segunda-feira, julho 30, 2007

L'Uomo Morto



Ponto de Fuga

Montanhas escondidas
Num mundo cada vez mais banalizado, cada vez mais caótico, a Garfagnana, na Itália, parece um refúgio

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Toda a vez que se fala numa viagem para a Itália, voltam nomes de cidades na Toscana. Florença, Pisa, Siena são mencionadas com entusiasmo. Alguém acrescenta: "E Lucca? E San Gimignano?". Elas têm belezas universais, atraem turistas do mundo inteiro. Infinitos olhares se pousam, dia após dia, sobre o "Davi" de Michelangelo, sobre a torre inclinada. São obras e lugares deslumbrantes. Há, porém, um outro prazer, mais confidencial: fugir das obras-primas inevitáveis, dos panoramas assinalados e encontrar pousos mais discretos.
Existem paraísos ainda não assolados pelas multidões. É bem mais difícil reconhecer nomes como Garfagnana ou Barga do que Pisa ou Siena. A Garfagnana é uma região no norte da Toscana. Nela, há montanhas verdes, vertiginosas, espremendo o vale do rio Serchio.
Região de acesso difícil, que foi pobre: no passado, sem recursos, muitos de seus habitantes, os garfagninos, emigraram para os Estados Unidos, para a Austrália, para o Brasil.
No vale do Serchio, aqui e ali, algumas indústrias de papel maculam a paisagem.
Mas, quando se embrenha para o alto, na margem esquerda ou na direita, descobre-se uma beleza de intensa originalidade, rude e rústica pelas escarpas e pelo isolamento, mas fina pela atmosfera luminosa, pela arte românica intacta e harmônica.
Nos restaurantes, vazios de turistas, a comida está à altura da paisagem, rica de funghi porcini e tartufi bianchi locais. Destes últimos, quando ralados, emana um cheiro curioso e estimulante. Num mundo cada vez mais banalizado, cada vez mais caótico, a Garfagnana parece um refúgio.

Picos
Há uma certa severidade nos garfagninos, o que torna sua acolhida ainda mais calorosa e aristocrática. Há tradições inesperadas: na aldeia de Pieve Fosciana, o esporte, regulamentado, antigo e popular, é o lançamento de queijos -o que faz pensar irresistivelmente nas maluquices do Monty Python. Há vistas únicas: uma longa crista de pedra, bem no alto, recorta contra o céu o perfil e os volumes precisos de um homem deitado. É conhecido como "L'Uomo Morto", nome que acrescenta ao aspecto sobrenatural da paisagem.
Uma cidadezinha, Barga (foto) - de supremo encanto, e cujo domo, no alto, reúne esculturas medievais comoventes-, foi descoberta por ingleses, que a elegeram como lugar de férias. Promove um festival de jazz. Mas, de um boteco minúsculo na praça, onde se servem os mais sublimes salames da galáxia, ouvem-se vozes que saem das janelas. Cantam o "Trovatore", a "Bohème".
Dennis O'Neill, grande tenor do País de Gales, organiza ali, com os auspícios da Universidade de Cardiff, uma academia de canto. Reúne jovens artistas, com quem trabalha durante duas semanas. No ano passado, O'Neill esteve em Manaus, estupendo no papel de um "Otello" de Verdi.

Dó de peito
Há, em Barga, um pequeno teatro. Suas origens remontam ao século 17. Tem uns 300 lugares. Chama-se Teatro dei Differenti, adorável com seus balcões à italiana. Nele, encerrando as aulas, Dennis O'Neill organiza um recital com seus alunos. Todos notáveis.

Pérolas
Dois desses cantores em formação se destacam. O barítono coreano Seong Seung-wook, cujo prólogo de "I Pagliacci" é digno de se ombrear com as mais altas interpretações, e o tenor brasileiro Luciano Botelho: qualidade de timbre, musicalidade sensível, meio mágica, provocaram um triunfo no final de sua "Una Furtiva Lagrima".

(Mais!, Folha de São Paulo, 29/07/2007)



L'Uomo Vivo: "Baaaaaaaarga!"

2 comentários:

Anónimo disse...

Este blog é muito legal, mas anda meio devagar, hein, Lorde? Auuuuuuuuuuuuuuuuulla!!!!

Lorde David disse...

Ele é devagar nos comentários, viu "anônimos" Serge, Coli ou Regina!