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segunda-feira, março 17, 2008

Cada Um com Seu Cinema

(Chacun son Cinéma ou Ce Petit Coup au Coeur Quand la Lumière s'Éteint et que le Film Commence, França, 2007)



Cada com seu cinema ou cada um com seu futebol (no caso de Ken Loach), nesta coletânea de 33 curtas de três minutos cada, dirigidos por significativos cineastas consagrados, em homenagem aos 60 anos do pomposo Festival de Cannes e obviamente ao cinema em geral como arte, como lugar de exibição das grandes emoções, afetações, distúrbios psicossociais, lembranças e paixões afins, enfim, como celebração de uma trajetória pessoal. Cada curta com o estilo e, muitas vezes, com a cara de seu diretor, literalmente: o apocalipse de David Cronenberg (foto, um dos melhores); o humor bonachão do quase centenário Manoel de Oliveira, reinventando a História, com H maiúsculo; o niilismo nietzscheano de Lars Von Trier, aqui aplicando na prática a "filosofia do martelo" do bigodudo pensador alemão; o cinema e suas cortinas vermelhas como porta de entrada para o mundo de sonhos e, principalmente, de pesadelos de David Lynch; a comicidade dolorosa de Roman Polanski; o tipo excêntrico, rural e solitário de Takeshi Kitano; a nostalgia poética de Theo Angelopoulos, homenageando o 8 e 1/2 de Felllini; a nostalgia de butique de Claude Lelouch, homenageando os pais; o conhecido narcisismo de Youssef Chahine; o diário confessional e bem-humorado de Nanni Moretti, falando das idas ao cinema com os filhos; o cinema em tempos de guerra sem fim de Amos Gitai, tanto no passado como no presente, sobrepondo-se; o pai e filho de acento cockney à Ken Loach armando confusão na fila do cinema, decidindo-se entre o cinema e o jogo de futebol e irritando todo mundo, em outro bom segmento; os amores fetichistas feitos e desfeitos na sala escura, refúgio de solitários, de Wong Kar-Wai; o humor à Jacques Tati e crítico de Elia Suleiman; a sala de cinema como lugar de tolerância, de Billie August; o humanismo de Abbas Kiarostami, ao enquadrar somente o rosto e a reação de mulheres islâmicas comovidas diante da cena final de Romeu e Julieta, de Franco Zeffirelli, entre outros. Como era de se esperar, coletânea irregular, com alguns bons filmetes, outros nem tanto, como o de Walter Salles, que, apesar de engraçadinho e esforçado, é o mais "institucional" de todos, lembrando as propagandas e vinhetas do Governo Federal e seu apreço todo sentimental (e falso) a tipos populares, aqui representado pela simpática dupla de repentistas Caju e Castanha, e o de Jane Campion, com seu forçado simbolismo psicanalítico protofeminista, na estória de uma barata bailarina que é pisoteada num cinema. Ainda assim, um conjunto bastante agradável, em que se sobressai uma melancólica nostalgia em que o cinema, com suas grandes salas de milhares de poltronas, hoje decadentes ou fechadas, parecia ser de fato este tão nostálgico lugar de momentos inesquecíveis proporcionados por cineastas e atores míticos, como Bresson, Dreyer, Fellini, Mastroianni e Godard (escolhas óbvias até demais), algo, segundo quase todos os missivistas, aparentemente impossível de se vivenciar hoje em dia, sem se copiar, felizmente, o estilo lacrimoso, consagrado por Giuseppe Tornatore em Cinema Paradiso. Próximo projeto coletivo, já que os cinemas andam decadentes ou voltados demais para o consumo tipo multiplex: Cada Um com Seu YouTube!

quinta-feira, outubro 25, 2007

Cristóvão Colombo: O Enigma

(Portugal/França, 2007)



