(La Sconosciuta, Itália/França, 2006)
Temos aqui Giuseppe Tornatore (Cinema Paradiso), cineasta que há muito tempo pessoalmente me convenceu a nunca querer fazer cinema na vida (mas isso é outra história!), em seu melhor trabalho desde, sei lá, Uma Simples Formalidade (1994). Um fluente e bem construído thriller melodramático com tintas hitchcockianas, reforçadas pela ótima trilha de Ennio Morricone, que inclusive emula sem embaraço o célebre tremular das cordas tão caro a Bernard Hermann, na trama complexa e não-linear de uma ucraniana, Irena (Kseniya Rappoport), a desconhecida do título, aparecendo mascarada pela primeira vez numa espécie de bordel, em que despe-se junto com outras mulheres também mascaradas para ser escolhida por um anônimo através de um olho mágico. Depois, num pulo no tempo, fugindo não se sabe direito do quê, e sempre apressada e desconfiada de todos, é contratada para trabalhar como faxineira num edifício de luxo em Velarchi. Vai morar inclusive num apartamento em frente ao prédio, a fim de recuperar de lá algo de seu passado, que ressurge em imagens ora bem violentas, lembrando os bons gialli italianos dos anos 70, ora afetadamente românticas, lembrando o Tornatore de Malena em seu jeitão assumidamente cafona, uma mescla no mínimo curiosa. De fato, algo do seu passado nebuloso emerge daquele prédio: uma menina, muito parecida com ela, filha de um rico casal. Irena, de um jeito acidentalmente violento (e engenhoso), livra-se da empregada da família, Gina, até então sua única companhia, e consegue o lugar dela como empregada e também babá da menina em tempo integral. A menina, a princípio, relutante, vai se afeiçoando a ela. Pois Irena ensina a menina, então frágil e indefesa por causa de uma rara disfunção neurológica que a torna suscetível a tomar pancadas sem se defender, a revidar as agressões dos colegas malvados de um jeito delicisiomente incorreto, mas eficaz. Muitas mães ficarão chocadas com a “pedagogia da oprimida” empregada por Irena, baseada em seu próprio histórico de porradas sofridas, em imagens que, em flashbacks, tomam de assalto a narrativa quando ela parece que vai assumir uma certa placidez plastificada à Tornatore. E, à medida que Irena adentra mais e mais na rotina do casal, sobretudo da mãe da menina, coisas estranhas começam a acontecer, com mais sujeira vindo à tona, daí a recorrência com que imagens mostrando lixo vão pontuando a narrativa, demonstrando que passado é passado, embora difícil de escapar dele. E revolto esse lixo, algo de ruim sempre vai surgir. Ou tudo não passaria de um grande equívoco dela, apesar da brutalidade bem concreta que continua a sofrer?
Um quebra-cabeça complexo nos detalhes, envolvendo prostituição, tráfico de crianças recém-nascidas e um gigolô um tanto brutino (Michele Placido, assustador) do passado de Irena, vai sendo armado com as peças arremessadas ao longo do filme, deixando o espectador muitas vezes desnorteado. Na meia hora final, no entanto, vão sendo pouco a pouco encaixadas e aí Tornatore deixa-se finalmente flertar com o sentimentalismo tão comum em sua obra, mas de um modo muito mais satisfatório e admirável até, fazendo os afetos prevalecerem sobre a violência, num filme que deve muito de seu interesse à interpretação valente da bela Rappoport, que ensina a todos, entre outras coisas, que só com porrada educa-se bem uma criança para a vida. Chupa, Super Nanny!
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