso com a improvável ajuda do além do antimatrimonial par excellence Oscar Wilde, que faz uma aparição à maneira de O Fantasma de Canterville. Tsc, tsc. Num outro, um vazio plano-seqüência mostrando um homem mais velho e uma bela garota nas redondezas de Parc Monceau, no inutilmente virtuosístico trecho dirigido por Alfonso Cuarón. Há também o cheio de perfumaria segmento que se quer bizarro de Christopher Doyle, ao narrar o amor entre uma oriental e um vendedor de cosméticos em Porte de Choisy. Um pé no saco. Ou entre um cego e uma atriz americana nas proximidades de Faubourg, com Tom Tykwer retornando um pouco aos bons e acelerados momentos de Corra, Lola, Corra. Ao menos, um dos melhores, afinal. Mas ainda tem um casal que fantasia chatices conjugais no distrito da luz vermelha de Pigalle. Tem dois mímicos malas que se apaixonam no Campo de Marte, no bem para-turista-ver-episódio de Sylvain Chomet. Tem um inusitado beijo entre um turista americano e uma francesa na estação de metrô das Tulherias, diante do namorado dela, no formalmente engessado episódio dos irmãos Coen, ainda que engraçado, além do beijo entre dois vampiros na Madeleine, no episódio todo estilizado de Vincenzo Natali. Tem a lamentação sem fim de Sergio Castellitto na Bastilha, em mais um drama chororô de Isabel Coixet sobre dar valor à vida que resta. E mais uma choradeira típica de Juliette Binoche, no superestimado episódio de Nobuhiro Suwa. E há o amor que se desfaz ou não entre um casal prestes a se divorciar e tem seu último (ou penúltimo?) encontro num café do Quartier Latin, no episódio alla Cassavetes de Gerard Depardieu e Frédéric Auburtin. E ainda um travelling pelo Marais no episódio gay-rohmeriano de Gus Van Sant, etc., etc., etc. No meio de tudo, Olivier Assayas revisitando Clean, e os excluídos dos subúrbios, como a Maria Cheia de Graça, após deixar o filho bebê, correndo pela estação Chatêlet-Les Halles para cuidar do filho de uma rica madame, e um imigrante nigeriano agonizando nas mãos de uma bela paramédica negra na Place des Fêtes. Triste, embora não tocante.

Filme bem chatinho, no todo, salvando-se, além do de Tykwer, o episódio final de Alexander Payne, pleno de humor e melancolia na estória de uma típica turista americana, gorda e feia, que, ao ler sua redação sobre as férias parisienses, narrando entre outras coisas a visita ao túmulo dos existencialistas Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir em Montparnasse, depara-se com a própria solidão na Cidade Luz. Esse, sim, bateu fundo e tem algo a dizer sobre os franceses, os americanos, o flâneur e as pessoas comuns em geral. Pena que leva quase duas horas para se chegar até ele.

quarta-feira, julho 11, 2007

Quatro Estrelas

(Quatre Étoiles, França, 2006)



Um vigarista (José Garcia, de Por Gentileza e O Corte, de Costa-Gavras) e uma bela professora de inglês (Isabelle Carré, de Medos Privados em Lugares Públicos, de Alain Resnais), que acaba de herdar uma soma considerável de dinheiro de sua bisavó, se esbarram no hotel Carlton em Cannes, onde ela passa férias agradáveis longe do namorado pé-no-saco e da rotina parisiense. Ele invade o quarto dela se dizendo empresário de Elton John. Em busca de mais emoção e demonstrando certo fascínio por ele, passa a segui-lo. Descobre que ele é um tremendo de um picareta, que deve dinheiro de jogo a mafiosos e que o prazo para o pagamento da dívida está para se esgotar. Sem muita explicação, ela decide ajudá-lo, quitando o débito com a herança, mas querendo em troca “apenas” o dobro da quantia emprestada. E não largará mais do pé dele até receber o dinheiro. Ele então a usa para dar um golpe da venda de uma casa a um ex-piloto bocó (e rico) de Fórmula 1 (François Cluzet, de A Rainha Margot), mas previsíveis sentimentos começam a aparecer, atrapalhando os objetivos de ambos. Até aí, um filme ágil, despretensioso e divertido de Christian Vincent; quando entra a figura do piloto, no entanto, se desequilibra, perde o foco, vira um pastiche que se quer romântico sem convencer, alonga-se em sua conclusão (chocha) e perde a chance de ser uma versão light do amoral Negócios à Parte (1997), de Claude Chabrol, apesar do jeitão cafajeste (e engraçado) de José Garcia e do charme da bela ruiva Carré, que passa boa parte do filme em vestidos justos ou num baby doll, provocando o sempre mal-intencionado Garcia e o bobalhão Cluzet.

