(Coeurs, França/Itália, 2006)
Ao sair do cinema no último sábado, após a sessão deste magnífico trabalho de Alain Resnais, não mais um musical (como Amores Parisienses, 1997, e Pas sur la Bouche, 2003), não mais uma colagem de teorias científicas behavioristas que embasam uma bela estória (Meu Tio da América, 1980), não um filme sobre a memória (Hiroshima, Mon Amour, 1959), não mais uma experiência radical com a descontinuidade do tempo narrativo (O Ano Passado em Marienbad, 1961), mas tão labiríntico quanto, fiquei desconcertado, pensando em quantas vezes não geramos expectativas (falsas) em relação ao outro. Quantas vezes não alimentamos um auto-engano ao acreditar, por um mínimo sinal emitido, que a pessoa com quem compartilhamos certas afinidades no trabalho, no dia-a-dia, na Internet, no gosto por filmes (ou vídeo, no caso), livros, música, não seria a pessoa certa, aquela finalmente a preencher o nosso vazio afetivo de longa data? E alimentamos esse auto-engano por um bom tempo, para, depois da ilusão desfeita, voltar ao ponto de partida, novamente abraçados na solidão, que é persistente como a neve que cai ao longo do filme. Mas convicções são sempre mais fortes. E tendemos a acreditar na imagem, que leva também ao mal-entendido, difícil de ser desfeito. É um pouco o que acontece na estória dos seis personagens deste Coeurs, baseado numa peça teatral do britânico Alan Ayckbour (em quem Resnais se baseou para filmar Smoking/No Smoking, 1993), cujas vidas se entrecruzam de maneira ora prosaica, ora inusitada numa Paris fria, desorientadora e sombria, bem ao contrário daquela panelinha de filme-ônibus turístico (e suuuuperamado, gente!) que é Paris, Te Amo. Aqui, prevalecem os tipos essencialmente solitários, interligados pela fusão da imagem da neve que cai constantemente nas cercanias da Biblioteca Nacional e sobre eles, como forma de pontuar a narrativa e, acima de tudo, causar estranheza. Lá estão um corretor de imóveis (André Dussolier), a moça que trabalha com ele (Sabine Azéma, musa do diretor e muito bela) e a irmã dele (Isabelle Carré); uma cliente do corretor (Laura Morante, de Um Lugar na Orquestra, 2005), seu noivo desempregado, um ex-oficial do exército (Lambert Wilson) e o barman (Pierre Arditi) do hotel onde o noivo vai freqüentemente beber. Além disso, à noite, a corretora toma conta do pai doente do barman, um velho difícil, mas que ela, como cristã recém-convertida e capaz de perdoar a tudo e a todos, decide encarar, ainda que a sua maneira. Um tanto heterodoxa, mas eficaz. Ainda nas relações que se estabelecem (ou se desfazem) neste filme mosaico intimista, ela empresta ao colega da imobiliária onde trabalham uma fita de videocassete aparentemente inocente, com a gravação de um programa religioso, mas que, após o programa, revela um trecho de cenas pornográficas, que o faz acreditar que ela está mandando-lhe, por trás da bizarrice, um recado amoroso indireto, ao mesmo tempo em que a sua irmã busca um encontro às escuras e encontra o noivo desempregado e que está deixando a companheira. Tudo engano, claro. E tudo com humor à principio, depois com um persistente sentimento de melancolia, evidenciado pela neve que invade literalmente o apartamento do barman no final, correspondendo aos sentimentos dos personagens. E no meio do frio e de seu rigoroso formalismo, Resnais faz vibrar em belíssimas imagens a humanidade de todos. Que é intensa e desesperançada e acompanha a gente muito tempo depois de se encerrarem os créditos. Talvez o pecado maior seja acreditar demais no outro. Très extraordinaire!
7 comentários:
Levantar 5 livros já levantei, arranjar cinco amigos para que escrevam, humm, só tenho amigo tranca-rua que quebra corrente.
Assim que tiver tempinho, posto no meu vblog os livros, diga-se de passagem quarta ou quinta! Valeu man!
Se não arrumar os amigos, tudo bem, Vébis. Eu também tive a mesma dificulddade. Amigos, virtuais ou reais, sobretudo, andam me faltando. Mas vale como exercício de memória. Um abraço.
Quero ver esse!! : )
E thanx pela dica do Camus.
Oi, Dani, obrigado pela visita. Eu sou suspeito. Eu adoro o Resnais. E o Camus é muito bom. Mas, cuidado, pode ser angustiante. Um beijo.
O filme é bom demais!!!!
É ótimo mesmo, Michel.
Mais um pra dizer que o filme é bom demais.
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