quarta-feira, fevereiro 28, 2007

O Mestre das Armas

(Fearless/Huo Yuanjia, China, 2006)



A despedida de Jet Li dos filmes de artes marciais ou wushu, estilo que o consagrou, abre já em pleno combate, num torneio na Xangai dos anos 10, onde ele, como Huo Yuanjia (que realmente existiu) será o solitário oponente chinês contra os lutadores de potências ocidentais e do Japão, que querem dominar e dividir a China entre si. Em seguida, em flashback, narra-se a trajetória deste lutador baixinho, filho de um sábio mestre das artes marciais de Tianjin, que, no entanto, se recusa a educá-lo para o combate. Secretamente, apenas na presença do estudioso amigo Jinsun, passará a treinar com a motivação maior de encher de porrada os coleguinhas que o humilham, sobretudo depois que vê o pai perder uma luta num torneio. Já adulto, e de combate em combate, dominando todo tipo de arma (facão, espada, lança, sansetsukon ou o nunchaku de três seções, etc.) e estilos, se tornará invencível na cidade e, arrogante, assumirá a escola do pai e arranjará uns discípulos encrenqueiros. Numa briga no restaurante de Jinsum (Nong Yong), matará seu mais forte oponente. Como retaliação, sofrerá a grande derrota de sua vida: o massacre da família. Pára de lutar, partindo pelo mundo como uma espécie de lutador renegado, até finalmente se dar conta da profundidade e da humildade dos ensinamentos paternos, ao plantar arroz numa aldeia ou enamorar-se de uma bela camponesa cega, e retornar à cidade como fundador da Federação Chin Wu de Esportes, que democratizaria as artes marciais, antes enclausuradas nos templos, academias militares e escolas, e que existe até hoje, e para a redenção no torneio final.

Bela produção, cenários de encher os olhos, algumas excelentes lutas a cargo mais uma vez de Yuen Woo Ping (Matrix, O Tigre e o Dragão, Kill Bill), aqui mais físicas e menos acrobáticas, não me empolgou, no entanto. Talvez pela repetição dos estilos de combate e de coreografias já encenadas em outras produções estreladas por Li, e muito mais enlouquecidas e delirantes, como Era Uma Vez na China (1991), de Tsui Hark, e The Legend (1993), de Corey Yuen. Talvez pela direção meio frouxa de Ronny Yu (Freddy vs. Jason), entregando algo muito óbvio e conciliador no final. Tinha que ter partido para arregaçar com tudo, em minha opinião. Às vezes até consegue, mas graças a Jet Li que a Ronny Yu. E que fosse tudo filmado de forma épica e triunfal, exaltando os combates, a glória do guerreiro, e não pasteurizada, repetindo luta atrás de luta, sem muita convicção, afinal trata-se da despedida de um astro lutador. E nem o arrependimento de Huo Yuanjia, que passará a proferir com insistência todos aqueles “sábios” ensinamentos que soam mais como frases lidas de biscoitos da sorte chineses, chega a ser especialmente convincente ou comovente depois de tanta arrogância demonstrada na primeira parte do filme. Mas Jet Li é sempre Jet Li. Filme que pede revisão, de qualquer forma. Não é sempre que se vê Jet Li lutando nas telonas, na sua língua original. E agora, menos ainda. Ou nunca mais, como diria um bom escorpiano.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

O Diabo Disse Não

(Heaven Can Wait, EUA, 1943)

Um dia iremos todos morrer. E quando esta hora vier, é chegado o momento de prestar contas a Deus ou ao Diabo. Muitos, a maioria certamente, irão parar na ante-sala do Inferno. É o que acontece com Henry Van Cleave (Don Ameche), que passou a vida inteira sendo mandado para lá pelos outros, afetos e desafetos, tanto que, quando chega a sua hora, não hesita em se dirigir direto para o encontro de um elegantíssimo Lúcifer (Laird Cregar), nesta comédia de Ernest Lubitsch. Lá, Lúcifer quer saber que “diabos” ele estaria fazendo ali e porque deveria ser mandado para um lugar onde a música e o ambiente não são dos mais agradáveis. Henry, então, contará a sua vida, pontuada pelas paixões, em geral inapropriadas aos olhos de sua rígida e rica família nova-iorquina, como quando, bem jovenzinho, cai de amores pela babá francesa, ficando malade por ela, repetindo devaneios na língua de Voltaire por dias e dias. Ou então, quando se apaixona por Martha Strabel (Gene Tierney), adorável noiva de seu primo todo certinho e queridinho da família, à exceção do avô (Charles Coburn), que sempre preferiu a impulsividade de Henry e que o ajudará a conquistá-la. Martha, herdeira de uma família rica e tradicional do Kansas, será a mulher da vida de Henry, com quem finalmente se casará, após alguma insistência, para horror das famílias dele e dela. Ainda assim, como bon vivant que sempre foi, dará suas escorregadas para cima de coristas e atrizes, para a desconfiança de Martha, ameaçando o casamento. Algum infortúnio e mal-entendido, mas sobreviverão e continuarão juntos pela vida dançando a mesma valsa.

Filme pleno do famoso “toque de Lubitsch” (“Lubitsch touch”), com diálogos e situações que finamente emanam malícia, sexualidade e atrevimento, especialmente na primeira parte, e que depois, rumo ao fim, se tornará uma agridoce reflexão sobre a vida, a morte e o amor no meio, a ponto de comover. Tudo fotografado em belíssimo Technicolor, muito bem restaurado nesta edição em DVD da Fox, destacando a sofisticação dos ambientes e a beleza eterna de Gene Tierney (musa de Otto Preminger).

Tudo também conduzido pela narração suave e bem-humorada, cheia de verve e wit, de Don Ameche, que perceberá ao final, com a ajuda de Satanás, quão plena havia sido a sua vida, especialmente por tê-la partilhado com uma mulher maravilhosa como Martha. Pena que o título em português, bem à maneira dos portugueses, entregue todo o desfecho.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

And the Oscar goes to... Marty! At last!



Melhor filme, melhor diretor (Os Infiltrados). E a verdadeira rainha da Inglaterra ganhou (Helen Mirren), of course! E o falso rei da Escócia (Forest Whitaker) também triunfou, embora estivesse torcendo pelo Lawrence da Arábia (Peter O'Toole), velhinho, velhinho. Torci também para uma zebra, tipo A Pequena Miss Sunshine como melhor filme, mas The Departed é massa. No fim, Al Gore discursou, Ennio Morricone triunfou with a hand full of Oscar, apesar de Celine Dion. E Ellen DeGeneres, sem forçar na graça, é sim bem engraçada. E, por último, Jodie Foster apresentou a very long (and sad) list of "departed" in 2006.

