(Los Fantasmas de Goya/Goya’s Ghosts, Espanha/EUA, 2006)
Drama de época austero, mais europeu que hollywoodiano, dirigido com classe por Milos Forman (Um Estranho no Ninho, Hair, Na Época do Ragtime, Valmont), que, graças ao excelente roteiro do buñulesco Jean-Claude Carrriére, evita transformar Goya (Stellan Skarsgård, discreto e eficaz), personagem que, pelo seu ofício de representar a burguesia, o clérigo e a nobreza, se move entre os vários estamentos sociais da Ibéria, num moleque fanfarrão (palavra que está na moda), como fizera com Mozart no superestimado Amadeus (1984). Aqui, numa fotografia de tons justos, remetendo diretamente à luminosidade dos quadros e gravuras de Goya, mas sem extravagâncias formais comuns a muitos filmes históricos, como diálogos pomposos e figurinos exagerados, narra a estória da filha de um rico mercador e musa do polêmico e popular pintor Francisco Goya, Inês Bilbatua (Natalie Portman), levada a julgamento pela Inquisição espanhola, injustamente acusada de práticas judaizantes, num período do final do século XVIII em que os clérigos, sobretudo o inflexível irmão Lorenzo (Javier Bardem), resolveram endurecer com os supostos infiéis, retornando às práticas medievais de tortura para levar qualquer suspeito a assinar uma confissão de heresia e assim ser condenado a morte na fogueira, mergulhando o país numa nova era de obscuridade. O pai da menina intercede junto a Goya, que então pintava também o retrato de Lorenzo, para que este liberte a filha, sem sucesso, no entanto. Também apela inutilmente ao monarca da Espanha (Randy Quaid), já que Goya pintava o retrato da rainha. Até que, num jantar com a família de Inês, o pai arma uma emboscada e Lorenzo é forçado sob tortura a assinar uma falsa confissão, a de que seria um “macaco”, provando um pouco do próprio veneno. É a sua vez de cair em desgraça junto ao Santo Ofício. A menina, porém, permanecerá no cárcere, onde dará luz à filha ilegítima de Lorenzo, que foge para a França e lá enriquece. Anos depois, durante a invasão napoleônica, com Goya acometido pela surdez, Lorenzo retorna à Espanha, agora como leigo administrador de Madri, onde vai perseguir seus algozes da Igreja e, em nome dos ideais de igualdade trazidos pela Revolução Francesa, implantará novo regime de terror, com as benções do novo rei imposto por Napoleão. Inês, liberta do cárcere, sem família e enlouquecida, com a ajuda de Goya, buscará sua filha.
Com toques de comédia, terror e Javier Bardem excelente como Lorenzo, o protagonista e personagem mais complexo do filme, uma tragédia ilustrada em seus melhores momentos com as pinturas sombrias de Goya, que dão a dimensão exata do horror vivido na Espanha, tanto no período inquisitorial, onde, numa imagem-síntese, um dos personagens retratados num quadro é mostrado ainda incompleto, sem o rosto, sem "visão", desumanizado, como durante as guerras napoleônicas, num filme que critica tanto a cegueira provocada pelo fanatismo religioso quanto aquele autoritarismo que fecunda de idéias igualitárias, mas que, mesmo supostamente mais racionais, quando postas em práticas, acabam dando origem a ações igualmente violentas e intolerantes.
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