quarta-feira, outubro 31, 2007

A Retirada

(Disengagement/Désengagement/Hitnatkoot, Israel/França/Alemanha/Itália, 2007)



Em Kedma (2002), possivelmente a obra-prima de Amos Gitai, tratava-se da conquista da Palestina pelos judeus desterrados pelo Holocausto e pela guerra. Em Kippur (2000), tratava-se de mantê-la durante a guerra do Yom Kippur. Neste A Retirada, trata-se da desocupação de parte dela. No caso, da recente retirada unilateral dos colonos judeus assentados na faixa de Gaza. Sob a superfície, os efeitos dessa decisão do então primeiro-ministro Ariel Sharon na vida pessoal dos envolvidos, em especial numa francesa de origem israelense (Juliette Binoche) e em seu irmão adotivo, o sabra Uli (Liron Levo), oficial do Exército israelense encarregado da desocupação, que não deixa de ser dolorosa, pois agora são judeus evacuando judeus. Morando na França, com a morte do pai, ela descobre o paradeiro da filha que tivera durante a adolescência num kibbutz e que hoje é professora em Gaza. Depois do funeral, parte com o irmão para Israel. E, no meio da desocupação, em meio a bloqueios e dificuldades burocráticas, além do caos e clima de tensão, ela reencontra a filha num abraço dos mais tocantes. Ao mesmo tempo, em elaborados travellings laterais e planos-seqüência, marca registrada do diretor, a desocupação é mostrada num tom seco, cirúrgico, quase documental, que tende a reabrir novas feridas, desta vez entre os israelenses. Antes, na casa de Binoche, em Avignon, num belo momento no velório do pai, a soprano Barbara Hendricks entoa um trecho de “Das Liede von der Erde”, de Gustav Mahler, que falava, entre outras coisas, do caráter efêmero do homem neste planeta, para além das fronteiras artificiais de nacionalidade, algo que é discutido antes no trem, durante a viagem de Uli a Avignon, com uma palestina (Hiam Abbas, de Free Zone e Munique) que encontra no corredor do vagão e por quem se enamora, neste que é mais um belo e doloroso trabalho deste prolífico diretor israelense, que mostra também que, fora de Israel, uma palestina e um judeu conseguem se entender muito bem, ainda que por poucos minutos, pelo breve flerte que têm. O que não acontece aqui entre os israelenses, sempre tensos e exaltados. E que traz também Juliette Binoche linda, nua e, ao menos na primeira parte, bem mais alegre e sorridente do que nos filmes chororô anteriores que têm protagonizado.

terça-feira, outubro 30, 2007

I'm Not There

(EUA/Alemanha, 2007)



Poética. É palavra incontornável e difícil de tirar da cabeça depois de se assistir a essa deslumbrante cinebiografia anticonvencional, fragmentada, de Bob Dylan, o trovador judeu da América profunda. Homem de muitas fases, nomes e, principalmente, faces. Não à toa, ele é interpretado aqui por vários atores, em diferentes texturas e colorações de película, desde a infância como um menino negro prodígio no blues, viajante clandestino nos vagões de carga pelo interior dos EUA (Marcus Carl Franklin), poeta beatnik e homem de família (Heath Ledger), “homem” de Londres (Cate Blanchett), no divertido e rápido encontro com os Beatles, pregador evangélico (Christian Bale) até a participação como um fora-da-lei (Richard Gere) no western crepuscular de Sam Peckinpah, Pat Garret e Billy the Kid (1971), como cowboy da contracultura, sem raízes, sem nome, à margem de tudo e de todos e sempre viajando sem rumo (“No Direction Home”). Por isso, a imagem da estrada, do trem rasgando as pradarias, algo tão americano, é sempre recorrente neste trabalho de Todd Haynes (Velvet Goldmine, Longe do Paraíso). Mas, é a banda sonora, obviamente rica de composições e poemas de Dylan, que conduz o filme por seus diferentes estágios e caminhos, de maneira nunca linear, sobrepondo o homem ao mito junto ao turbulento contexto político dos anos 60 e 70. Para ser visto, ou melhor, sentido várias e várias vezes.

segunda-feira, outubro 29, 2007

A Questão Humana

(La Question Humaine, França, 2007)



Um psicólogo (Mathieu Almaric), diretor de RH da filial francesa de uma grande corporação petroquímica alemã, é chamado pelo vice-presidente para investigar em surdina o CEO da empresa (Michael Lonsdale, de Ronin, Sombras de Goya e Munique), que apresentaria um comportamento estranho. Como pretexto para reativar um antigo quarteto de cordas, do qual o CEO fazia parte como violinista, o psicólogo se aproxima do executivo, um homem cada vez mais melancólico e distante. No entanto, à medida que a investigação avança, outras coisas ligadas ao passado sombrio da Alemanha nazistas e, principalmente, dos carrascos voluntários de Hitler vão reaparecendo, tomando outro rumo, e o próprio psicólogo, antes eficientíssimo para cortar funcionários da empresa, começa ele mesmo a ter crises pessoais, neste filme de Nicolas Klotz que, sem estardalhaço, essencialmente longo e quase que inteiramente distanciado, como um relatório frio, aproxima as corporações multinacionais da máquina de extermínio nazista por apresentarem em comum um grande apreço na descrição de seus procedimentos pelo linguajar altamente técnico, especializado, planificado, típico de ditaduras, mesmo em se tratando da eliminação ou demissão de indivíduos (o que aqui dá no mesmo). Indivíduos como uma massa uniforme, em que se ignora a chamada “questão humana” ou simplesmente o rosto e a vida pessoal de cada eliminado, demitido ou investigado. No final, um monólogo em off, pronunciado num tom muito justo pelo ator Mathieu Almaric (de Reis e Rainha, Munique), confere a este filme soturno um travo ainda mais amargo, dando conta daquele horror planejado que, para os nazistas, era meramente uma “questão técnica”, sintonizando-o a estes nossos tempos de “reengenharia” e “reestruturação”. Excepcional.

sexta-feira, outubro 26, 2007

El Orfanato

(Espanha/México, 2007)



Uma bela surpresa este horror hispânico, longa de estréia do diretor Juan Antonio Bayona, produzido por Guillermo Del Toro (Blade 2, O Labirinto do Fauno) e grande sucesso de bilheteria na Espanha. No decurso de pouco mais de uma hora e meia, uma trama concentrada, envolvente, com ecos de Os Inocentes, A Espinha do Diabo, Os Outros e, sobretudo, Peter Pan, sobre um menino que desaparece misteriosamente numa grande mansão, o então novo e sinistro lar à beira do mar da sua família, durante festinha de aniversário, deixando o pai e, principalmente, a mãe (Belén Rueda, de Mar Adentro) desesperados. O menino era adotado e, HIV positivo, tinha que tomar vários medicamentos para manter a saúde. A casa antes abrigava um orfanato com um passado sombrio. E o menino, solitário na imensidão do lugar, inventava brincadeiras com amigos imaginários que dizia ver, apesar do ceticismo da mãe. Não se revelarão tão imaginários assim, porém. Com o desaparecimento do garoto, ela passa a vivenciar os mesmos fenômenos estranhos e aparições, em momentos genuinamente arrepiantes, que trazem à tona o destino dos órfãos do lugar, ligado também ao reaparecimento na casa de uma antiga funcionária (Montserrat Carulla, assustadora) da instituição.

Bem calibrado nos sustos e com uma participação toda especial de Geraldine Chaplin como uma médium numa seqüência à Poltergeist – O Fenômeno, filme arrebatador em sua ótima atmosfera, fazendo vibrar ameaça em cada ambiente ou sombra projetada, mantendo a tensão do início ao fim, além de permitir momentos tocantes, como no final comovente, reflexo com o desencanto que este mundo dos vivos nos proporciona a cada dia. Atualiza também a mais velha das tradições do Romantismo, segundo a qual as crianças teriam vínculos mais do que especiais com as forças do além. Felizmente, película prometida para ser distribuído em janeiro pela Califórnia Filmes.