Todos os premiados: www.estadao.com.br/ext/especial/extraonline/especiais/oscar2007/

domingo, fevereiro 25, 2007

13 Tzameti

(França, 2005)



Sempre seco e direto, decepciona um pouco no final, mas traz boas cenas de tensão durante a sua trajetória, em que um pedreiro imigrante do Leste Europeu, Sébastien (George Babluani), necessitado de dinheiro, pega a identidade de seu falecido patrão, morto por overdose, junto com misteriosas instruções que encontra num envelope e, seguindo-as, envolve-se em um sinistro jogo de roleta-russa, onde cada participante aponta a arma para a cabeça do outro, em vez de apontar para a própria, e são feitas altas apostas pelos organizadores. Ele é o jogador de número 13. O puro acaso determina quem sobrevive. Assim, a cada rodada tensa e sangrenta, acende-se uma lâmpada, puxa-se o gatilho, caem os corpos e aumenta-se o valor do dinheiro apostado, até o último que ficar de pé. Aumenta também a adrenalina daqueles que sobrevivem, sobretudo a do novato Sébastien, que parece pouco a pouco mais afeito a seguir adiante, e tensões, impressas nos rostos, se armam entre os competidores, que estão ali, descartáveis, somente para morrer, enquanto seus apostadores arriscam reflexões filosóficas sobre a sorte, a vida e a morte, neste curioso thriller de estréia do diretor francês Géla Babluani, que sabe muito bem, num preto e branco expressionista, armar um clima forte e concentrado de suspense entre as cenas, evitando maiores aprofundamentos sobre os personagens ou sobre a origem da competição e dos indivíduos que estão por trás dela, aparentemente milionários entediados, em busca de emoções arriscadas, um pouco à maneira de O Albergue (2005), de Eli Roth, sem o mesmo sadismo, no entanto.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Vênus

(Venus, Reino Unido, 2006)



Velhos hábitos, na vida dos velhos atores Maurice (Peter O´Toole) e Ian (Leslie Phillips), ainda bem conhecidos no mundo do teatro, mas não pelos mais jovens. A ida ao mesmo café de décadas, os mesmos amigos de décadas e que agora, um a um, passarão a ocupar, em vez das páginas dos espetáculos, as do obituário nos jornais.

Vinda do interior, uma jovem (Jodie Whittaker), sobrinha-neta de Ian, que a vê com horror em suas atitudes moderninhas, dará no entanto algum alento ao dia-a-dia de Maurice, decano, mas ainda bem lúbrico, que flertará com ela sem a menor hesitação, já que ela será bem permissível a alguns avanços dele, num certo limite. Aos poucos, porém, ele contemplará a sua própria finitude, ao ser operado da próstata, o que o deixará impotente, mas não menos desejoso de possuí-la. Além disso, quando o fim parece mais próximo, agirá um pouco à maneira do personagem de Michel Piccoli no filme de Manoel de Oliveira Vou para Casa (2001), tendo que fazer cada vez mais esforço para interpretar uma cena num filme de época, por exemplo. Ou um cadáver, simplesmente, numa série televisiva, em seqüência bem irônica.

Apesar dos esforços de Roger Michell (Um Lugar Chamado Notting Hill) e do roteirista Hanif Kureishi (Minha Adorável Lavanderia, Sammy e Rose, Intimidade) em criar momentos genuínos de ternura no relacionamento ora tumultuado, ora afetuoso dos dois, mas que não dispensará certas safadezas da parte de Maurice e doçuras um tanto ríspidas da parte dela, além do humor decorrente das conversas entre ele e seus velhos amigos, temperadas com o bom humor inglês de sempre, o filme é todo de Peter O'Toole, recitando magnificamente a poesia de Shakespeare e ainda encantado com as belezas femininas que parecem eternas, tal como vistas no quadro da Vênus de Velázquez, que ambos contemplam certa feita na National Gallery de Londres. Ou quando tenta bisbilhotá-la, na cena em que posa nua timidamente para artistas. Ou mesmo quando ainda se mostra respeitoso com a ex-mulher (Vanessa Redgrave), vítima de suas infidelidades constantes. Momentos também que soam como uma despedida e uma celebração solene de uma vida plena, com todas as suas virtudes e pecados, também. Constrói-se assim um filme agradável, cheio de pequenos encantos, sobre a vida finita e o desejo sem fim, em seus limites cinematográficos não muito ambiciosos.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

O mundo é a minha representação



Neste dia, há 219 anos, nascia em Dantzig o filósofo alemão Arthur Schopenhauer. Morto em 1890, sua principal obra, o originalíssimo O Mundo como Vontade e Representação, sobrevive, influenciando o mundo mais do que muita gente gostaria e, melhor ainda, contra a vontade da natureza e dos bípedes que compõem a humanidade.

Candy

(Candy, Austrália, 2006)



Jovens drogados à deriva em Melbourne, dilapidando as suas vidas pelo vício da heroína, neste drama amargo, à maneira do também aussie (e superior) Sob o Efeito da Água (2005). Mas essencialmente uma história de amor entre a bela Candy (Abbie Cornish), uma artista plástica, e Dan (Heath Ledger), um poeta sem um ponto de apoio na vida, e a heroína que os mantém unidos, a qualquer custo, apesar dos reveses da vida e dos crimes que cometem para manter o vício, sendo ela obrigada inclusive a se prostituir, sem o menor remorso da parte dele. Casam-se, mudam-se de lugar várias vezes. Ela vai enlouquecendo. Tentam abandonar o vício que os consome, mas é um caminho sem volta, sobretudo para Dan, que ao final preferirá, pelo menos, manter essa ilusão romântica de estarem juntos para sempre em sua memória. Assim, em seqüências bem marcadas pelos intertítulos, seguem o conhecido trajeto do Paraíso ao Inferno no mundo dos drogados.