E, para finalizar, um pouco de Isabelle Carré au naturel:



terça-feira, julho 10, 2007

Ratatouille

(EUA, 2007)



Remy, um ratinho de paladar e olfato apurados e que sonha em ser chef de cozinha, diferente dos outros ratos de seu bando, que, sujos como bons ratinhos quadrúpedes, só pensam em roubar e comer qualquer porcaria encontrada no lixo. O desastrado Lingüini, suposto herdeiro de um dos mais refinados restaurantes de Paris, Le Gusteau, que, manipulado por Remy, escondido em seu chapéu, se tornará um chef de renome, para desespero do patrão, o baixote Skinner, que assumiu o restaurante após a morte de Gusteau e que, como um oportunista, usa a fama do falecido chef, que acreditava que qualquer um podia cozinhar, para criar linhas de comidas semi-prontas. E o prato provençal do título, à base de legumes fritos no azeite, que derrubará o “ego” do mais cri-crítico dos personagens, em um momento proustiano dos mais sublimes, nesta saborosa animação da Pixar, mais uma vez a cargo de Brad Bird (Os Incríveis, 2004), em que pela primeira vez os mundos das criaturas extraordinárias e dos seres humanos ordinários se encontram e tentam estabelecer alguma (difícil) harmonia, ainda que rato nunca deixe de ser rato sob os olhos dos outros. Inclusive de burocratas franceses da inspeção sanitária. De dar água na boca, literalmente, sobretudo (mais uma vez) pela excelência da animação, que reproduz pratos sofisticados da alta (e da baixa, também) gastronomia francesa com muito realismo, além da perfeita recriação da atmosfera parisiense, cidade que se orgulha sobretudo de seus esgotos, de onde surge Remy. De onde brota a arte, também. Bon appétit!

sexta-feira, julho 06, 2007

O Tango de Rashevski (e a lição do poeta)

(Le Tango des Rashevski, Bélgica/Luxemburgo/França, 2003)



Uma família belga de origem judaica afastada, no entanto, das tradições até que a morte da matriarca, separada do marido, que virou rabino ortodoxo um tanto intolerante em Israel, leva vários de seus membros a ir em busca de suas raízes e, quando não, gera uma crise, ou várias crises, entre eles e os outros, envolvendo circuncisão, casamentos mistos (entre goyim e judeus, entre judeus e árabes), judaísmo liberal, judaísmo ortodoxo e, muita, mas muita discussão à maneira judaica e ao som de algum tango, que, segundo a lição da matriarca dos Rashevski, servia para varrer os problemas para longe, para o deserto de Negev, em Israel, cenário que abre e fecha este simpático filme do diretor Sam Garbarski. Drama e comédia, em que mais do que ser judeu, o importante é ser mensch ("ser humano", em iídiche, palavra relativamente fácil de definir, mas difícil de "sê-la" na prática), e buscar o entendimento, o conhecimento do outro, uma lição universal, ainda a ser aprendida pelos homens, judeus ou não. Belo filme, que complementa o que o recém-falecido poeta Bruno Tolentino disse uma vez numa entrevista, destacando o papel da alteridade, e muito pertinente nestes tempos esquizofrênicos em que as pessoas parecem se fechar sobre elas mesmas:

“O contato com o outro é essencial. É impossível não se relacionar, não levar em conta a realidade do outro. O outro é o real. Não sou eu nem o que eu quero. Se o seu esforço é todo por não se afastar da realidade, por servi-la, por ceder a ela cada vez mais, fatalmente você vai descobrir que essa realidade é o outro, a pessoa que está na sua frente. Ele existe. O resto é abstração. Você faz o que quiser com a sua imaginação. Mas o outro você não pode imaginar. Ele está sempre a mais ou a menos. Atrapalha. É uma droga. Realmente, seria melhor que não houvesse. Sem o outro, a vida seria muito mais fácil, mais simples, mais narcisística. Só que o outro não pode deixar de ser verdade. Não há alternativa. É por aqui ou nada. Mas tem gente apaixonada pelo nada, porque o nada te dispensa até mesmo de ser você. Aqui no nosso país nós nos acostumamos a atropelar o próximo como se ele nada fosse, em nome desse ou daquele ponto de vista, que na verdade não é outra coisa que não um ponto de vista. Não aceito de modo algum que a verdade seja tida como um ponto de vista pura e simplesmente, mas ela não pode prescindir do ponto de vista. Há um risco educativo em atropelar o próximo, impor uma seletividade. E é gravíssimo isso."