Sombras de Goya

(Los Fantasmas de Goya/Goya’s Ghosts, Espanha/EUA, 2006)



Drama de época austero, mais europeu que hollywoodiano, dirigido com classe por Milos Forman (Um Estranho no Ninho, Hair, Na Época do Ragtime, Valmont), que, graças ao excelente roteiro do buñulesco Jean-Claude Carrriére, evita transformar Goya (Stellan Skarsgård, discreto e eficaz), personagem que, pelo seu ofício de representar a burguesia, o clérigo e a nobreza, se move entre os vários estamentos sociais da Ibéria, num moleque fanfarrão (palavra que está na moda), como fizera com Mozart no superestimado Amadeus (1984). Aqui, numa fotografia de tons justos, remetendo diretamente à luminosidade dos quadros e gravuras de Goya, mas sem extravagâncias formais comuns a muitos filmes históricos, como diálogos pomposos e figurinos exagerados, narra a estória da filha de um rico mercador e musa do polêmico e popular pintor Francisco Goya, Inês Bilbatua (Natalie Portman), levada a julgamento pela Inquisição espanhola, injustamente acusada de práticas judaizantes, num período do final do século XVIII em que os clérigos, sobretudo o inflexível irmão Lorenzo (Javier Bardem), resolveram endurecer com os supostos infiéis, retornando às práticas medievais de tortura para levar qualquer suspeito a assinar uma confissão de heresia e assim ser condenado a morte na fogueira, mergulhando o país numa nova era de obscuridade. O pai da menina intercede junto a Goya, que então pintava também o retrato de Lorenzo, para que este liberte a filha, sem sucesso, no entanto. Também apela inutilmente ao monarca da Espanha (Randy Quaid), já que Goya pintava o retrato da rainha. Até que, num jantar com a família de Inês, o pai arma uma emboscada e Lorenzo é forçado sob tortura a assinar uma falsa confissão, a de que seria um “macaco”, provando um pouco do próprio veneno. É a sua vez de cair em desgraça junto ao Santo Ofício. A menina, porém, permanecerá no cárcere, onde dará luz à filha ilegítima de Lorenzo, que foge para a França e lá enriquece. Anos depois, durante a invasão napoleônica, com Goya acometido pela surdez, Lorenzo retorna à Espanha, agora como leigo administrador de Madri, onde vai perseguir seus algozes da Igreja e, em nome dos ideais de igualdade trazidos pela Revolução Francesa, implantará novo regime de terror, com as benções do novo rei imposto por Napoleão. Inês, liberta do cárcere, sem família e enlouquecida, com a ajuda de Goya, buscará sua filha.

Com toques de comédia, terror e Javier Bardem excelente como Lorenzo, o protagonista e personagem mais complexo do filme, uma tragédia ilustrada em seus melhores momentos com as pinturas sombrias de Goya, que dão a dimensão exata do horror vivido na Espanha, tanto no período inquisitorial, onde, numa imagem-síntese, um dos personagens retratados num quadro é mostrado ainda incompleto, sem o rosto, sem "visão", desumanizado, como durante as guerras napoleônicas, num filme que critica tanto a cegueira provocada pelo fanatismo religioso quanto aquele autoritarismo que fecunda de idéias igualitárias, mas que, mesmo supostamente mais racionais, quando postas em práticas, acabam dando origem a ações igualmente violentas e intolerantes.

quinta-feira, outubro 25, 2007

Cristóvão Colombo: O Enigma

(Portugal/França, 2007)



Ir à Mostra de Cinema de São Paulo e não assistir a um trabalho do lendário Manoel de Oliveira, o quase centenário cineasta português, com filmes presentes desde o início do evento, não é prestigiá-la como se deve, mesmo que se assista a 159 filmes por dia, enquanto enfia-se (ruminando-se) nacos de fast food goela abaixo entre uma sessão esgotada e outra, dormindo duas horas por dia, ou qualquer coisa parecida, só para dizer para os outros que viu tal filme da concorridíssima sessão hiper-super-über-cult. Também é uma forma de fugir um pouco da correria que o gigantismo que um evento como a Mostra sempre traz, de suas sessões canceladas, do atraso comum entre as filmes, do estresse de quem não conseguiu ingresso (ou se conseguiu vive reclamando alto para todo mundo ouvir que o filme não é bom, etc.), do trânsito sempre ruim de uma cidade inviável como São Paulo para ir de um cinema a outro, para melhor mergulhar no tempo muito particular dos filmes do velhinho lusitano, de uma lentidão contemplativa fora do tempo, anacrônica até, de um tempo suspenso no ar, estático, o que pede atenção a cada minuto. Um pouco como no último filme do Jacques Rivette, Não Toque no Machado, também de uma lentidão exata e elaborada, no ritmo de outro século, o do XIX, bem marcado pelo texto de Balzac, que exige uma mis-en-scène teatral à altura, finamente conduzida por Rivette e que tem sido malhado de uma maneira que considero até apressada e equivocada por alguns ditos cinéfilos com credencial e tudo. Mas, enfim.

Neste pequeno e belo filme sobre viagem e sobre desterro, Manoel de Oliveira amplia ainda mais o traçado percorrido no anterior Um Filme Falado (2003), com a mesma simplicidade artesanal na maneira de filmar daquele, que revisitava sem pressa as civilizações da Antigüidade e, principalmente, seus vestígios, suas ruínas, em Pompéia, na Grécia, no Egito, no mundo árabe, etc. Neste ainda mais breve, aponta suas lentes para o Novo Mundo e, em especial, para o seu descobridor, Cristóvão Colombo, na história de dois irmãos que, em 1946, despedem-se da mãe desconsolada (Leonor Silveira), e partem de Lisboa para Nova Iorque para se juntarem ao pai. No trajeto, sabiamente aprendem de outro viajante desterrado que “a vida é complicada, como as mulheres”. Na chegada, a cidade está coberta por névoas, num momento muito poético. Lá, um dos irmãos, Manuel (Ricardo Trêpa, neto do diretor), forma-se médico e, anos depois, volta a Portugal para se casar com Sílvia (a bela Leonor Baldaque). Ao longo dos anos, além do ofício da medicina, alimenta outra obsessão, ainda mais fascinante: a de historiador obcecado pela tese de que Cristóvão Colombo na verdade chamava-se Colon, conforme assinava nos documentos, e não era genovês, mas sim nascido numa pequena aldeia do Alentejo, Cuba, em Portugal. Como em Viagem ao Princípio do Mundo (1997), Oliveira conduz-nos para o interior dessa Portugal que parou no tempo a fim de encontrar as origens lusitanas de Colombo, o que ampliaria ainda mais o pioneirismo português como nação de navegantes que, além de ter traçado novas rotas para continentes conhecidos, também descobriu novos mundos. Fato corroborado, segundo hipótese de Manuel, o médico-historiador, de que Colombo teria nomeado de Cuba a maior ilha do Caribe supostamente como uma homenagem a seu vilarejo natal português. Já nos tempos atuais, em mais uma elipse, recurso recorrente nos filmes de Oliveira, Manuel volta novamente a Nova Iorque, sempre ao lado da esposa Silvia, que, no filme, agora são interpretados pelo muito simpático casal Oliveira, Manoel e Maria Isabel. E, assim, Manuel aproxima as proezas dos astronautas americanos ao pioneirismo quase suicida dos navegadores lusitanos, algo que vê com muita nostalgia, como bom português que é, sobrepondo eras, da modernidade americana ao arcaísmo português. Ao mesmo tempo, ainda que bem velhinho, mas cheio de vigor, não desiste de provar sua tese sobre o Colombo lusitano, talvez um mito, como o mito aqui relembrado da fundação de Lisboa pelo Ulisses da Odisséia, aquele que nunca existiu, mas que “foi por não ser existindo / Sem existir nos bastou. / Por não ter vindo foi vindo / E nos criou”, conforme célebre passagem de Mensagem de Fernando Pessoa. Passado é passado, mas para os portugueses ele está sempre presente, não sem alguma melancolia. Em Portugal, vive-se o passado no presente, de forma mística até. Não à toa, o casal é acompanhado o tempo todo por um misterioso anjo feminino, vestido com as cores da outrora gloriosa nação portuguesa até o final do trajeto, nos Açores, com a câmera apontando sempre para o mar e onde Mensagem volta novamente a ser recitado no belo poema que é O Mostrengo, cuja enunciação traz outra característica marcante de todos os filmes de Oliveira: a beleza com que filma, desde o início em galego-português, a palavra falada, mas sem aquele lirismo pegajoso daqueles ditos cronistas que vêem “poesia” forçada a cada minuto do dia.

quarta-feira, outubro 24, 2007

Lust, Caution

(Se, Jie, China/Hong Kong/EUA, 2007)