Um filme de atores, sobretudo, destacando-se o casal protagonista mais Geoffrey Rush como um drogado sênior e com PhD em química, capaz de fabricar seu próprio veneno, e uma certa placidez no estilo do diretor e roteirista Neil Armfield, às vezes melodramático, às vezes poético, mas não mais do que isso.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Uma Mulher sob Influência

(A Woman under the Influence, EUA, 1974)



Retrato de uma dama. De uma dama (Gena Rowlands) de uma família operária ítalo-americana. Ela à beira de um colapso nervoso e as conseqüências entre os parentes e a inabilidade do marido esquentado (Peter Falk) em lidar com a situação e com os três filhos pequenos depois que ela é internada numa instituição psiquiátrica, pela câmera oscilante de John Cassavetes, que balança, treme, sai do foco, em close-ups, zoom-ins e zoom-outs que mostram tudo, mas não revelam nada. Tudo a ponto de explodir, de fugir do controle a qualquer instante, mesmo nos momentos de calmaria, quando, por exemplo, um operário negro canta uma ária de ópera, afinadíssimo, no meio de um almoço improvisado, ou quando marido e mulher, reunidos novamente, põem os filhos para dormir. Direto, devastador, essencialmente longo, fundamental.

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Turistas

(Turistas, EUA, 2006)



O paraíso tropical e a violência nossa de cada dia. Visões comuns fora do Brasil (e dentro também, convenhamos) e que coincidem nessa produção de John Stockwell (A Onda dos Sonhos, Mergulho Radical), que emula com menos sucesso O Albergue (2005), de Eli Roth. Mais uma vez um grupo de turistas viajando pelas péssimas estradas brasileiras. Um acidente de ônibus deixa-os bobos em meio às delícias da cor local, da praia, da caipirinha, do funk (urgh!), até que são roubados e caem na armadilha de um médico psicopata que tem consciência social em relação à saúde pública brasileira, sempre necessitada de órgãos para transplante e de outras coisas também.

Boa ambientação, alguma violência, pouca mulher pelada, pouca bunda. Apesar da bem conduzida perseguição aquática nos momentos finais, especialidade de Stockwell, um roteiro sem novidades e pouco amarrado no suspense que parecia promissor. E o Brasil já foi mais folclórico, mais trash e mais divertido em outras produções gringas. Aqui, menos, menos, apesar do estardalhaço samba-exaltação das “otoridades” do Bananão e do Fantástico contra o filme. Enfim, tudo por aqui continuará tão violento e estúpido quanto os gringos bobocas e deslumbrados que aqui chegam, apesar de Melissa George ser uma graça e até arranhar um português bem sexy.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Cartas de Iwo Jima

(Letters From Iwo Jima, EUA, 2006)



Sob a névoa da guerra, jazem os corpos dos soldados japoneses. Sob a névoa da guerra, alguns ainda sobrevivem, arrastando-se entre os projéteis que varam as trincheiras e casamatas na batalha de Iwo Jima. Batalha já perdida pelos japoneses. Menos a guerra, porém, mais a sobrevivência à maneira de Samuel Fuller (Agonia e Glória) dos que não tombam. Mas os que sobrevivem, matam-se pela honra. Honra milenar, que alguns não querem aceitar, como o jovem soldado Saigo (Kazunari Ninomiya), que passa parte da guerra cavando trincheiras (ou “covas”) e túneis, outra parte se escondendo neles das balas dos americanos e dos rituais de suicídio de seus superiores patriotas, que não vêem alternativa mais honrosa diante da capitulação eminente da ilha. Alguns, como o general Tadamichi Kuribayashi (Ken Watanabe), também não gostam da idéia da auto-imolação das tropas, embora o general já saiba que vai morrer. E enquanto resistem, sem água ou comida, cartas para suas famílias são lidas. Das mais simples, das mais tocantes, das mais comoventes, aproximando homens de lados opostos no campo de batalha em toda a sua humanidade, neste que é o maior filme de Clint Eastwood de todos os tempos, filmado num preciso claro e escuro que reforça mais uma vez essa zona de luz e sombras que é a guerra, onde nem sempre inimigos ou aliados são tão evidentes assim.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Perigosa Obsessão

(Peligrosa Obsesión, Argentina/Brasil, 2004)



Ah, o sempre prestigioso cinema argentino, hehehe, bem menos nesta trama de ação rocambolesca, com tiroteios, perseguições, traições e otras cositas já vistas em dezenas de fitas do gênero made in USA, mas em versão Mercosul, com dois argentinos, um deles agindo o tempo todo como um debilóide (Mariano Martínez), e uma brasileira gostosinha (Carol Castro, enrolando-se no portuñol básico) primeiro escapando de uns cariocas malucos no Rio e depois de uns hermanos mucho locos de uma organização criminosa portenha chefiada por uma ruiva caliente (Victoria Onetto), que quer algo deles, mas não me lembro muito bem do que se tratava, pois assisti a este filme faz tempo no Cinemax só para ver a inacreditável perseguição de caminhões realizada na ponte Rio-Niterói, no começo. E não é que conseguem filmá-la bem, arremessando Monza velho e carreta Scania direto na Baía de Guanabara! Aliás, o filme é no todo bem produzido, não há como negar. De resto, é derivativo e cheio de canastrice (à exceção do sempre eficiente protagonista Pablo Echarri, de Plata Quemada e Crônica de uma Fuga), porrada e absurdos atropelando um roteiro desconjuntado, mas que garantem diversão preguiçosa em alguns momentos, onde brilham até saúvas famintas!

Antônia

(Brasil, 2006)



Mais uma vez a favela em perspectiva, num tom seco, naturalista, com diálogos que soam improvisados, decupagem com câmera solta, sempre próxima dos atores, tentando evoluir para uma verdade cinematográfica muito comum hoje em dia e que acaba não se configurando, na trajetória do quarteto de moças do título, que depois vira trio, vira duo e um dia acaba porque os homens são todos maus e sacanas, embora o empresário delas seja um tipo engraçado. Mas o quarteto voltará, pelo menos para a série da Globo, produtora do filme. Problemas surgidos, problemas resolvidos. Ou nem tanto. As moças, pelo menos, são afinadas, mas tudo fica num esboço, num vir a ser que não vem. Tata Amaral já fez melhor em Um Céu de Estrelas, penso. Aqui, naturalismo estéril, em sonoridade hip-hop, ritmada. E sobram aquelas boas intenções de sempre, bem do tipo que exalta a doçura dessa brava gente tão brasileira, especialmente a das mulheres. Os gringos, no entanto, vão adorar.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Em março, nas locadoras


Coleção Rohmer. Finalmente em DVD no Brasil a série Contos das Quatro Estações. Meu preferido: Conto de Inverno (92), porque sempre há alguma esperança, ou Pascal ensina, Shakespeare comove e Rohmer demonstra. Perfeita simbiose.