Ir à Mostra de Cinema de São Paulo e não assistir a um trabalho do lendário Manoel de Oliveira, o quase centenário cineasta português, com filmes presentes desde o início do evento, não é prestigiá-la como se deve, mesmo que se assista a 159 filmes por dia, enquanto enfia-se (ruminando-se) nacos de fast food goela abaixo entre uma sessão esgotada e outra, dormindo duas horas por dia, ou qualquer coisa parecida, só para dizer para os outros que viu tal filme da concorridíssima sessão hiper-super-über-cult. Também é uma forma de fugir um pouco da correria que o gigantismo que um evento como a Mostra sempre traz, de suas sessões canceladas, do atraso comum entre as filmes, do estresse de quem não conseguiu ingresso (ou se conseguiu vive reclamando alto para todo mundo ouvir que o filme não é bom, etc.), do trânsito sempre ruim de uma cidade inviável como São Paulo para ir de um cinema a outro, para melhor mergulhar no tempo muito particular dos filmes do velhinho lusitano, de uma lentidão contemplativa fora do tempo, anacrônica até, de um tempo suspenso no ar, estático, o que pede atenção a cada minuto. Um pouco como no último filme do Jacques Rivette, Não Toque no Machado, também de uma lentidão exata e elaborada, no ritmo de outro século, o do XIX, bem marcado pelo texto de Balzac, que exige uma mis-en-scène teatral à altura, finamente conduzida por Rivette e que tem sido malhado de uma maneira que considero até apressada e equivocada por alguns ditos cinéfilos com credencial e tudo. Mas, enfim.

Neste pequeno e belo filme sobre viagem e sobre desterro, Manoel de Oliveira amplia ainda mais o traçado percorrido no anterior Um Filme Falado (2003), com a mesma simplicidade artesanal na maneira de filmar daquele, que revisitava sem pressa as civilizações da Antigüidade e, principalmente, seus vestígios, suas ruínas, em Pompéia, na Grécia, no Egito, no mundo árabe, etc. Neste ainda mais breve, aponta suas lentes para o Novo Mundo e, em especial, para o seu descobridor, Cristóvão Colombo, na história de dois irmãos que, em 1946, despedem-se da mãe desconsolada (Leonor Silveira), e partem de Lisboa para Nova Iorque para se juntarem ao pai. No trajeto, sabiamente aprendem de outro viajante desterrado que “a vida é complicada, como as mulheres”. Na chegada, a cidade está coberta por névoas, num momento muito poético. Lá, um dos irmãos, Manuel (Ricardo Trêpa, neto do diretor), forma-se médico e, anos depois, volta a Portugal para se casar com Sílvia (a bela Leonor Baldaque). Ao longo dos anos, além do ofício da medicina, alimenta outra obsessão, ainda mais fascinante: a de historiador obcecado pela tese de que Cristóvão Colombo na verdade chamava-se Colon, conforme assinava nos documentos, e não era genovês, mas sim nascido numa pequena aldeia do Alentejo, Cuba, em Portugal. Como em Viagem ao Princípio do Mundo (1997), Oliveira conduz-nos para o interior dessa Portugal que parou no tempo a fim de encontrar as origens lusitanas de Colombo, o que ampliaria ainda mais o pioneirismo português como nação de navegantes que, além de ter traçado novas rotas para continentes conhecidos, também descobriu novos mundos. Fato corroborado, segundo hipótese de Manuel, o médico-historiador, de que Colombo teria nomeado de Cuba a maior ilha do Caribe supostamente como uma homenagem a seu vilarejo natal português. Já nos tempos atuais, em mais uma elipse, recurso recorrente nos filmes de Oliveira, Manuel volta novamente a Nova Iorque, sempre ao lado da esposa Silvia, que, no filme, agora são interpretados pelo muito simpático casal Oliveira, Manoel e Maria Isabel. E, assim, Manuel aproxima as proezas dos astronautas americanos ao pioneirismo quase suicida dos navegadores lusitanos, algo que vê com muita nostalgia, como bom português que é, sobrepondo eras, da modernidade americana ao arcaísmo português. Ao mesmo tempo, ainda que bem velhinho, mas cheio de vigor, não desiste de provar sua tese sobre o Colombo lusitano, talvez um mito, como o mito aqui relembrado da fundação de Lisboa pelo Ulisses da Odisséia, aquele que nunca existiu, mas que “foi por não ser existindo / Sem existir nos bastou. / Por não ter vindo foi vindo / E nos criou”, conforme célebre passagem de Mensagem de Fernando Pessoa. Passado é passado, mas para os portugueses ele está sempre presente, não sem alguma melancolia. Em Portugal, vive-se o passado no presente, de forma mística até. Não à toa, o casal é acompanhado o tempo todo por um misterioso anjo feminino, vestido com as cores da outrora gloriosa nação portuguesa até o final do trajeto, nos Açores, com a câmera apontando sempre para o mar e onde Mensagem volta novamente a ser recitado no belo poema que é O Mostrengo, cuja enunciação traz outra característica marcante de todos os filmes de Oliveira: a beleza com que filma, desde o início em galego-português, a palavra falada, mas sem aquele lirismo pegajoso daqueles ditos cronistas que vêem “poesia” forçada a cada minuto do dia.