Laureado com o prêmio máximo no último Festival de Cinema de Veneza, este é o mais convencional dos filmes de Ang Lee (dos belos Razão e Sensibilidade e O Tigre e o Dragão). Mais até que o detestado Hulk, filme de que gosto bastante e que se parece em vários momentos com um gibizão em movimento. Ainda assim, a trama deste é envolvente o suficiente para prender a atenção em suas quase três horas de duração. Baseado em conto de Eileen Chang, é um melodrama histórico que versa, em vários e virtuosos flashbacks, sobre um grupo estudantil (e um tanto amador) de teatro revolucionário que, durante a ocupação japonesa na China dos anos 30, decide brincar de representar de verdade, infiltrando uma colega, a virginal Wong Chia Chi (a bela Tang Wei), como uma dama no meio da burguesa de Xangai, a fim de atrair e matar um importante figurão, Yee (Tony Leung), colaborador dos japoneses. A primeira tentativa fracassa e termina numa seqüência de assassinato a facadas quase hitchcockiana de um delator. O plano é então abortado. Para a frustração dela, que, entre uma partida e outra de mahjong com as senhoras da alta sociedade na casa da mulher de Yee (Joan Chen), e às vezes só com Yee, sentia-se cada vez mais atraída por ele. No entanto, mais tarde, nos anos 40, a missão é retomada e aí, um tema caro a Lee, o desejo incontrolável, de fúria quase bestial, se consuma com brutalidade em cenas de sexo violentas e quase explícitas entre os dois. Mas como em tantos outros filmes de Lee (até em Hulk), esse é mais um relacionamento impossível. E como todo filme de época, uma produção requintadíssima, ambiciosa, muito parecida com as que Zhang Yimou e Chen Kaige faziam melhor no começo dos anos 90, e luxuosa e detalhista fotografia do mexicano Rodrigo Prieto (Babel, O Segredo de Brokeback Mountain), mas é nas cenas mais intimistas, nos olhares trocados entre Yee e Wong, nos pequenos toques entre um e outro, nos detalhes de um anel admirado na joalheria, por exemplo, que o olhar de Lee se sobressai, mais até que nas tão faladas cenas de sexo, que não chocam tanto quanto chocavam as de O Império dos Sentidos ou as de O Último Tango em Paris à época, por exemplo. No geral, filme que me deixou um tanto indiferente, apesar de belo de se ver e, sobretudo, de se ouvir, graças ao maravilhoso tema musical de Alexandre Desplat (O Despertar de uma Paixão).

terça-feira, outubro 23, 2007

A Desconhecida

(La Sconosciuta, Itália/França, 2006)



Temos aqui Giuseppe Tornatore (Cinema Paradiso), cineasta que há muito tempo pessoalmente me convenceu a nunca querer fazer cinema na vida (mas isso é outra história!), em seu melhor trabalho desde, sei lá, Uma Simples Formalidade (1994). Um fluente e bem construído thriller melodramático com tintas hitchcockianas, reforçadas pela ótima trilha de Ennio Morricone, que inclusive emula sem embaraço o célebre tremular das cordas tão caro a Bernard Hermann, na trama complexa e não-linear de uma ucraniana, Irena (Kseniya Rappoport), a desconhecida do título, aparecendo mascarada pela primeira vez numa espécie de bordel, em que despe-se junto com outras mulheres também mascaradas para ser escolhida por um anônimo através de um olho mágico. Depois, num pulo no tempo, fugindo não se sabe direito do quê, e sempre apressada e desconfiada de todos, é contratada para trabalhar como faxineira num edifício de luxo em Velarchi. Vai morar inclusive num apartamento em frente ao prédio, a fim de recuperar de lá algo de seu passado, que ressurge em imagens ora bem violentas, lembrando os bons gialli italianos dos anos 70, ora afetadamente românticas, lembrando o Tornatore de Malena em seu jeitão assumidamente cafona, uma mescla no mínimo curiosa. De fato, algo do seu passado nebuloso emerge daquele prédio: uma menina, muito parecida com ela, filha de um rico casal. Irena, de um jeito acidentalmente violento (e engenhoso), livra-se da empregada da família, Gina, até então sua única companhia, e consegue o lugar dela como empregada e também babá da menina em tempo integral. A menina, a princípio, relutante, vai se afeiçoando a ela. Pois Irena ensina a menina, então frágil e indefesa por causa de uma rara disfunção neurológica que a torna suscetível a tomar pancadas sem se defender, a revidar as agressões dos colegas malvados de um jeito delicisiomente incorreto, mas eficaz. Muitas mães ficarão chocadas com a “pedagogia da oprimida” empregada por Irena, baseada em seu próprio histórico de porradas sofridas, em imagens que, em flashbacks, tomam de assalto a narrativa quando ela parece que vai assumir uma certa placidez plastificada à Tornatore. E, à medida que Irena adentra mais e mais na rotina do casal, sobretudo da mãe da menina, coisas estranhas começam a acontecer, com mais sujeira vindo à tona, daí a recorrência com que imagens mostrando lixo vão pontuando a narrativa, demonstrando que passado é passado, embora difícil de escapar dele. E revolto esse lixo, algo de ruim sempre vai surgir. Ou tudo não passaria de um grande equívoco dela, apesar da brutalidade bem concreta que continua a sofrer?

Um quebra-cabeça complexo nos detalhes, envolvendo prostituição, tráfico de crianças recém-nascidas e um gigolô um tanto brutino (Michele Placido, assustador) do passado de Irena, vai sendo armado com as peças arremessadas ao longo do filme, deixando o espectador muitas vezes desnorteado. Na meia hora final, no entanto, vão sendo pouco a pouco encaixadas e aí Tornatore deixa-se finalmente flertar com o sentimentalismo tão comum em sua obra, mas de um modo muito mais satisfatório e admirável até, fazendo os afetos prevalecerem sobre a violência, num filme que deve muito de seu interesse à interpretação valente da bela Rappoport, que ensina a todos, entre outras coisas, que só com porrada educa-se bem uma criança para a vida. Chupa, Super Nanny!

segunda-feira, outubro 22, 2007

Planeta Terror

(Grindhouse: Planet Terror, EUA, 2007)



Do díptico Grindhouse, o (pouco) amado e (muito) odiado filme de Quentin Tarantino, À Prova de Morte, se integra muito melhor à estética e, principalmente, ao espírito dos filmes B cheios de riscos, cores indefinidas, cortes, engasgos e sujeira exibidos nos cinemas-poeira dos anos 70. Em seu filme, Tarantino é muito mais reverente e respeitoso com essas perólas do cinema B, como na eletrizante perseguição no final, no melhor estilo Corrida contra o Destino (71), ao mesmo tempo em que imprime na película toda riscada as costumeiras obsessões tarantinescas, como pés femininos, filmados em destaque logo no começo, trilha sonora característica, o tiroteio verbal coalhado de referências pop e ótimo aproveitamento do elenco, especialmente do veterano Kurt Russell, muito bem como o assassino das estradas, o sedutor Stuntman Mike. Já este, do factótum Tex-Mex Robert Rodriguez (Um Drink no Inferno, Spy Kids, Sin City), como grande fanfarrão que é, é mais uma grande paródia que homenagem a esses filmes que às vezes se levavam muito a sério, com todos os absurdos imagináveis de seus trabalhos anteriores, como Um Drink no Inferno e A Balada do Pistoleiro, na estória de uma arma química cujos gases liberados de uma base militar transformam a população de uma cidadezinha do Texas em zumbis famintos e cheios de furúnculos nojentos. Um grupo por algum motivo não afetado pelos gases, liderado por Freddy “El Wray” Rodriguez, tenta ir para o México, fugindo dos zumbis e depois dos militares causadores de toda a bagunça. Entre os sobreviventes, uma médica anestesista em fuga também do marido psicopata, um stripper e dublê de comediante que tem uma perna devorada pelos zumbis e depois substituída por uma metralhadora, um cientista cabeludo, um açougueiro dono de uma imunda e quase falida churrascaria de beira de estrada que, diz ele, serve a melhor carne do Texas (“The best in Texas”), seu irmão xerife, entre outros. E, ao longo da fuga, dá-lhe pernas e braços decepados, mulheres gostosas, cabeças estouradas, testículos pisoteados, testículos derretendo, sangue jorrando, mutilações, atropelamentos, tiroteios absurdos, Freddy Rodriguez como um ninja, depois como exímio atirador e habilíssimo piloto de minimoto (numa seqüência em que o cinema veio abaixo nas gargalhadas), Tarantino numa participação especialíssima como um muito “escroto” militar taradão e Bruce Willis, o líder dos militares, grotescamente revivendo Do Além (86). Tudo, claro, filmado de um jeito calculadamente tosco, com diálogos igualmente toscos e o colorido característico dos filmes Grindhouse, como numa cena de amor tão cafona entre Rodriguez e a stripper perneta que literalmente queima-se o filme. Podreira total, deliciosamente sem vergonha, possivelmente o melhor filme de Rodriguez e que ainda tem como bônus o ainda mais absurdo trailer do falso filme Machette, que só vendo para crer, e ótimas participações de atores ultimamente jogados em produções Z como Jeff Fahey e Michael Biehn e do maquiador especialista Tom Savini, como Tolo, o pior atirador da polícia. E do Texas, claro.