Carlos Coimbra (1927-2007)



Conterrâneo de Lorde David, um legítimo artesão do cinema brasileiro, montador de O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte, e O Marginal (!974), de Carlos Manga, e diretor de vários filmes de cangaceiro, como A Morte Comanda o Cangaço (1960), Lampião, o Rei do Cangaço (1962), Cangaceiros de Lampião (1966) e Corisco, o Diabo Loiro (1969), além das adaptações literárias A Madona de Cedro (1968), da obra de Antonio Callado, e Iracema, a Virgem dos Lábios de Mel (1978), de José de Alencar. Seu filme mais conhecido, porém, é o oficialesco Independência ou Morte (1972).

O Violino

(El Violin, México, 2006)



Cenário revisitado das contradições político-sociais da América Latina dos anos 70, com guerrilha, ditadura, tortura e indígenas desplazados, numa fotografia em preto-e-branco, um tanto estetizante. Tudo muda com a entrada em cena de Don Plutarco (Don Angel Tavira), que mesmo sem uma das mãos, segue estoicamente tocando seu violino em meio aos conflitos. Também é velho o bastante para não mais se render às ilusões da luta armada contra os militares, ainda que faça parte dela, conforme vai narrando histórias de resistência dos povos indígenas a cada noite ao seu neto (Mario Garibaldi) e tendo seu filho (Gerardo Taracena) diretamente engajado na luta. E é graças ao seu violino que também estoicamente dribla essas contradições ao ganhar a simpatia de um coronel (Dagoberto Gama), que ocupa com o exército a sua propriedade e que, encantado com o som do instrumento percurtido por Don Plutarco, passa a vê-lo todos os dias, exigindo sempre ouvi-lo tocar. Assim, o laço entre os dois se estreita, e as ambigüidades emergem, já que Don Plutarco aproveita esses encontros para furtivamente contrabandear pela caixa do instrumento armas e munições para a tropa rebelde de seu filho, escondidas no milharal da propriedade, bem debaixo dos narizes dos militares. São cenas plenas de tensão e suspense, traduzidas com o mínimo de gestos pela figura diminuta de Don Plutarco, sábio e bem mais corajoso que toda a guerrilha ao encarar os militares apenas com a sua arte e paciência, esta impressa no rosto bem vivido, que também pouco se move, mas que diz tudo, da mesma forma que os rostos quase fixos retratados pelo casal Jean-Marie Straub e Danièle Huillet em Gente da Sicília (99), por exemplo, neste primeiro filme de Francisco Vargas Quevedo (originariamente baseado num curta-metragem seu), que termina de forma cíclica, mas que não encerra a luta ou o arpejar do violino. Contexto explosivo, cinema de contenção, e dos bons.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Pro Dia Nascer Feliz

(Brasil, 2006)



O “Ser e Ter” brasileiro. Mais ser, que ter. E bem brasileiro nas contradições e desigualdades mostradas, mas com bem menos da poesia do filme de Nicolas Philibert e registrando uma faixa etária maiorzinha. Aqui, tudo é um pouco mais áspero.

Trata-se da adolescência com os nervos e hormônios à flor da pele, mas também com a doçura e a inteligência aflorando neste retrato da educação brasileira e suas assimetrias estruturais, sociais, econômicas, vistas por meio de alguns depoimentos de jovens do Ensino Médio de escolas da periferia de São Paulo, de um bairro de classe média-alta paulistana, da Baixada Fluminense ou do sertão pernambucano, entre outras. Algumas eternas mazelas revisitadas, como a violência, a falta de estrutura, drogas, pais ausentes, o descaso com os professores e a omissão das autoridades, e um problema existencial comum a todos (e a mim também, oras!), mesmo entre os alunos mais abastados de São Paulo: a incerteza em relação ao futuro, em depoimentos ora engraçados, ora comoventes, ora assustadores, captados pela câmera um tanto intrusiva de João Jardim (A Janela da Alma), mas que, sobretudo pela observação, percorrendo corredores e instalações de ensino muitas vezes precárias, consegue aproximar alunos de universos tão distantes, sincronizando pela boa edição angústias e evitando o lado diretamente panfletário, doutrinário ou as falas reiterativas.

No conjunto, os depoimentos vão se somando e dão uma feição humana àqueles números exibidos na tela em determinado momento, todos bem desalentadores e tendendo a piorar. Uma das professoras entrevistadas, por exemplo, é tão nova e desmotivada que mais parece um de seus alunos. Apesar de tudo, como ponto alto, a jovem poetisa Valéria declamando um poema seu e que fecha o filme com sensibilidade.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

A Rainha

(The Queen, Reino Unido/França/Itália, 2006)



O retrato da rainha Elizabeth II, acadêmico, sisudo, pintado logo no começo do filme, vai ganhando volume ao longo deste formidável trabalho de Stephen Frears (The Hit, Ligações Perigosas, Sra. Henderson Apresenta), que põe em perspectiva a vida íntima dos monarcas britânicos para além daquela retratada pela mídia sensacionalista ou pelo escárnio caricatural dos antimonarquistas.

O “ano horrível” (Annus Horribilis) da rainha Elizabeth II (Helen Mirren) começa com a morte da princesa Diana, uma crise em que se vê acuada entre as tradições, mantidas com o maior rigor e austeridade por ela, e a pressão crescente da mídia, que a pinta como vilã de toda a tragédia e a joga contra a opinião pública, ainda que Diana não fizesse mais parte da família real. Tony Blair (Michael Sheen), recém-eleito primeiro-ministro do Reino Unido com um discurso modernizador pelo Partido Trabalhista, após 18 anos de predomínio dos Tories ou Conservadores, vê a chance de encorpar ainda mais a sua popularidade, ao intermediar a crise entre a imprensa e a monarquia, o que forçará a rainha a ceder para não ver seu reinado abalado. A rainha e a monarquia britânica nunca mais seriam as mesmas. Ou seriam?

