quinta-feira, julho 12, 2007

Paris, Te Amo (moi non plus)

(Paris, Je t'Aime, França/Alemanha/Suíça, 2006)



Um filme episódico, a cargo de vários diretores, assimétrico par excellence, que fala de amor na autoproclamada Cidade do Amor, em segmentos um tanto incompletos que se passam em alguma região de uma Paris multifacetada, multirracial e nem sempre tão turística ou encantadora como o sorriso da Monalisa do Louvre. Um amor que surge num flerte politicamente correto entre uma garota tipicamente árabe e um adolescente tipicamente francês. Chato, ainda que aproveite bem a locação entre o Jardin des Plantes e a grande mesquita da cidade. Ou, em outro episódio, o possível amor que surge numa tentativa de estacionar o carro em Montmartre. Ou então, na visita ao túmulo de Oscar Wilde, no cemitério de Père-Lachaise, por um casal ranheta em lua-de-mel, num dos piores filmes da irregular carreira de Wes Craven, cedendo, no final das contas, a um conformismo matrimonial. Intolerável para um diretor que já detonou com sonhos de adolescentes em A Hora do Pesadelo, ou devorou típicas famílias americanas em Quadrilha de Sádicos, nos anos 70. E isso com a improvável ajuda do além do antimatrimonial par excellence Oscar Wilde, que faz uma aparição à maneira de O Fantasma de Canterville. Tsc, tsc. Num outro, um vazio plano-seqüência mostrando um homem mais velho e uma bela garota nas redondezas de Parc Monceau, no inutilmente virtuosístico trecho dirigido por Alfonso Cuarón. Há também o cheio de perfumaria segmento que se quer bizarro de Christopher Doyle, ao narrar o amor entre uma oriental e um vendedor de cosméticos em Porte de Choisy. Um pé no saco. Ou entre um cego e uma atriz americana nas proximidades de Faubourg, com Tom Tykwer retornando um pouco aos bons e acelerados momentos de Corra, Lola, Corra. Ao menos, um dos melhores, afinal. Mas ainda tem um casal que fantasia chatices conjugais no distrito da luz vermelha de Pigalle. Tem dois mímicos malas que se apaixonam no Campo de Marte, no bem para-turista-ver-episódio de Sylvain Chomet. Tem um inusitado beijo entre um turista americano e uma francesa na estação de metrô das Tulherias, diante do namorado dela, no formalmente engessado episódio dos irmãos Coen, ainda que engraçado, além do beijo entre dois vampiros na Madeleine, no episódio todo estilizado de Vincenzo Natali. Tem a lamentação sem fim de Sergio Castellitto na Bastilha, em mais um drama chororô de Isabel Coixet sobre dar valor à vida que resta. E mais uma choradeira típica de Juliette Binoche, no superestimado episódio de Nobuhiro Suwa. E há o amor que se desfaz ou não entre um casal prestes a se divorciar e tem seu último (ou penúltimo?) encontro num café do Quartier Latin, no episódio alla Cassavetes de Gerard Depardieu e Frédéric Auburtin. E ainda um travelling pelo Marais no episódio gay-rohmeriano de Gus Van Sant, etc., etc., etc. No meio de tudo, Olivier Assayas revisitando Clean, e os excluídos dos subúrbios, como a Maria Cheia de Graça, após deixar o filho bebê, correndo pela estação Chatêlet-Les Halles para cuidar do filho de uma rica madame, e um imigrante nigeriano agonizando nas mãos de uma bela paramédica negra na Place des Fêtes. Triste, embora não tocante.

Filme bem chatinho, no todo, salvando-se, além do de Tykwer, o episódio final de Alexander Payne, pleno de humor e melancolia na estória de uma típica turista americana, gorda e feia, que, ao ler sua redação sobre as férias parisienses, narrando entre outras coisas a visita ao túmulo dos existencialistas Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir em Montparnasse, depara-se com a própria solidão na Cidade Luz. Esse, sim, bateu fundo e tem algo a dizer sobre os franceses, os americanos, o flâneur e as pessoas comuns em geral. Pena que leva quase duas horas para se chegar até ele.

3 comentários:

Alê Marucci disse...

Seu texto mais amargo até hoje. E logo sobre esse filme tão lindo!
Beijo.

Lorde David disse...

Acho que é momento. Mas não sei se eu estivesse mais alegre, coisa rara, teria gostado mais. Muita coisa no filme me irritou de fato e me soou falsa. Aquele casal no Pigalle, por exemplo. Ou aquele outro no cemitério. Lindo mesmo só o episódio final. Mas há mais da Paris verdadeira em Um Lugar na Orquestra ou em Rohmer que nesse filme. Um beijo.

Lorde David disse...

E aqueles mímicos me fizeram torcer para que a torre Eiffel desmoronasse logo em cima deles, hehehe. Mímico só no metrô e pedindo esmola ou batendo carteira e disputando espaço com músicos russos tocando "O Tchitchornya" pela enésima vez nos túneis da estação Châtelet. HAHAHA.