sexta-feira, outubro 19, 2007

O Samurai

(Le Samouraï, França, 1967)



Sem muita inspiração para escrever sobre filmes recentes, como Piaf ou Justiça a Qualquer Preço (já devidamente desancado pelo Ailton) ou sobre alguns já vistos da Mostra, e também muito incomodado com a leitura de Jerusalém, do português Gonçalo M. Tavares, livro de fato perturbador e de prosa seca e precisa como poucos, fico com este imbatível clássico de Jean-Pierre Melville, também seco e precisoa cada minuto, estrelado pelo inigualável Alain Delon. Aqui, em ângulos de câmera rigorosos do início ao fim, graças à justa fotografia de Henri Decaë (de O Sol por Testemunha), Delon interpreta o nada eloqüente “samurai” do título, Jeff Costelo, na verdade um assassino profissional, um lobo solitário, conforme a epígrafe do Bushido que abre o filme (“não há solidão maior que a de um samurai”), e conforme atesta a seqüência inicial no apartamento, emoldurada por duas vigilantes janelas, quase tudo inteiramente silencioso, ao som apenas de seu passarinho de estimação, sua única companhia e cujo piado pontuará momentos importantes da narrativa. Costello é um fantasma, na verdade, e o que muito contribui para isso é a interpretação minimalista de Delon, este grande ator. E, assim, quase que sem diálogos, o filme prossegue acompanhando-o nos preparativos para uma nova tarefa. Antes do crime, porém, a preparação para o crime, mostrada em minúcias, como o roubo do carro, o teste para fazer o contato na ignição no veículo com o molho de chaves que ele carrega o tempo todo, a troca de placas, a obtenção da arma e, sobretudo, de um álibi, feito por meio de um acordo com uma garota de programa (a bela Natalie Delon, mulher de Alain), suposto interesse romântico do protagonista. Feitos os disparos em cima de um dono de night club, cumprida a missão. Ou nem tanto, já que ele é visto no clube por uma cantora de jazz e depois detido pela polícia para averiguação, numa seqüência antológica de sucessivas acareações. O álibi irrefutável dado pela garota de programa o liberta. Assim como o depoimento da cantora de jazz que, por algum motivo, finge não tê-lo reconhecido. Mas, quando Costello vai receber o pagamento, é quase morto e depois perseguido pelos que o contrataram. E também sofre a desconfiança do inspetor de polícia (François Perier), que, astuto e determinado, passa a vigiá-lo com escutas e segui-lo pelo metrô. Para isso, a geografia de Paris, a filmagem in loco das suas ruas e dos seus subterrâneos, que se desdobram em inúmeros túneis, tem um papel importante, sobretudo na construção do suspense, neste filme soberbo do início ao fim, rico em detalhes, com ótima edição e influência decisiva para Michael Mann, The Killer, de John Woo, O Profissional (menos), de Luc Besson, e Ghost Dog, de Jim Jarmush, entre outros.

quinta-feira, outubro 18, 2007

Deborah Kerr (1921-2007)



Nascida Deborah Jane Trimmer, glamourosa atriz escocesa de filmes como Narciso Negro, O Rei e Eu, A Um Passo da Eternidade, Tarde Demais para Esquecer e este, para mim, o melhor e mais assustador de todos:



We lay my love and I, beneath the weeping willow. But now alone I lie and weep beside the tree. Singing "Oh willow waly" by the tree that weeps with me. Singing "Oh willow waly" till my lover return to me. We lay my love and I beneath the weeping willow. A broken heart have I. Oh willow I die, oh willow I die...

+Mais! um para a Tropa

Eu não ia divulgar nada, mas depois pensei em divulgar. Aliás, vou divulgar este texto publicado no último domingo (14/10) no caderno Mais!, da Folha de São Paulo. Pois, afinal, quem quer rir, tem que fazer rir, porra!



Ponto de Fuga

A caveira da elite

Do combate violento à corrupção, "Tropa de Elite" se insinua pela vida privada, evitando todo clichê; é como uma polifonia coral: cada voz tem seu percurso, mas confere sentido às outras

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Scarface", filme de Brian de Palma (1983), expõe os mecanismos do tráfico internacional de cocaína. Conta a trajetória de um chefão da máfia que começou de baixo e passou por todas as etapas. Indica, em níveis progressivos, as articulações dessa grande rede criminosa.
Brian de Palma retoma, atualizando e dilatando, o outro "Scarface", de 1932, mítico, dirigido por Howard Hawks. Há um paralelismo de situações. Brian de Palma fala da cocaína; Hawks das bebidas alcoólicas, já que sua trama se passa nos tempos da Lei Seca norte-americana.
"Tropa de Elite", dirigido por José Padilha, inscreve-se nessa linhagem.
Com, pelo menos, duas diferenças importantes. Primeiro, seu eixo centra-se na polícia, e não nos bandidos. Segundo, o vetor vertical, conduzido por um protagonista, é abandonado. O filme se espraia horizontalmente.
Enfrenta circunstâncias intrincadas no meio policial, graças a diversos personagens e situações. Seu objetivo não é alcançar a esfera dos manda-chuvas maiores, nacionais ou internacionais, nem do lado da lei nem do lado do crime.
Aqui e ali, surge alguma alusão a um oficial superior ou a um deputado.
Do combate violento à corrupção, o filme insinua-se pela vida privada, evitando todo clichê ou simplificação. Ao caracterizar ambientes complementares, festa de gente rica, aula na faculdade, a convicção permanece.
"Tropa de Elite" é como uma polifonia coral. Cada voz tem seu percurso justo, individualizado, mas confere sentido às outras vozes que cantam ao mesmo tempo, sem nunca entrar em uníssono.

Modulação
Esse modo de filmar, expondo vários enfoques, dando humanidade, por vezes contraditória, à trama de relações humanas, tende a diminuir o maniqueísmo. Há, de início, os bons e os maus policiais. Há a classe média, acusada de consumir drogas e, assim, de ser a verdadeira responsável pelo tráfico.
Mas o bom soldado se transforma pouco a pouco num animal feroz. Na última cena, ao assassinar o líder dos criminosos, sua arma aponta, ameaçadora, para a câmera, ou seja, para a própria classe média que constitui a platéia. A mensagem moralista ("ao usar drogas vocês, os ricos inconseqüentes, estão matando meninos no morro") dissolve-se na fúria violenta.

Bemol
Uma passagem em "Scarface", de Brian de Palma, diz que, de cada 10, apenas 1 carregamento contrabandeado de drogas é apreendido. Essa proporção pequena estaria prevista na contabilidade dos traficantes. No mundo inteiro, quem quiser consegue facilmente a maconha, o ecstasy, a cocaína que desejar. Sinal de que o combate está perdido de antemão.

Maior
Emana uma lição implícita do "Scarface" de 1983 e do antigo, de 1932, quando são postos lado a lado. A Lei Seca, nos EUA, serviu apenas para que os criminosos se organizassem e se fortalecessem.
Em escala muito maior, a criminalização das drogas, hoje, não faz outra coisa. Em "Tropa de Elite", a voz "off" fala num "sistema" para caracterizar as relações de corrupção inerentes ao funcionamento policial.
As tropas de elite querem sair desse sistema pela honra, pela coragem, pela honestidade.
Elas conseguem apenas cair num outro, muito maior, que as ultrapassa. Um sistema cujas determinantes estão fora da legalidade, mas que tem leis próprias indestrutíveis e impõe uma guerra terrível, crônica, com milhares de vítimas, diretas ou colaterais, e destinada sempre ao fracasso.

quarta-feira, outubro 17, 2007

Você nunca vai vê-los na übercult Mostra de SP



Mas vai encontrar, sem filas, sem gente chata e em promoção, alguns títulos no mínimo interessantes (ou tão cults quanto) do italianíssimo gênero Spaghetti Western no site da 2001 Vídeo, apesar da qualidade quase sempre discutível de imagem e som de alguns desses filmes lançados pela Ocean Pictures: http://www.2001video.com.br/busca/listagem_disponivel.asp?campo=cod_oferta&procurado=101.

Aproveite! Vale uma espiada! E lá o sistema não costuma cair!

P.S.: O André, do blog Palace Hotel, acaba de informar aqui que muito mais títulos Spaghetti estão à venda também no site www.arenadvd.com.br . Tem vários a partir de R$ 8,01. E, melhor, com frete grátis!