Em cena notável, logo no fim, em frente ao Palácio de Buckingham, Frears demonstra com a maior reverência que há ainda algo de fascinante nessa rainha, uma mulher forte, discreta e que carrega o peso simbólico das sólidas e imutáveis tradições, muito maiores que ela, o que acabará por atrair para seu alcance Blair, mero manipulador da mídia, esta mutável de acordo com os ventos que um dia poderão não mais soprar a favor dele, pois afinal “ministros passam, a realeza permanece”, como afirmará a rainha num dos muitos afiados diálogos deste filme dirigido com precisão por Frears, hábil em mesclar ficção com imagens reais das TVs e dos jornais, sem se render ao sensacionalismo destes, e austero o suficiente para pôr em evidência os talentos de todos os atores e do texto de Peter Morgan (O Último Rei da Escócia). Mas claro que nada é mais deslumbrante que a atuação de Mirren, construída com gestos e expressões mínimas, que a câmera nunca intrusiva de Affonso Beato sabe captar com suficiente economia para que nos curvemos também a ela ao final. Tudo, porém, sem pompa, nem circunstância.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Rocky Balboa

(Rocky Balboa, EUA, 2006)



Menos competição, mais coração. Menos uma seqüência, que daria origem a outras seqüências, mais uma despedida. E das mais dignas. Repete-se o esforço de superação de Rocky Balboa do primeiro filme, todo o treinamento, incluindo a famosa subida da escadaria diante do Museu da Filadélfia ao som de “Gonna Fly Now”. Mas o clima é outro, mais soturno, pleno de melancolia. Rocky (Sylvester Stallone), viúvo, solitário, vive do passado, exposto nas paredes do seu restaurante italiano, que leva o nome de sua mulher, e nas histórias que conta a seus clientes, a cada noite. Visita também antigos lugares, todos decadentes. Recebe ainda pouca atenção de seu filho adulto. Mas é determinado e quer voltar a lutar, pois não vê alternativa. Primeiro, pensa em pequenos confrontos locais; depois, quando consegue sua licença, surge a grande chance numa luta-exibição em Las Vegas com o jovem e arrogante astro peso-pesado Mason Dixon (Antonio Tarver). Aí, o que era cinema e dos bons, pleno de nostalgia, ganha cara de espetáculo televisivo, até na textura das imagens, de transmissão de boxe ao vivo, que pouco acrescenta ao que já foi mostrado (melhor) nos outros filmes da série. Isso empobrece um pouco o clímax da luta, que se esperava mais épico. Ainda assim, filme no todo bem levado por Stallone e seu carisma, em que é difícil não torcer mais uma vez por Rocky (e por Stallone, também) e sua capacidade de se reerguer diante das pancadas do boxe e da vida, resistindo a elas até o final, pois boxe nada mais é, em essência, que um esporte de resistência, onde mais se apanha que se bate. O importante, no fim das contas, é sempre se manter de pé. E isso Stallone mostra como ninguém, honrando seu personagem mais conhecido, com o qual freqüentemente se confunde, na melhor de todas as continuações do vencedor do Oscar de melhor filme de 1976.

domingo, fevereiro 11, 2007

Borat - O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América

(Borat: Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan, EUA, 2006)



Fala-se hebraico com sotaque polaco no anti-semita Cazaquistão de Borat, um lugar onde todos os habitantes parecem sofrer sérios de distúrbios sexuais ou mentais ou os dois juntos. Borat, o personagem-título e repórter folclórico da TV local, decide ir à América em missão oficial para aprender um pouco mais sobre os costumes dos americanos e de sua grande nação para benefício do próprio Cazaquistão. Seu anti-semitismo é caricatural. Ele, um ser também todo caricatural, tipo criado pelo ator britânico Sacha Baron Cohen na TV, descobre um país de gente real que mais parece caricatura, ao dar de cara com feministas, gays, políticos, cowboys de rodeio e evangélicos. E não hesita em constranger ou ser inconveniente a nenhuma dessas criaturas em sua viagem de Nova Iorque à Califórnia em busca do sonho americano, ou melhor, de Pamela Anderson.

Humor grosso, grotesco muitas vezes, politicamente incorreto sempre, infame, divertidíssimo, em ritmo de falso documentário. Mas não para todos os gostos. Cohen é constrangedor um pouco à maneira de Larry David no seriado Curb your Enthusiasm, mas sem medo de se expor (mais ainda) ao ridículo e de modo mais explícito e ultrajante até, dando a cara (e outras partes, também) para bater. Não à toa, o filme é dirigido pelo produtor e diretor da série de David, Larry Charles. E depois dessa viagem iconoclasta, não me venham dizer que os judeus são um grupo de privilegiados naquela América profunda, das armas e da Bíblia, dominada pelos goyim (gentios). Oy vey!

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

A Conquista da Honra

(Flags of Our Fathers, EUA, 2006)



Guerra sem glória. Violenta, brutal em suas cores esmaecidas. Sem heroísmo para aqueles que morrem, embora herói e heroísmo sejam as palavras mais ouvidas ao longo de A Conquista da Honra. Repetidas tantas vezes até serem esvaziadas de seu verdadeiro sentido na guerra, onde, parafraseando Samuel Fuller, o “único heroísmo é sobreviver”, apenas para melhor servirem à propaganda do governo americano, que convoca três fuzileiros sobreviventes, dos seis que protagonizaram a famosa fotografia do hasteamento da bandeira americana em Iwo Jima, para levantar fundos de guerra (War Bonds) em turnê de propaganda patriótica pelo país, durante a Segunda Guerra Mundial. Foto posada, está claro, mas tão histórica quanto. Mesmo que a ilha ainda não tivesse sido conquistada.

Mas estes homens aclamados como heróis, apesar de sobreviventes, são heróis de fato? Não seriam fantasmas? Já que, ao serem obrigados a repetir tantas e tantas vezes o mesmo gesto de fincar a bandeira para as encenações da propaganda, os mortos da batalha, aqueles que tombaram na areia ou foram estraçalhados pela artilharia japonesa, reaparecem em suas memórias ou pesadelos? Não seriam estes “atores” espíritos assombrados por lembranças cruentas pelo resto da vida, achando-se culpados por terem sobrevivido, a ponto de até virarem zumbis, como é o caso de um deles, Ira Hayes (Adam Beach), o índio veterano que após a guerra vaga bêbado e moribundo pelas estradas da América, onde continuará a ser tratado como índio, cidadão de segunda classe e não como o grande herói americano de Iwo Jima? Assim, para sobreviver, o melhor é esquecer da guerra e, principalmente, da lembrança daquela imagem. É o que faz Doc Bradley (Ryan Phillippe), enfermeiro de seu pelotão que, após o conflito, não revela a seus filhos seu passado no front, enquanto sobrevive administrando uma funerária (!). Após a sua morte, um deles descobre que ele havia sido também um dos fotografados na ilha, o que faz a história caminhar em dois eixos cronológicos que se cruzam ao longo do filme, intercalando ou sobrepondo presente e passado pela precisa edição.

