(Heaven Can Wait, EUA, 1943)
Um dia iremos todos morrer. E quando esta hora vier, é chegado o momento de prestar contas a Deus ou ao Diabo. Muitos, a maioria certamente, irão parar na ante-sala do Inferno. É o que acontece com Henry Van Cleave (Don Ameche), que passou a vida inteira sendo mandado para lá pelos outros, afetos e desafetos, tanto que, quando chega a sua hora, não hesita em se dirigir direto para o encontro de um elegantíssimo Lúcifer (Laird Cregar), nesta comédia de Ernest Lubitsch. Lá, Lúcifer quer saber que “diabos” ele estaria fazendo ali e porque deveria ser mandado para um lugar onde a música e o ambiente não são dos mais agradáveis. Henry, então, contará a sua vida, pontuada pelas paixões, em geral inapropriadas aos olhos de sua rígida e rica família nova-iorquina, como quando, bem jovenzinho, cai de amores pela babá francesa, ficando malade por ela, repetindo devaneios na língua de Voltaire por dias e dias. Ou então, quando se apaixona por Martha Strabel (Gene Tierney), adorável noiva de seu primo todo certinho e queridinho da família, à exceção do avô (Charles Coburn), que sempre preferiu a impulsividade de Henry e que o ajudará a conquistá-la. Martha, herdeira de uma família rica e tradicional do Kansas, será a mulher da vida de Henry, com quem finalmente se casará, após alguma insistência, para horror das famílias dele e dela. Ainda assim, como bon vivant que sempre foi, dará suas escorregadas para cima de coristas e atrizes, para a desconfiança de Martha, ameaçando o casamento. Algum infortúnio e mal-entendido, mas sobreviverão e continuarão juntos pela vida dançando a mesma valsa.
Filme pleno do famoso “toque de Lubitsch” (“Lubitsch touch”), com diálogos e situações que finamente emanam malícia, sexualidade e atrevimento, especialmente na primeira parte, e que depois, rumo ao fim, se tornará uma agridoce reflexão sobre a vida, a morte e o amor no meio, a ponto de comover. Tudo fotografado em belíssimo Technicolor, muito bem restaurado nesta edição em DVD da Fox, destacando a sofisticação dos ambientes e a beleza eterna de Gene Tierney (musa de Otto Preminger).
Tudo também conduzido pela narração suave e bem-humorada, cheia de verve e wit, de Don Ameche, que perceberá ao final, com a ajuda de Satanás, quão plena havia sido a sua vida, especialmente por tê-la partilhado com uma mulher maravilhosa como Martha. Pena que o título em português, bem à maneira dos portugueses, entregue todo o desfecho.
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