Selon Charlie

(França, 2006)



Seis tristes ou patéticos personagens masculinos têm suas vidas interligadas durante três dias numa pequena cidade no litoral da Gália, neste polifônico drama dirigido com sobriedade e distanciamento pela atriz Nicole Garcia (do bressoniano O Adversário, 2002). Um filho, Charlie (Ferdinand Martin) , que sabe que o pai (Vincent Lindon) anda traindo a mãe e que, incomodado com o fato de ter que inventar desculpas o tempo todo para a mãe a pedido do pai, passa a ir mal na escola; um professor primário de Ciências (Benoît Magimel) que há anos surtara numa expedição na Patagônia e que agora ensina Charlie na escola local e cuja mulher finlandesa (Minna Haapkyla) o anda traindo com o pai do garoto, colega dela de trabalho na piscina da escola. Nesses dias turbulentos, o professor ainda se reencontra com um importante cientista, seu mentor na faculdade e líder do grupo na Patagônia, que está na cidade para uma conferência (e também para convidá-lo para uma outra expedição), onde será homenageado pelo prefeito (Jean-Pierre Bacri), que, para complicar, tem um caso extra-conjugal com uma mulher mais nova (Sophie Cattani); um ex-condenado (Benoît Pooleverde), o mais patético de todos, desastrosamente retornando para uma vida de crimes; e um jovem e famoso tenista (Arnaud Valois) que tem que voltar ao treinamento, mas anda em crise após ter fracassado num torneio. Personagens demais, sem a devida costura, alguns dramas mal-resolvidos, como o do tenista, num filme que, no entanto, evita as obviedades de outro filme coral mais célebre, o "amado" Crash (2005), graças ao tom intimista, ao bom elenco e ao andamento críptico que Garcia impõe desde o início, omitindo informações ou detalhes, que só serão revelados mais adiante, sempre em fragmentos distanciados, e nunca banalizando os dramas e existências de cada um dos indivíduos retratados.

terça-feira, outubro 16, 2007

Stardust - O Mistério da Estrela

(Stardust, Reino Unido/EUA, 2007)



Uma estrela cadente assume formas belamente femininas ao cair na Terra (Claire Danes) e é disputada por príncipes fratricidas, uma bruxa cheia de sortilégios (Michelle Pfeiffer, muito bem-aproveitada), que, junto com as irmãs também bruxas, quer manter intacta a sua beleza e juventude, e por um jovem apaixonado, Tristan (Charlie Cox), que, da mesma forma que seu pai fizera anos antes, cruza o muro que separa o mundo real do mundo imaginário, a fim de capturá-la e impressionar a garota mais bonita (e comprometida) da aldeia (Sienna Miller), nesta divertida e movimentada aventura inspirada na obra ricamente ilustrada de Neil Gaiman. Dirigida com inteligência por Matthew Vaughan (Nem Tudo é O que Parece), que, fiel às belas ilustrações de Charles Vess do livro original, evita a orgia de efeitos especiais computadorizados todo o tempo, algo tão comum em produções contemporâneas do gênero, privilegiando os diálogos bem-humorados, as situações ora sombrias, ora encantadoras, ora intimistas e as boas atuações de todo o elenco e ainda assim mantendo o tom épico nesta fábula que tem muito do espírito juvenil de Willow, A Lenda, O Feitiço de Áquila e, principalmente, de A Princesa Prometida, mas desta vez sem sintetizadores na trilha sonora e que tem como ponto alto uma das mais engraçadas performances de um Robert De Niro muito à vontade, dançando Can-Can e usando vestido, na pele do muito “macho” pirata capitão Shakespeare. Por vezes irregular, uma fantasia escapista que não tem, felizmente, vergonha de terminar com o bom e velho “e viveram felizes para sempre...”, como há muito tempo não se via no cinema.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Desbravadores

(Pathfinder, Canadá/EUA, 2007)



Como sabemos, o cinema é a arte da imagem em movimento. Do que é visto na tela grande. Aqui, no entanto, especialmente nas cenas de luta, quase nada se movimenta e quase nada se vê. Tudo é muito escuro ou lento demais, quando não estático, neste pastiche de O 13º Guerreiro com Dança com Lobos e Rambo – Programado para Matar, em que um jovem escandinavo deixado para trás após uma violenta incursão de vikings no Novo Mundo, sobrevivente de um confronto com os nativos, é adotado por eles. Cresce na tribo, onde ganha o nome de Fantasma (Karl Urban). Numa nova e brutal investida dos chifrudos, defenderá seu povo. O dos ameríndios, está claro, isso bem antes da chegada de Colombo. E será caçado pelos vikings.

Esta produção, refilmagem de Ofelas, filme de 1987 do norueguês Nils Gaup, e até que caprichada nos figurinos, teria muito potencial para ser uma grande aventura épica se o tirânico diretor teutônico Marcus Nispel (do recente remake de O Massacre da Serra Elétrica) não se preocupasse tanto em ser “über-estilizado” a todo segundo, chamando uma atenção desvairada para qualquer detalhe captado por sua câmera exageradamente publicitária, especialmente nas confusas cenas de ação, em que, à maneira de Corpo Fechado e sem se preocupar em distinguir quem é quem, abusa da câmera lenta, dos closes, dos tons cinza-esverdeados da fotografia, dos mantos e cavalos afundando vagarosamente no lago cuja superfície congelada se parte, do sangue jorrando sempre em contraste com a neve cinza ou na contraluz estourada, tornando tudo mais e mais aborrecido, além de fazer dos vikings seres ridiculamente monstruosos, carniceiros e burros, entre outras barbaridades, numa estória cheia de absurdos, em que um galã sem qualquer carisma como Karl Urban, mesmo na neve, num frio congelante, dá uma de carioca e não veste uma camisa sequer! Unsinn (absurdo)!

quinta-feira, outubro 11, 2007

Metal - Uma Jornada pelo Mundo do Heavy Metal

(Metal - A Headbanger's Journey, Canadá, 2005)



Um documentário que traça as origens do heavy metal e tenta entender o seu impacto como fenômeno cultural duradouro, para além de seu lado alternativo, tribal e marginalizado dos cabeludos apreciadores e batedores de cabeça, já que um de seus diretores, Sam Dunn, que narra o filme, além de fã incondicional do gênero, é antropólogo de formação. E também se interessa em saber por que esse fenômeno é tão malvisto e estereotipado por muita gente. Por meio de entrevistas com grandes expoentes do passado e do presente, além de uma visita ao festival anual de Wacken, na Alemanha, o Woodstock do heavy metal, esboça a genealogia de um gênero musical que se divide em uma infinidade de subgêneros (Hardcore, Trash Metal, Nu Metal, etc.), sua óbvia relação com os blues e com a música erudita, especialmente com a música medieval profana e com Mahler e Wagner, e que é sempre associado a barulheira, perversões, satanismo, culto do mal, causa de suicídios, etc., provocando polêmica, tentativas de censura, prisão e até o banimento de bandas de países como a Inglaterra. Essencialmente um gênero musical em cujas barulhentas apresentações retoma-se muito do teatro grand guignol do século XVIII, com cabeças cortadas, mutilações, sangue, canções que versam sobre bestialidade, culto ao demônio, violência sexual e outras coisinhas mais "light". Tudo encenação, às vezes com um toque bem feminino, como bem demonstram o “mulherzinha” Dee Snider, do Twisted Sisters, Bruce Dickinson, frontman do seminal Iron Maiden, e o lendário Alice Cooper, verdadeiros ícones e gentlemen (Cooper até cita Macbeth para fundamentar o seu ponto de vista sobre a sanguinolência de seus shows, by Jove!), Joseph Dio, cara muito gente fina, e os mascarados membros da banda Slipknot, da minha querida e provinciana Iowa (Ai-Oh-Ei), entre outros. Exceto na puritana e aparentemente tranqüila Noruega, pátria dos vikings pagãos e onde os fãs cabeludos da terra natal do black metal, vertente mais sombria do metal, chegam a levar ao pé da letra o culto ao diabo exposto nas provocativas e nada metafóricas letras de bandas como a muito excêntrica Gorgoroth, sendo que alguns metaleiros mais exaltados até participaram de uma onda de ataques a igrejas no país nos anos 90. Bem amarrado, ora divertido, ora informativo, sem ser chato ou superficial, um filme que deve agradar aos iniciados fãs do Slayer e do Black Sabbath e, sobretudo, aos neófitos. Yeah!

quarta-feira, outubro 10, 2007

Propriedade Privada

(Nue Propriété, Bélgica/França, 2006)