Mais do que Ford (“Print the Legend”, o famoso “imprima-se a lenda” de O Homem que Matou o Facínora) ou Fuller (Agonia e Glória), reafirma-se aqui mais uma vez a conhecida frase de André Bazin de que o cinema é uma máquina de fabricar fantasmas, e se nas cenas de batalha o filme evoca O Resgate do Soldado Ryan ou a minissérie Band of Brothers (ambas produções de Steven Spielberg, que também é o produtor deste Flags), no restante é levado com a habitual sobriedade pela direção firme de Clint Eastwood, que evita estridências melodramáticas, com os personagens calmamente dispostos na contraluz por uma câmera bem assentada e trazendo ao fundo o mínimo de trilha sonora, para melhor reafirmar suas convicções éticas, preocupado que é, acima de tudo, com a verdade para além das aparências. Porém, por mais que procure desmistificar a guerra e sua propaganda, Clint Eastwod não deixa de ser reverente a esses rapazes, que se arrumam como belos cadáveres de cabelos aparados para em seguida partir para o sacrifício, como é mostrado numa das cenas um pouco antes do desembarque decisivo em Iwo Jima. Reverente, porém, sem o patriotismo evocado pela imagem que eternizou a conquista e apagou os indivíduos por trás dela.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

A Tortura do Medo/Mórbida Curiosidade

(Peeping Tom, Reino Unido, 1960)



Pelos olhos de Mark Lewis (Karl Heinz Böhm, filho do grande maestro alemão Karl Böhm) acompanhamos os passos de uma prostituta até o seu assassinato, visto em câmera subjetiva. A cena, registrada em película, é depois assistida por Mark, agora espectador da ação da qual foi algoz. E nós, mais do que meros espectadores, participamos do ato continuo de Mark e compartilhamos com ele o pavor da mulher registrado nos momentos finais de seu snuff movie, de onde tira(mos) todo um prazer voyeurístico. Outras mulheres terão o mesmo destino: a garganta espetada pelo tripé da câmera de Mark, um operador de foco de grandes produções cinematográficas e fotógrafo clandestino de garotas nuas nas horas vagas. Quer, no entanto dirigir seu próprio filme, “baseado em fatos reais”, por isso não larga a câmera 16 mm e filma tudo ao seu alcance. Ele ainda secretamente revelará os filmes em seu apartamento para depois assisti-los, o que desperta a curiosidade de sua ruiva vizinha Helen (Anna Massey), que se simpatiza de cara com seu tipo recluso, solitário e freqüentemente assustado, pois quando criança teve seu dia-a-dia sistematicamente registrado em som e filmagens aterradoras pelo pai, renomado cientista do comportamento, mais interessado em assustá-lo para depois estudar suas reações diante do medo e da tristeza que em ser um pai propriamente dito. O laço entre Vivian e Mark se estreita e altera um pouco os hábitos dele. Porém, a mãe dela (Maxine Audley), mesmo cega, percebe que há algo de errado nisso tudo, até o final impactante, onde acuado, Mark tratará ele mesmo de virar protagonista de seu filme demente.

Polêmico à época, pelo tratamento aberto e franco que dava à sexualidade e suas implicações com o voyeurismo na ainda muito reprimida Inglaterra do começo dos anos 60, além de todo o erotismo advindo da dor e da violência, cruamente mostrada, Peeping Tom custou a carreira do brilhante diretor Michael Powell, mestre do Technicolor e de narrativas originais e inventivas visualmente (Sapatinhos Vermelhos, Narciso Negro, Neste Mundo e no Outro, Coronel Blimp), que teve o filme banido do Reino Unido até a descoberta e restauração a cargo de Martin Scorsese, entusiasta da obra, no final dos anos 70. Em suma, uma obra-prima, magistralmente dirigida, com fotografia que se destaca pelo uso das cores e tensa atmosfera de suspense psicológico, em que o assassino é também um pouco de nós, cinéfilos, ansiosos para bisbilhotar emoções e sofrimentos de vidas alheias. Esse é o aspecto mais perturbador de Peeping Tom e que perdura até hoje. Um clássico.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Dias de Glória

(Indigènes, Argélia/Marrocos/França/Bélgica, 2006)



Dura a vida de soldados, especialmente se forem argelinos ou marroquinos defendendo a França colonial durante a Segunda Guerra Mundial. Tratados como soldados de segunda classe, esses batedores “indígenas” do título original, após o alistamento no Norte da África, são soltos logo de cara sob pesado fogo inimigo numa montanha na Itália, a fim de revelar para a artilharia francesa, ao servirem de bucha de canhão, a posição das casamatas e metralhadoras alemãs. Em seguida, os sobreviventes rumam para a França para ajudar a libertar o território dos nazistas. Apesar de lutarem sob a mesma bandeira, continuam sendo vistos como ralé pelos outros franceses e enviados a missões de apoio igualmente arriscadas e ingratas. Percebem que, embora lutem pela liberdade de todos, a igualdade e a fraternidade apregoadas pelos nobres iluministas não passam de ideais ainda inalcançados. Felizmente, o tom demonstrativo de denúncia é construído mais pelas imagens que exaltado em discursos panfletários, como mostra a cena após a batalha na vila da Alsácia ou ainda a silenciosa seqüência final no cemitério dos veteranos com um dos sobreviventes, Abdelkader (Sami Bouajila). Acima de tudo, trata-se de um filme de guerra à moda antiga, onde os soldados parecem saídos de um filme de Samuel Fuller, com ótimas cenas de batalhas, envolventes, brutais, bem encenadas pelo diretor Rachid Bouchareb, em que se corrói o nacionalismo à francesa ao som de La Marseillaise, apoiado por um elenco dos bons, com destaque para o comediante francês de origem argelina Jamel Debbouze (de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain), num papel sério como o pobre, mas muito determinado Saïd. Mas não há nenhuma glória no destino desses homens, ao contrário do que afirma o errôneo título nacional.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

O Último Rei da Escócia

(The Last King of Scotland, Reino Unido/Alemanha, 2006)



Neste filme de Kevin McDonald, James MacAvoy interpreta Nicholas Garrrison, jovem médico escocês recém-formado, carente e um tanto idealista que, sofrendo contínua rejeição paterna, sai de casa no Reino Unido e acaba indo parar na Uganda do começo dos anos 70, onde, após um breve período no posto de saúde local administrado por dr. Merrit (Adam Kotz) e sua bela esposa Sarah Merrit (Gillian Anderson, uma ruivinha gata, aqui loira), e após ser também rejeitado por ela, arruma outro pai, na figura do “último rei da Escócia”, ou melhor do general Idi Amin (Forrest Whitaker), recém-empossado por meio de um golpe. A princípio simpático e cheio de propostas populistas que muito encantam os habitantes do país e o dr. Garrison em particular, nomeado médico pessoal do presidente, e entre um presentinho e um agrado aqui e ali ao médico, Amin vai se revelando paranóico, bufão, violento e messiânico e, como todo bom tirano, promove a matança sistemática de todo e qualquer suposto opositor, inclusive de membros de seu gabinete e familiares. Assustado e cada vez mais acuado, até pelos ex-aliados ingleses que querem usá-lo para derrubar Amin, tenta fugir. As coisas se complicam mais e mais quando se envolve com uma das mulheres do ditador (Kerry Washington), até o clímax no aeroporto e o famoso episódio em Entebbe do seqüestro do avião da Air France com reféns israelenses pela OLP.

