quinta-feira, fevereiro 08, 2007

A Tortura do Medo/Mórbida Curiosidade

(Peeping Tom, Reino Unido, 1960)



Pelos olhos de Mark Lewis (Karl Heinz Böhm, filho do grande maestro alemão Karl Böhm) acompanhamos os passos de uma prostituta até o seu assassinato, visto em câmera subjetiva. A cena, registrada em película, é depois assistida por Mark, agora espectador da ação da qual foi algoz. E nós, mais do que meros espectadores, participamos do ato continuo de Mark e compartilhamos com ele o pavor da mulher registrado nos momentos finais de seu snuff movie, de onde tira(mos) todo um prazer voyeurístico. Outras mulheres terão o mesmo destino: a garganta espetada pelo tripé da câmera de Mark, um operador de foco de grandes produções cinematográficas e fotógrafo clandestino de garotas nuas nas horas vagas. Quer, no entanto dirigir seu próprio filme, “baseado em fatos reais”, por isso não larga a câmera 16 mm e filma tudo ao seu alcance. Ele ainda secretamente revelará os filmes em seu apartamento para depois assisti-los, o que desperta a curiosidade de sua ruiva vizinha Helen (Anna Massey), que se simpatiza de cara com seu tipo recluso, solitário e freqüentemente assustado, pois quando criança teve seu dia-a-dia sistematicamente registrado em som e filmagens aterradoras pelo pai, renomado cientista do comportamento, mais interessado em assustá-lo para depois estudar suas reações diante do medo e da tristeza que em ser um pai propriamente dito. O laço entre Vivian e Mark se estreita e altera um pouco os hábitos dele. Porém, a mãe dela (Maxine Audley), mesmo cega, percebe que há algo de errado nisso tudo, até o final impactante, onde acuado, Mark tratará ele mesmo de virar protagonista de seu filme demente.

Polêmico à época, pelo tratamento aberto e franco que dava à sexualidade e suas implicações com o voyeurismo na ainda muito reprimida Inglaterra do começo dos anos 60, além de todo o erotismo advindo da dor e da violência, cruamente mostrada, Peeping Tom custou a carreira do brilhante diretor Michael Powell, mestre do Technicolor e de narrativas originais e inventivas visualmente (Sapatinhos Vermelhos, Narciso Negro, Neste Mundo e no Outro, Coronel Blimp), que teve o filme banido do Reino Unido até a descoberta e restauração a cargo de Martin Scorsese, entusiasta da obra, no final dos anos 70. Em suma, uma obra-prima, magistralmente dirigida, com fotografia que se destaca pelo uso das cores e tensa atmosfera de suspense psicológico, em que o assassino é também um pouco de nós, cinéfilos, ansiosos para bisbilhotar emoções e sofrimentos de vidas alheias. Esse é o aspecto mais perturbador de Peeping Tom e que perdura até hoje. Um clássico.

3 comentários:

Alê Marucci disse...

Ah, você foi!
Por causa da chuvona que caiu ontem à noite, acabei desistindo.
Beijo.

Lorde David disse...

Decidi de última hora, apesar da chuva, do trabalho e da exaustão. Mas foi recompensador o esforço. E a sessão estava bem cheia. Um beijo, milady.

Michel Simões disse...

perdi...