Neste trabalho de contenção do diretor Joachim Lafosse, um drama familiar sem melodrama, discretamente os conflitos se insinuam na casa de Pascale (Isabelle Huppert), que, divorciada, mora com seus dois filhos gêmeos já bem crescidinhos e um tanto mimados, Thierry e François, numa propriedade no interior da Bélgica. Nos pequenos gestos cotidianos, registrados com algum distanciamento e rigor pelo diretor em longos planos estáticos, como tomar café, jantar, dar carona para os filhos, etc., pouco a pouco imiscui-se certa tensão, sobretudo entre os irmãos. Tensão que é acentuada quando Pascale, por conselho do namorado Jan, decide vender a casa e dar novo rumo a sua vida, o que obrigaria os irmãos a se virarem sozinhos. Antes, eles pareciam ser muito unidos e amigos, fazendo tudo junto, como andar de moto na lama, tomar banho ou atirar com espingarda de ar comprimido nos ratões de banhado que infestam o lago da casa. Em pequenos detalhes, as diferenças entre eles vão se acentuando, à medida que os conflitos vão emergindo, mas nunca explodindo. Quando, solerte, o pai os visita e lhes dá mais algum dinheiro, por exemplo, tensões afloram também na mãe, mas agora numa escalada irreversível. Aliás, toda vez que o dinheiro entra em cena, trazendo implícita a noção de propriedade privada como desagregadora dos laços familiares, ressentimentos não demoram a aparecer. Thierry se mostrará cada vez mais agressivo, ao contrário de François, mais calmo e resignado, até partirem de vez para o braço no desfecho aberto, filmado numa distância ainda maior, num filme em que o ponto de apoio é uma Isabelle Huppert também mais discreta que o habitual, mas eficaz e bela como sempre e plena de tensão latente, em sua incapacidade de lidar com a imaturidade dos filhos, com o ex-marido e até com o namorado.

terça-feira, outubro 09, 2007

Morte no Funeral

(Death at a Funeral, Reino Unido/Alemanha/Holanda/EUA, 2007)



Talvez este seja o filme mais engraçado do ano. Fazia tempo que não gargalhava tanto no cinema. Talvez pelo fato de ser inglês até a medula e dirigido com muita classe por um veterano especialista como Frank Oz, autor de uma das mais engraçadas comédias de todos os tempos, que é Os Safados (1988), e capaz de combinar como ninguém mis-en-scène refinada com alguma grosseria, pastelão e muito humor negro na estória de uma família que se reúne para o funeral do patriarca. Previsivelmente, muitas farpas familiares serão trocadas e ressentimentos virão à tona, sobretudo entre dois irmãos. Um, Daniel (Mathew MacFaydean, o Mr. Darcy da ótima versão recente de Orgulho e Preconceito), mais sério, responsável, que pagou toda a cerimônia e se vê em crise na vida profissional. Outro, Robert (Rupert Graves), escritor bem-sucedido, bon vivant que mora luxuosamente em Nova Iorque e é mais querido por todos da família, ainda que seja um cara tremendamente egocêntrico. Juntam-se a eles a bela prima Martha (Daisy Donovan) e seu namorado Simon (Alan Tudyk), que, por engano, tomou uma droga potente no lugar do calmante e passa a ter delírios alucinógenos fortes, em surtos exibicionistas que constrangem todo mundo, sobretudo Daniel. E que, claro, divertem a platéia, em momentos de humor mais pastelão. Além disso, outro segredo do passado do defunto envolvendo a presença de um anão (Peter Dinklage) na cerimônia, cada vez menos solene, será revelado. E da maneira mais absurda possível. Junte-se a isso um rabugento tio deficiente e com problemas intestinais (Peter Vaughan) num elenco que nunca perde o timing, destacando-se McFaydean, sempre sério e, por isso, sempre engraçado, e o dopado Tudyk, nada sério e muito engraçado, e temos um filme que flui encantadoramente bem em seus enxutos e divertidíssimos noventa minutos. Simooooooooon!

Che: 40 anos



Faca na Caveira!

segunda-feira, outubro 08, 2007

Tropa de Elite

(Brasil, 2007)



"Caveira, meu capitão!"

Depois da falsificação da pirataria, agora é a vez dos falsificadores de carteirinha de estudante assistirem na tela grande a Tropa de Elite. E vamos ser “honestos”: o primeiro filme pirata que a gente nunca esquece. Que diga o diretor José Padilha (Ônibus 174)! Tropa de Elite é mesmo o grande filme brasileiro a surgir nesses últimos tempos, sobretudo porque, fora o lado da denúncia, é um filme policial brasileiro com cara e alma de filme policial de fato, narrado do ponto de vista dos policiais, como nunca antes feito neste país. Filme de ação reflexivo e contundente do tipo olho por olho, dente por dente, um pouco como os flics franceses dos anos 70 ou os Death Wish, Get Carter e Dirty Harry da vida. Mas também muito mais complexo em seu contexto à brasileira. Nada da apologia da violência ou do estado policial, como insistem alguns hipócritas bem pensantes. As ações truculentas do Bope, como a tortura e a morte de moradores da favela, são mostradas provavelmente de um jeito seco, verossímil, como na realidade, parte de um contexto muito maior, com ramificações e tentáculos no restante da sociedade,não só no morro ou no quartel. E nem vale a pena insistir na ladainha na qual o filme é bom ou ruim por causa da tortura, que atiçaria os baixos instintos da platéia. Não há aqui também caricatura ou palavreado sociológico atravancando a ação. Ou se há, como na cena da aula sobre o "Vigiar e Punir", de Foucault, o discurso é reafirmado em seguida, por meio somente das imagens. E não há, principalmente, essa de traficante ruim versus traficante boa praça, sarado e seminu e que ouve Raul Seixas e Elis Regina sorridente, num mundo que se fecha sobre si mesmo, como num universo à parte. Sem essa também de negão descamisado do tráfico, esbanjando vitalidade, brasilidade e besuntado de suor, coisas de cor local e tal, correndo e dando piruetas na praia, iuuupi!, mostrando o quão legal pode ser um cara assim, mesmo que armado com fuzis e pronto para rasgar qualquer um no meio. Também nada de Caetano sentado na laje da favela, dedilhando o violãozinho e cantando com veludosa voz. E nada também de Cartola ou Nelson Cavaquinho na trilha para tornar mais, digamos assim, "líricos" (e palatáveis para o bom gosto das classes médias culpadas) o cotidiano e a violência do morro. Aqui, logo no começo, tudo é mais cru e direto, com o bom e velho funk bombando nas caixas, antes da chegada no morro do Bope para mandar bala na cara dos bandidos e dos “polícias” corruptos, na história de dois “aspiras” da PM do Rio, os novatos e idôneos Matias e Neto, recém-chegados à corporação, que têm que lidar diariamente com a penúria e a corrupção de seus superiores, que culpam o “sistema” por tudo, embora façam bom uso dele por meio de propinas para fazer as coisas caminharem. Somente para benefício deles. Dos superiores, está claro.