Mais do que um filme que gira em torno da ótima interpretação de Whitaker, que encarna o tirano com uma veracidade assustadora, todo o elenco está muito bem, especialmente MacAvoy. Além disso, a direção de MacDonald, precisa e vigorosa, empresta ao filme a urgência de um thriller dos anos 70, mesclando com habilidade ficção e fatos reais, ajudado por uma fotografia que evita o uso de filtros decorativos e pelo inteligente uso da edição e da câmera de mão, direta e cristalina naquilo que mostra. Evita ainda fazer outro filme discursivo e politicamente correto sobre a consciência culpada dos colonizadores europeus em torno das mazelas africanas, como O Jardineiro Fiel, Hotel Ruanda ou Diamante de Sangue, e ainda que a violência esteja onipresente, não é mostrada com o grafismo comum a produções do gênero, do tipo refugiados fuzilados a todo instante e que poderia banalizá-la. Ao contrário, toda brutalidade é filtrada pelos olhos do médico, que também se mostra capaz de atitudes covardes e também violentas, e impressa no olhar às vezes paranóico, às vezes simpático e bonachão do ditador, ou tudo ao mesmo tempo. Enfim, um filme bem acima da média.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

O Homem Duplo

(A Scanner Darkly, EUA, 2006)



A sensação de paranóia, de estar sendo observado, com a vida invadida, é recorrente nas histórias de Philip K. Dick (Blade Runner, Minority Report, Total Recall), assim como memória, identidade e cognição. Aqui, a paranóia é potencializada pelo uso de um narcótico proibido, a substância D, combatida pelo governo num futuro não muito distante. Um agente, o cético Fred (Keanu Reeves), ele mesmo um viciado, infiltra-se entre prováveis suspeitos que poderiam levá-lo a peixes mais graúdos do tráfico. Entre os suspeitos, ele próprio, já que nem seu superior conhece a sua identidade, pois no trabalho oculta-se sob um traje camaleônico, e passa o dia vigiando a si e seus próprios companheiros, que não batem bem da cabeça, em momentos muito divertidos, especialmente aqueles a cargo de Robert Downey Jr. e Woody Harrelson, junkies, seres à deriva e tomados por uma paranóia progressiva. Observando o seu comportamento e o dia-a-dia de outros por meio de um scanner, vai também se alienando, e sob efeito da droga, outra personalidade emerge, outro Fred (ou Bob), aumentando também a sua paranóia até um final surpreendente e aberto.

Muita verborragia, bem ao gosto de Richard Linklater (Jovens, Loucos e Rebeldes, Antes do Pôr-do-Sol), o que atrapalha um pouco o andamento da história, e um traço existencialista bem evidente e um tanto rançoso, riponga, da mesma forma que em Waking Life (2001), filme que partilha similaridades formais com este Scanner. Um visual deslumbrante e já muito comentado pelo uso ostensivo da rotoscopia, que faz as imagens animadas parecerem como que emergindo de um sonho e se confundindo com a realidade cada vez mais obliterada do protagonista. Mas falta algo. A forma engessa um pouco o trabalho, que não humaniza os personagens, sobretudo o de Fred (ou Bob?), e não flui como deveria. Ainda assim, fascinante e fiel ao universo do autor, que é citado ipsis litteris nas telas finais.

domingo, fevereiro 04, 2007

À Procura da Felicidade

(The Pursuit of Happyness, EUA, 2006)



Mais do que um drama edificante à americana, sobre ascensão social nesse mundo sempre injusto e competitivo, uma tocante história de pai e filho, e a luta diária desse pai, Chris Gardner (Will Smith), vendedor falido que sonha em ser corretor da bolsa e, contra todas as possibilidades, consegue arrumar estágio sem remuneração numa financeira, enfrentando ao mesmo tempo as íngremes ladeiras de São Francisco, o abandono da esposa, o despejo e a crônica falta de dinheiro, para dar dignidade a sua cria e ser feliz, acima de tudo, de acordo com o ideal concebido pelos pais fundadores da grande nação americana, como Alexander Hamilton, James Madison, John Jay, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson e George Washington, e que é sublinhado na Constituição do país. Ou seja, um direito legítimo para Chris, mas que colide com uma realidade nem sempre edificante.

Caminhos já trilhados, mas filme dirigido com muita, mas muita sensibilidade pelo italiano Gabriele Muccino (O Último Beijo, Para Sempre na Minha Vida) e que tem a determinação impressa no olhar de Will Smith como um de seus grandes trunfos. De bônus, um bom retrato da América nos anos 80, quando o país passava por uma segunda depressão econômica e, ainda assim, imperava o modo de vida yuppie, de gente endinheirada que pouco se importava com o que estava acontecendo debaixo de seus narizes, para onde Muccino aponta a câmera com freqüência. E, de resto, lágrimas, mas sem exageros melodramáticos. Mérito do diretor. E de Will, claro, que também produz o filme e atua ao lado de seu filho na vida real, Jaden Smith.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

O Planeta Branco

(La Planète Blanche, França/Canadá, 2006)



Um urso polar caminha sob a superfície gelada do Ártico, seu habitat. O chão em que pisa porém é cada vez mais fino. Deixará de existir um dia. Este é o seu drama. O planeta branco do título é o Pólo Norte, e menos branco em razão dos desacertos atmosféricos, neste documentário feito com habitual rigor técnico pelos franceses Jean Lemire, Thierry Piantanida e Thierry Ragobert. Há também a luta pela sobrevivência de outros bichos, como melros, focas, morsas e renas Mas não há pingüins. Nenhuma exaltação no tom, nenhum alerta ecológico explícito. Ao contrário, o texto da narração, poético, evita o didatismo e casa-se com as imagens, deslumbrantes, como no registro da aurora boreal, de véus e arcos luminosos suspensos no céu, movendo-se ao som da trilha sonora, ou, mais uma vez, do solitário urso branco perdendo-se na imensidão branca da banquisa no final do filme. Um mundo de ecossistema complexo, porém, condenado.

