(Flags of Our Fathers, EUA, 2006)
Guerra sem glória. Violenta, brutal em suas cores esmaecidas. Sem heroísmo para aqueles que morrem, embora herói e heroísmo sejam as palavras mais ouvidas ao longo de A Conquista da Honra. Repetidas tantas vezes até serem esvaziadas de seu verdadeiro sentido na guerra, onde, parafraseando Samuel Fuller, o “único heroísmo é sobreviver”, apenas para melhor servirem à propaganda do governo americano, que convoca três fuzileiros sobreviventes, dos seis que protagonizaram a famosa fotografia do hasteamento da bandeira americana em Iwo Jima, para levantar fundos de guerra (War Bonds) em turnê de propaganda patriótica pelo país, durante a Segunda Guerra Mundial. Foto posada, está claro, mas tão histórica quanto. Mesmo que a ilha ainda não tivesse sido conquistada.
Mas estes homens aclamados como heróis, apesar de sobreviventes, são heróis de fato? Não seriam fantasmas? Já que, ao serem obrigados a repetir tantas e tantas vezes o mesmo gesto de fincar a bandeira para as encenações da propaganda, os mortos da batalha, aqueles que tombaram na areia ou foram estraçalhados pela artilharia japonesa, reaparecem em suas memórias ou pesadelos? Não seriam estes “atores” espíritos assombrados por lembranças cruentas pelo resto da vida, achando-se culpados por terem sobrevivido, a ponto de até virarem zumbis, como é o caso de um deles, Ira Hayes (Adam Beach), o índio veterano que após a guerra vaga bêbado e moribundo pelas estradas da América, onde continuará a ser tratado como índio, cidadão de segunda classe e não como o grande herói americano de Iwo Jima? Assim, para sobreviver, o melhor é esquecer da guerra e, principalmente, da lembrança daquela imagem. É o que faz Doc Bradley (Ryan Phillippe), enfermeiro de seu pelotão que, após o conflito, não revela a seus filhos seu passado no front, enquanto sobrevive administrando uma funerária (!). Após a sua morte, um deles descobre que ele havia sido também um dos fotografados na ilha, o que faz a história caminhar em dois eixos cronológicos que se cruzam ao longo do filme, intercalando ou sobrepondo presente e passado pela precisa edição.
Mais do que Ford (“Print the Legend”, o famoso “imprima-se a lenda” de O Homem que Matou o Facínora) ou Fuller (Agonia e Glória), reafirma-se aqui mais uma vez a conhecida frase de André Bazin de que o cinema é uma máquina de fabricar fantasmas, e se nas cenas de batalha o filme evoca O Resgate do Soldado Ryan ou a minissérie Band of Brothers (ambas produções de Steven Spielberg, que também é o produtor deste Flags), no restante é levado com a habitual sobriedade pela direção firme de Clint Eastwood, que evita estridências melodramáticas, com os personagens calmamente dispostos na contraluz por uma câmera bem assentada e trazendo ao fundo o mínimo de trilha sonora, para melhor reafirmar suas convicções éticas, preocupado que é, acima de tudo, com a verdade para além das aparências. Porém, por mais que procure desmistificar a guerra e sua propaganda, Clint Eastwod não deixa de ser reverente a esses rapazes, que se arrumam como belos cadáveres de cabelos aparados para em seguida partir para o sacrifício, como é mostrado numa das cenas um pouco antes do desembarque decisivo em Iwo Jima. Reverente, porém, sem o patriotismo evocado pela imagem que eternizou a conquista e apagou os indivíduos por trás dela.
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