Um dos aspiras, Matias (André Ramiro), é idealista, dedicado e ainda estuda Direito numa facú freqüentada predominantemente por playbas das classes média e alta, tipinhos ditos socialmente engajados, mas hipócritas e que fariam vista grossa para o crime, conforme atesta a narração em off do capitão Nascimento, que pontua o filme, sendo co-reponsáveis pelo tráfico, ao participarem de um projeto social na favela, ao mesmo tempo em que fumanm a maconha e cheiram a cocaína fornecidas pelos próprios traficantes do pedaço, os donos do local. Pela visão negativa que seus coleguinhas têm dos PM, Matias, claro, prefere não dizer pra ninguém da galerinha da facú que é da corporação, o que vai lhe custar caro. O outro, Neto (Caio Junqueira), amigo de infância de Matias, é mais impulsivo, gosta de ação e é inclinado assim a fazer cagadas. Um dia, para consertar as viaturas paradas por falta de peça, os dois resolvem usar o sistema contra o sistema, garfando o dinheiro da propina, o “arrego” do jogo do bicho então destinado ao comandante da PM. O capitão Fábio (Milhem Cortaz), que seria o responsável por ter se apropriado da propina de seu superior, é pego de surpresa e mandado pelo comandante para subir o morro com outro pelotão e, pior, desarmado, numa “visita” de rotina. Para ser apagado, na verdade, uma retaliação do comandante. Os dois aspiras, do lado do Fábio, intervêm clandestinamente e desastrosamente e começa uma batalha, que abre o filme. O Bope, na ação chefiada pelo capitão Nascimento (Wagner Moura, excelente), um tipo carismático, incorruptível, truculento e com um senso de humor muito particular nas frases que dispara, é obrigado também a intervir, pondo em prática o seu “conceito de estratégia”. No entanto, já bem cansado dessa guerra sem fim e inútil e, com a chegada do filho, entra em pânico. Não quer mais subir a favela em operações arriscadas para limpar a merda de seus colegas da PM e dos políticos, deixando cadáveres e mais mães sem filho por aí. Para isso, procura um substituto à altura para o cargo, isso no ano em que ele ainda tem que garantir a segurança do Papa João Paulo II em 97, durante a visita de Sua Santidade ao Rio. De maneira hábil, o filme recua em flashback para armar a complicada rede de relações que teria levado àquela intervenção do Bope. E Matias e Neto, prováveis substitutos de Nascimento, salvos pelo Bope no meio da confusão no morro (“Então, hoje vocês vão aprender a carregar cadáver!”), vão participar do brutal treinamento militar para entrar para a temida Tropa de Elite da PM. Fazer parte do “Caveirão”, nos melhores momentos do filme. No meio disso, uma sensação de uma guerra já declarada faz tempo, em excelentes cenas de batalha que ilustram o estado atual das coisas e uma arma que aponta, no catártico final, para a cara da platéia, que seria tudo, menos inocente (“Só rico com consciência social, não sabe que guerra é guerra”), nessa guerra que se espraia dia a dia por vários estamentos da sociedade brasileira, deixando vítimas dos dois lados, num filme que, sem maniqueísmos, não dá soluções fáceis (talvez porque não exista nenhuma solução) e, principalmente, não desdenha daqueles que participam da ação militarizada de repressão ao crime, como sói acontecer nas películas brazucas sobre a ditadura, sobre as favelas, etc. Ou seja, sai-se de um buraco, que é o da corrupção da PM, cujo laxismo e despreparo ajudam a alimentar o tráfico, mais a hipocrisia das classes abastadas "esclarecidas" que supostamente financiam e armam os traficantes, para cair em outro ainda mais fundo, que é o da violência do incorruptível, mas truculento Bope, que, nessa guerra cotidiana, está pouco se lixando para a Convenção de Genebra, que mesmo entre os marines no Iraque já foi pro "saco" faz tempo.

sexta-feira, outubro 05, 2007

Nunca é Tarde para Amar

(I Could Never Be Your Woman, EUA, 2007)



Paul Rudd é carismático, tem ótimo timing cômico e, sobretudo, muito bom gosto ao se interessar pela madura e ainda muito bela Michelle Pfeiffer, a divorciada produtora e escritora de um longevo show teen de TV, ameaçado de cancelamento pelos executivos da emissora por conta da baixa audiência. Ela precisa urgente de algo que ajude a revigorar os índices do programa. E Rudd, no papel de Adam, faz o teste para viver um nerd todo estereotipado e é bem-sucedido. Engraçadinha, por exemplo, a cena em que ele faz uma paródia da fala final de Henry Fonda em As Vinhas da Ira adaptada ao universo High School (“Eu estarei lá...”). E o show se reergue graças ao seu divertido personagem. E ela também, ao se envolver com ele. Só que existe certa diferença de idade entre ambos. Ela é bem mais velha que ele e o mundo nem sempre vê com bons olhos mulheres maduras, bem mais interessantes que essas bobocas siliconadas de 20 e poucos anos, sonhos infantilóides e que existem às turras por aí, envolvendo-se com sujeitos bem mais novos. Seguem-se as complicações de sempre, mais uma secretária invejosa que faz de tudo para arruinar o romance e a carreira de Pfeiffer, mas nada realmente muito sério neste filme agradável, desprentensioso e até desleixado, cheio de piadas internas ao show business, coisa que a veterana diretora e roteirista Amy Heckerling, dos ótimos Picardias Estudantis (81) e As Patricinhas de Beverly Hills (95), conhece bem, pontuando a trama com bons diálogos e alguns tipos secundários que têm algo a alfinetar também, mas que é sustentado sobretudo pela boa dinâmica da dupla de protagonistas e também pela divertida e precoce filha de Pfeiffer (Saoirse Ronan). Formalmente, não é nada de mais, acho inclusive dispensável o personagem de Tracey Ulman como a Mãe Natureza, interrompendo a narrativa para dar conselhos moralistas à Pfeiffer, mas ainda assim o filme está bem longe de ser algo desprezível, num gênero repleto de filmes pra lá de descartáveis como o da comédia romântica, apesar também do idiota título brasileiro, que dá uma forçada na direção do melodrama.



"Michelle, ma belle"

quinta-feira, outubro 04, 2007

A Última Legião

(The Last Legion, Itália/Reino Unido/França/Tunísia/Eslováquia, 2007)



Um épico antiquado, do tipo sandálias, espadas e alguma feitiçaria. Ou seja, movimentado, divertido, com boas lutas físicas, sem nenhuma enrolação, CGI ou intenção de ser historicamente acurado, e bons canastrões ingleses como o camaleônico Ben Kingsley, John Hannah, Kevin McKidd, Peter Mullan e Colin Firth no elenco, na história baseada em best seller histórico de Valério Massimo Manfredi e eficiente produção a cargo de um especialista, o italiano Dino De Laurentiis, que conta, no ocaso do Império Romano, o seqüestro pelos godos do último imperador, o jovem Romulus, após o cerco a Roma em 470 d.C. Levado prisioneiro para a ensolarada ilha de Capri junto com o seu preceptor bretão Ambrosius (Ben Kingsley), recupera a lendária espada de César e, após ser resgatado pelo legionário romano Aurelius (Colin Firth) e traído pelo amigo deste, o senador Nestor (John Hannah), partem todos para a Bretanha para se juntarem à última legião romana fiel a Aurelius e assim combater os godos. Mas lá, com o Império em ruínas e tudo sendo abandonado, uma nova batalha os espera, e uma nova lenda está para nascer. Adivinhem qual? Se o filme é bom, eu não sei. Só sei que passa voando em meio a várias batalhas não muito sangrentas e que ver a belíssima atriz bollywoodiana Aishwarya Rai como uma guerreira bizantina lutando no batalhão de Aurelius em belas locações e no melhor espírito de Xena – A Princesa Guerreira, série, aliás, que o genérico diretor Doug Leffler dirigiu em alguns episódios, proporcionou-me algum deleite, ainda que a química entre ela e o Mr. Darcy da série Orgulho e Preconceito e O Diário de Bridget Jones seja, como diriam os romanos, nulla.

O Barbeiro de Londres

(Sweeney Todd, Reino Unido, 2005)



Enquanto o extravagante musical de Tim Burton com Johnny Depp não é lançado, fiquemos com esta modesta, mas interessante produção típica para a TV da BBC, que conta, mais como um drama lúgubre e sangrento que como filme de terror, a célebre e fictícia estória de Sweeney Todd, o "Barbeiro Demônio de Fleet Street", que, na suja Londres da segunda metade do século XVIII, tinha o péssimo hábito de sangrar os seus clientes além da conta, movido por uma estranha e incontrolável compulsão. Matava-os e escondia os corpos na cripta abandonada da igreja colada à sua barbearia. E ainda enviava parte da carne dos corpos para a sua vizinha pasteleira, Ms. Lovett (Essie Davis), uma ex-prostituta, a mulher com quem nutria genuíno e doloroso afeto e que usava os retalhos como mórbidos ingredientes para as suas famosas tortas. Yummy! A princípio sem saber, depois se torna cúmplice dele, até enviando clientes de sua loja para Todd. Um jovem detetive e um policial veterano investigam os desaparecimentos, mas não desconfiam de Todd, o melhor barbeiro de Londres, que além de barbear os clientes, também era muito comum que fizesse cirurgias, sangramentos, amputações e até abortos. No entanto, nenhuma explicação, tipo psicológica, abandono do pai, prisão na infância por um crime que não cometeu, morte do irmão, era suficiente para esclarecer porque ele tanto gostava de usar a sua navalha além da conta. Ele fazia e pronto. Ligeiramente baseado na clássica série grand guignol, publicada em fascículos no século XIX e depois reunida em livro por Robert L. Mack, tantas vezes levada para o cinema, ganhou inclusive os palcos da Broadway, num musical vencedor do Tony de Stephen Sondheim e Hugh Wheeler, base para o filme de Burton, este filme, dirigido com parcimônia por Dave Moore, tem como grandes trunfos a interpretação contida e silenciosa, o que é raro nos barbeiros, tipos sempre faladores, de Ray Winstone (Sexy Beast, Rei Arthur, A Lenda de Beowulf) como o torturado Todd, a boa ambientação e os ótimos diálogos que trava com David Warner (Titanic, Sob o Domínio do Medo e que interpretou outro serial killer, Jack, o estripador, em Um Século em 43 Minutos), aqui como o cego e filosófico investigador da polícia e oficial de Justiça Sir John Fielding.