Mais Estranho que a Ficção

(Stranger than Fiction, EUA, 2006)



Nos filmes de Marc Forster, os personagens parecem vagar num limbo, numa situação que os deixa amortecidos ou no limiar da angústia, que pode ou não ser transitória. Há, por exemplo, o bloqueio criativo de James Barrie (Johnny Depp), em Finding Neverland (2004). Há o torpor do personagem de Billy Bob Thornton em A Última Ceia (2001). Há a angustiante situação de Radha Mitchell, desnorteada após dar a luz a um natimorto, em Gritos na Noite (2000). E, por fim, há o limbo de fato de Ryan Gosling em A Passagem (2005).

Neste seu novo e mais light filme, Harold Crick (Will Ferrell) vive também preso na apatia cotidiana, amortecida pelos rígidos hábitos. Fiscal da Receita americana, bom de números, mantém a conta de cada segundo do dia, cada escovada de dente, cada passo necessário para alcançar o ponto de ônibus antes de chegar ao trabalho, na hora exata. Solitário, vive de olho no relógio. Um dia, porém, começa a ouvir vozes que narram cada instante de sua vida, cada gesto seu, tudo sempre igual, tudo sempre medido. Primeiro, a solução clínica e o diagnóstico de esquizofrenia. Nada disso. Trata-se da voz de uma renomada autora de ficção (Emma Thompson) que está escrevendo um livro sobre Harold sem se dar conta de que ele existe de fato. Com a ajuda de um professor de literatura (Dustin Hoffman), Harold descobre quem é a sua narradora onisciente e tenta ir atrás dela, pois para terminar o livro e acabar com o bloqueio criativo que a aflige, ela quer matá-lo, como tem feito com os personagens de suas histórias desde sempre. Sendo morto na ficção, ele morre de verdade. Mas Harold não quer morrer, ainda mais agora que está apaixonado pela improvável Anna Pascal (Maggie Gyllenhaal), que caiu na malha fina da Receita e de Harold (ah, sempre o amor, suspiros!), e que está aproveitando a vida como nunca, antes afogada em números. Estará a autora, com todo o seu poder, disposta a fazer concessões, sacrificando a sua arte?

Mais para o final, um tom de Carpe Diem for Dummies impregna a narrativa e esvazia um pouco este lado mais sombrio do protagonista, quando se dá conta de que vai morrer. Assaltado por este súbito memento mori, uma hora resigna-se ao saber que seu destino está traçado, é inexorável, para que a arte maior sobreviva a ele. Mas antes aproveite a vida, é a mensagem martelada. Ainda assim, a direção do alemão Forster e sua sensibilidade européia tornam ternos os momentos entre Harold e Anna e, excelente diretor de atores, vai humanizando com humor outros personagens ao longo do filme, fugindo do esquematismo metalingüístico do roteiro e das associações forçadas entre escrita e realidade. Só que aqui com a escrita inspirando a realidade. Realidade do cinema, claro. Se fosse Spike Jonze o diretor teria derrapado para a paródia existencialista, que por fim diluiria-se numa forma mais rebuscada. E Will Ferrell, estrela de tantas comédias físicas, se sai muito bem num papel mais contido e que também tem sua graça quando, com um olhar amorfo, esfrega os dentes diante do espelho ou quando contracena com um inspirado Dustin Hoffman. No todo, bem simpático.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

A Costela de Adão

(Adam's Rib, EUA, 1949)



Spencer Tracy e Katharine Hepburn formam um casal que como todo casal tem opiniões discordantes sobre as mínimas coisas, mas vive burocraticamente feliz sobre o mesmo teto, dividindo a mesma cama, o mesmo jornal, o mesmo assado e uma outra casa (e estábulo) em Connecticut, essas coisas. São advogados, em lados opostos, claro. Ela é defensora; ele, promotor público. Não tão longe dali, a revoltada (e esfomeada) Judy Hollyday pega uma arma e atira no marido infiel (Tom Ewell), ferindo-o. E depois ainda chora de pena do "coitado". Spencer, ou melhor, Adam pega o caso para instaurar o processo de acusação, acreditando obter rápida condenação. Katharine, ou melhor, Amanda decide defendê-la, alegando que se ela fosse um homem na mesma situação as coisas seriam um pouco diferentes aos olhos da sociedade, ainda muito machista. Arma-se o circo midiático dentro e fora do tribunal. E a guerra dos sexos, tema comum de outras comédias do casal Tracy-Hepburn, se transfere para a corte e tudo se complica. Adam, um maridão conservador, se aborrece com o atrevimento feminista da esposa e o casamento derrapa nesta clássica comédia de George Cukor, que exalta o roteiro da dupla Ruth Gordon e Garson Kanin, a grande estrela do show, repleto de diálogos afiados e situações improváveis e imapagáveis no tribunal, mas que brilham sob a elegante direção de Cukor. A melhor tirada, a cargo de Kip Laurie (David Wayne, sarcástico), músico e vizinho inconveniente do casal, eternamente apaixonado por Amanda, para quem compõe até uma música, a muito tocada “Farewell, Amanda” (original de Cole Porter), que diz certa feita para ela: “Advogados não deveriam se casar com outros advogados. É como casamento entre parentes, do qual nascem filhos retardados... e mais advogados”. O mesmo vale para publicitários, médicos, analistas de sistemas, artistas, engenheiros, professores...

Rejeitados pelo Diabo

(The Devil´s Rejects, EUA, 2005)



A humanidade e sua infinita capacidade de propagar o mal pelo sofrimento extremo impingido aos outros. Pode estar evidente na família de psicopatas que sai torturando e matando inocentes pelo caminho. Pode estar oculta no agente da lei que a persegue, em busca de justiça. A sua justiça, também pela tortura. Só a sua brutalidade é que é mais metódica. Com câmera trepidante, fotografia suja, cheia de granulações e imperfeições, montagem nervosa, muita fúria na trilha sonora e ritmo de faroeste com momentos dos mais enervantes, que cutucam a epiderme, Rob Zombie demonstra nesta impressionante continuação do desconjuntado A Casa dos Mil Corpos (2002) porque é o legítimo discípulo de Satã. Ou melhor, de Tobe Hooper.