(Bruno Tolentino, no site: http://www.blogdogaleno.com.br)

quinta-feira, julho 05, 2007

Catedráticos do Rock

(Rock’n’Roll High School, EUA, 1979)



Na prévia ao filme de Allan Arkush (hoje diretor de TV de séries como Heroes e Crossing Jordan, além da clássica A Gata e o Rato, entre outras), na última Sessão do Comodoro, a exibição do divertido curta de Vébis Jr., “Das Faces e Sombras”, um livre exercício de improvisação e cinefilia, que, parodiando o cinema verité de John Cassavetes, narra com alguma habilidade a frustrada tentativa de dois colegas mal-intencionados de embebedar e levar para a cama uma amiga, ex-namorada de um colega deles. Antes disso, relembram o que ocorreu com um outro amigo cinéfilo, assassinado como o Corisco de Deus e o Diabo na Terra do Sol (64), num assalto ao tentar defender sua coleção de DVDs do Fritz Lang! Muito bom! Depois, a exibição do longa-metragem propriamente dito, um filme B típico do final dos anos 70, descaradamente camp, anárquico e inventivo, em sua deliciosa sucessão de gags de rachar de rir, que inclui, entre os absurdos, ratos de laboratório que explodem ao som do rock dos Ramones, um “bixo” que vive sendo trancado nos armários dos corredores da escola pelos veteranos e uma espécie de “consultor” afetivo profissional que administra seu muito procurado “escritório” dentro do esfumaçado banheiro masculino. Tem até secretária no toalete para atendê-lo!

O fiapo de estória narra a luta da autodeclarada fã número 1 dos Ramones, a primeira da fila de qualquer show da banda, Riff Randell (P.J. Soles, uma das “vítimas” de Michael Myers no clássico Halloween, 78), contra a nazista diretora da escola, que deseja banir, com a ajuda de dois escoteiros almofadinhas que roubam a cena toda vez que aparecem, o Rock’n’Roll e todo o espírito rebelde e transgressor que o envolve. Está declarada a guerra. Para tomar a escola, Riff contará com a ajuda da sua nova amiga nerd, do bonitão inseguro da turma, do muito sofisticado professor de música (o diretor de filmes B Paul Bartel), que desbunda após ver o show dos Ramones, e, claro, dos próprios Ramones, em turnê pela cidade e as grandes estrelas do filme.

Produção de Roger Corman, roteiro de Arkush em co-autoria com o genial Joe Dante (Piranhas, Gremlins, Grito de Horror) e um humor nonsense à John Waters, mais light, no entanto, e que certamente influenciaria os irmãos Zucker e Jim Abrams (Apertem os Cintos o Piloto Sumiu, Top Secret, Corra que a Polícia Vem Aí), em sua irreverência descompromissada e na sucessão de piadas que atiram para todos os lados, sob qualquer pretexto. Além de Bartel, participação especial-afetiva, como um chefe de polícia feioso, de Dick Miller, notório ator dos filmes de Roger Corman e depois dos filmes de Joe Dante, da musa de Andy Wharhol e atriz habitual das películas de Paul Bartel, Mary Woronov, ótima como a diretora opressora, e, claro, dos Ramones, recheando a exuberante trilha sonora com vários sucessos, como a canção-título. Um filme, acima de tudo, nostálgico e cult.

quarta-feira, julho 04, 2007

O Despertar de uma Paixão

(The Painted Veil, EUA/China, 2006)