quarta-feira, outubro 03, 2007

Exuberante Deserto

(Adama Meshuga'at/Sweet Mud, Israel/Alemanha/Japão, 2006)



Neste exuberante e árido deserto, pessoas não tão exuberantes num kibutz israelense dos anos 70, regido pelos supostamente justos ideais socialistas, onde a coletividade dessa comunidade agrícola vem sempre em primeiro lugar e as crianças são acostumadas a crescer separadas dos pais, na história de Dvir (Tomer Steinhof), que, às vésperas de seu Bar Mitzvah, sua iniciação à vida adulta, e órfão de pai, que se suicidou, preocupa-se ao ver a mãe, Miri (Ronit Yudkevitz), cada vez mais infeliz e indo para o mesmo caminho. A comunidade aceita então que seu namorado, um velho campeão de judô suíço e que não é judeu, venha passar um tempo com ela, a fim de aliviar um pouco o sofrimento. No entanto, isso acaba trazendo novos conflitos com a comuna, neste drama seco e realista do diretor Dror Shaul, que passou por uma experiência semelhante num kibutz e que, pontuando a trilha com a Patética de Beethoven e apoiado ainda na atuação justa de Tomer Steinhof, obrigado a carregar sozinho todo o fardo deixado pelos pais e pelos outros colonos, denuncia sem sentimentalizar essa tal de justiça socialista, que na verdade termina por trazer novas injustiças, sacrificando o indivíduo em nome de um suposto ideal de igualdade, inatingível como é mostrado logo na primeira cena, mas persistente na cabeça dos mais ortodoxos e presente até nas “tchurminhas” e “panelinhas” do nosso dia-a-dia. Interessante, no mínimo.

terça-feira, outubro 02, 2007

Tideland - O Mundo ao Contrário

(Tideland, Canadá/Reino Unido, 2005)


A fábula realista de O Pescador de Ilusões revivida um pouco no universo lisérgico de Medo e Delírio em Las Vegas, nesta livre, sombria e muito original adaptação para os adultos (e crianças crescidas) de Alice no País das Maravilhas com O Mágico de Oz, baseada em livro de Mitch Cullin, transposta por Terry Gilliam para um meio rural que guarda ainda muitas ressonâncias com o espírito necrófilo sulista do William Faulkner de Enquanto Eu Agonizo, por exemplo, na estória de uma menina, Jeliza-Rose (Jodelle Ferland), que se muda com o pai Noah (Jeff Bridges), um roqueiro decadente, irresponsável, dependente de heroína e obcecado pelos mitos nórdicos da Jutlândia (Dinamarca), para uma casa decrépita no campo após a morte da mãe chocolótra (Jennifer Tilly) por overdose. Lá, para fugir da solidão e do isolamento, imaginativa, na companhia das cabeças deformadas de suas bonecas, com quem conversa o tempo todo, cria seu mundo de fantasia muito particular, recriando a fábula de Alice, com esquilos falantes e coelhos e a presença na casa do corpo morto do pai, que também sucumbe a uma overdose administrada pela própria filha, indo parar no “lugar onde os sonhos são feitos”. Com a ajuda da diabólica vizinha caolha, que se parece com a bruxa vinda do autêntico Mundo de Oz, e do irmão epiléptico e bondoso dela, Dickens (Brendan Fletcher), mantém conservado o cadáver do pai à maneira de Psicose e de O Massacre da Serra Elétrica. Ele, para a menina, nunca morreu, no entanto. Tornou-se apenas mais “flatulento”, e a sua morte seria apenas mais uma das viagens embaladas a rock’n’roll e drogas. Pouco a pouco também, à medida que vai virando mais do que amiga de Dickens, ela cria com ele outros mundos de fantasia a partir de sótãos abandonados, entulhos, retalhos, trens em movimento e uma carcaça de ônibus. Mundo subterrâneo esse do diretor Gilliam, das entranhas, como o de Os Doze Macacos e Brazil – O Filme, com referências a tocas, estômagos e submarinos, onipresença do olhar, filmado em plano detalhe, marca registrada de Gilliam, num filme que nunca sucumbe às facilidades óbvias dos efeitos especiais, preferindo concentrar sua essência nas palavras bem enunciadas pela ótima Jodelle Ferland, num justo tom poético de uma fábula cuja moral diz respeito à força da imaginação dando ordem a um mundo caótico e decadente e prevalecendo sobre as intrínsecas dificuldades de crescer e de sobreviver à vida, com imagens mórbidas, captadas pela câmera sempre balançante, mas nunca trepidante, como num barco à deriva, do ex-Monty Python em um de seus trabalhos mais irregulares, pessoais e fascinantes.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Hoje, no Cinemax



Nunca antes exibido "neste paíz", o filme maldito de Terry Gilliam (Monty Python, Brazil, O Pescador de Ilusões, Os Doze Macacos, Irmãos Grimm). Às 20h. Outros horários: http://tudonoar.uol.com.br/tudonoar/detalheFicha.aspx?fichaID=64655

Finale



Quer dizer que resolveram botar o Capitão Nascimento na conta do Papa no final de Paraíso Tropical? Eu bem que suspeitava!

Nação Fast Food

(Fast Food Nation, EUA/Reino Unido, 2006)



Meio chato este filme de Richard Linklater, que, num estilo semi-documental e por meio de várias histórias paralelas, acompanha o processamento da carne para uma cadeia de fast food, mostrando desde o desenvolvimento de um produto, como o hambúrguer “Grandão” (“The Big One”) ao abate do boi, o processamento e embalagem da carne e, paralelo a isso, o marketing agressivo para comercializá-lo em assépticas reuniões de executivos da fictícia cadeia de fast food Mickey’s. Esse processo envolve desde o criador de gado até imigrantes ilegais que trabalham no matadouro, empresários, supervisores, balconistas, chapeiros que cospem no sanduíche, etc., pequenas peças de uma máquina cujo único objetivo, como em toda grande corporação, é o maior lucro possível. A trama, baseada em livro-reportagem de Eric Schlosser (também co-roteirista), começa quando o presidente da companhia destaca Don Anderson (Greg Kinnear), um diretor de marketing de sucesso, para investigar por que os hambúrgueres congelados da empresa apresentam uma grande quantidade de coliformes fecais em sua composição. Ou seja, “bosta”. Ele parte então para Cody, no Colorado, onde toda a carne do "Grandão" é abatida, processada e embalada. Antes, Linklater acompanha a dura travessia dos imigrantes mexicanos pela fronteira até o emprego no matadouro, onde as mulheres, principalmente, são exploradas pelo supervisor mulherengo, história que ocupa tempo demais na tela e nem é tão interessante assim. E, à medida que vai chegando perto do fim, o filme vai ficando mais sujo, mais direto, menos discursivo. Mas a verborragia bem ao estilo de Linklater, pontuada por cenas da carne sendo cortada, e que fazia a graça de filmes como Antes do Pôr-do-Sol, Jovens, Loucos e Rebeldes, O Homem Duplicado, etc., torna-se aqui uma série de discursos chomskianos, juvenis, repetitivos e monótonos contra as corporações e (pela milionésima vez) contra Bush, na boca de personagens que são mais tipos que seres humanos de fato, como o de Bruce Willis, que faz o suspeito intermediador de carnes e que tem o melhor dos discursos, e o líder dos jovens engajados que tentam fazer alguma coisa contra os abatedouros, mas acabam atolados no meio das vacas. Mesmo a cena (real) no final do boi sendo abatido, estripado e esfolado não choca tanto se comparada com as condições de certos abatedouros daqui do interior do Brasil, onde em muitos lugares os bois ainda são mortos a golpes imprecisos de marreta e o sangue fica dias espalhado no chão, juntando moscas e produzindo um odor insuportável. Assim, do jeito que Linklater os mostra, os abatedouros do Colorado mais se parecem com o consultório clínico do Dr. House em sua assepsia. Sem o mesmo humor ou sarcasmo, no entanto, que definitivamente faria toda a diferença para este filme atingir o alvo, à maneira do bem-humorado Super Size Me – A Dieta de um Palhaço (2004), de Morgan Spurlock, que, com meios mais modestos, enunciava crítica semelhante e era bem mais eficaz em sua simplicidade. E não tinha Avril Lavrigne no elenco!



"Amo muito tudo isso".