Um amor, não uma paixão, essa coisinha de adolescente boboca, e que surge aos poucos, nesta história tradicional, baseada em romance de William Somerset Maugham (Servidão Humana, Adorável Júlia, O Fio da Navalha), mas muito bem conduzida por John Curran (Tentação, 2004), em que um médico ocidental servindo em Xangai (Edward Norton), traído pela mulher (Naomi Watts), que a princípio não o ama, vinga-se dela aceitando o posto de diretor de um hospital no longínquo interior da China, uma região devastada pela epidemia de cólera e ameaçada pela guerra civil entre nacionalistas e comunistas. Para evitar um divórcio escandaloso em meio à sociedade burguesa do final dos anos 20, ela se vê obrigada a ir com ele. E o filme já se inicia com a penosa ida à região, para então retroceder. À maneira dos filmes de James Ivory (Vestígios do Dia, 1993), com bela, mas nunca acadêmica ou entediante reconstituição de época, o médico se encarrega de erradicar a doença. E a sua esposa, até então tratada por ele com indiferença e em meio às hostilidades e solidão do lugar, aos poucos vai se encantando com seu trabalho. E com ele, sobretudo. Reconquista-o. E o amor é mútuo agora, neste filme elegante, atento especialmente aos olhares e aos mínimos gestos dos dois magníficos protagonistas, sobretudo a nuançada interpretação de Naomi Watts, aqui morena, num papel que já foi de Greta Garbo (1934) e da ruiva Eleanor Parker (1957). O amor é mesmo coisa para maduros, como diria Drummond. E brota devagar, construído com delicadeza, com sacrifício até. Filme de sensibilidade rara, que parece anacrônico em seu discurso old fashion em tempos de amores expressos e afetos à deriva. Mas só parece.

terça-feira, julho 03, 2007

O Balconista 2

(Clerks 2, EUA, 2006)



Dante (Brian O’Halloran) e o seu amigo mala Randal (Jeff Anderson), com 30 anos nas costas, os balconistas mais losers de Nova Jérsei, estão de volta, depois de 12 anos e de uma trilogia de O Senhor dos Anéis e de uma nova-velha trilogia de Star Wars. Mas parece que o tempo não passou para eles, apesar de o filme ganhar cores mais atuais. E a “atração” mútua entre eles continua a mesma. Agora trabalhando numa lanchonete fast-food, após o incêndio que, por culpa de Randal, destruiu a loja de conveniência do filme original, Dante está para se casar e se mudar para a Flórida com a rica noiva loira, provavelmente uma ex-cheerleader, dando finalmente um rumo a sua vida. Seu desbocado, tarado, provinciano, homofóbico e racista amigo pretende então organizar uma despedida de solteiro daquelas em seu último dia de trabalho, enquanto passa o tempo aporrinhando o nerd cristão Elias (Trevor Fehrman), também balconista da lanchonete, em engraçadíssimas conversas sobre trolls morando em vaginas e hobbits gays que passam a “trilogia inteira só caminhando” em O Senhor dos Anéis, duas seqüências antológicas. Mas uma nova paixão surge no caminho de Dante, na pele de Rosario Dawson como a (bela) gerente da lanchonete.

Não poupando a escatologia verbal e nérdica onipresente no primeiro filme, perde, no entanto, um pouco do gás no terço final, quando cede um pouquinho ao sentimentalismo, ausente no filme original, ácido do começo ao fim. Ainda assim, tem momentos hilários, diálogos afiados e a sempre cômica presença dos eternos maconheiros e exibicionistas, agora “cristãos”, Jay (Jason Mewes) e Silent Bob (Kevin Smith), mesmo que a sensação de lugar nenhum e vazio predomine em seu final supostamente redentor, forçando uma espécie de elogio do loser, pois, desta vez, ao contrário dos filmes anteriores de Smith, Silent Bob não tem nada a dizer. E o filme parece que também não, apesar de toda a sua verborragia, além de uma melancólica sensação de loser que contamina o espectador na mesma faixa etária e (quase) no mesmo status dos empacados protagonistas.

segunda-feira, julho 02, 2007

Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado

(Fantastic Four: Rise of the Silver Surfer, EUA, 2007)



Melhor no humor que na ação, um tanto rotineira, apesar dos ótimos efeitos especiais, desta vez o quarteto, cada vez mais entrosado, recebe a visita do lendário Surfista Prateado, solitário viajante das galáxias, que traz consigo uma força maligna que ameaça destruir a Terra, o Galactus. De quebra, os quatro ainda têm de enfrentar o retorno de seu arquiinimigo, o Dr. Destino (Julian MacMahon), ressuscitado por Galactus. Mas, mesmo com tantas ameaças, o circo midiático (e toda a humanidade) se volta para o eminente casamento entre o líder do quarteto, o cientista Reed Richards (Ioan Gruffudd) e a sexy doutora Susan Storm (Jesssica Alba). Sem muita firula, o filme de Tim Story vai direto ao ponto, e é rápido, movimentado e divertido. Nada melhor para uma boa tarde de sábado, numa época em que ninguém mais agüenta piratas criptogays ou super-heróis em crise, sofrendo de amores não-correspondidos ou com cabelinho emo ou ambos. E que venham mais filmes com o Surfista Prateado. Ele merece um filme solo, sobretudo por conta do tratamento caprichado que ganhou nesta continuação.