quinta-feira, janeiro 11, 2007

Dias Selvagens

(A Fei Jing Juen/Days of Being Wild, Hong Kong, 1991)



O amor começa de repente e acaba de repente. Começa nos detalhes, nos pequenos objetos de evocativa afeição, como um relógio. Assim, em um minuto está formado o laço que une Yuddy (Leslie Cheung) e Su Lizhen (Maggie Cheung), nos primeiros momentos deste Dias Selvagens, segundo longa de Wong Kar-Wai. Pouco depois se desfaz. Yuddy recusa-se a casar com ela. Ela o deixa. Curto o amor, longo o esquecimento, como disse uma vez Pablo Neruda e como acabamos aprendendo na marra. Pior para Su Lizhen, que ainda gosta dele, um boa-vida misógino. Tentando recuperar objetos deixados com ele, que agora se aproveita de Mimi (Carina Lau), uma dançarina impulsiva, ela acaba conhecendo um compreensivo policial (Andy Lau), que faz ronda noturna perto da casa de Yuddy. Iniciam uma conversa que vai pela noite. Por acaso, um novo laço se forma, mas mais frágil ainda. Ela combina de ligar para ele quando estiver aflita ou solitária. A partir daí, todo dia diante da cabine telefônica ele esperará pela ligação dela, que não vem. Ele então parte para virar marinheiro, seu sonho de infância. Nas Filipinas, esperando o navio, encontra Yuddy, que abandonara Mimi para ir em busca de seus verdadeiros pais, pois descobrira que havia sido adotado e, criado a vida inteira por uma prostituta, sempre teve um sentimento pouco lisonjeiro em relação às mulheres, levando uma vida de indiferença que eventualmente afetará todas as pessoas que cruzarem seu caminho. Assim um novo laço se estabelece, de amizade com o ex-policial agora marinheiro, mas que também durará pouco e terminará tragicamente, numa longa viagem de trem, que será também uma viagem de despedida.

Belas as cenas em que Maggie passeia com Andy Lau à noite, a sós, pelos trilhos dos bondes de Hong Kong. Bela a cena da chamada não atendida na cabine telefônica, no final do filme. Bela a última cena com Tony Leung. Enfim, é Kar-Wai exercitando seu estilo que levaria ao paroxismo mais tarde, em Amores Expressos (1994), Amor à Flor da Pele (2000) e, sobretudo, em 2046 (2004). O lirismo, no entanto, é o mesmo de seus trabalhos subseqüentes. Câmera passeando por corredores, música nostálgica na trilha sonora, ambientação sessentista e saudosista, portas se abrindo, portas se fechando, mulheres filmadas a partir dos pés, muito fetiche nos planos-detalhes, o cinema da parte pelo todo. É um Truffaut moderno, mas para quem o amor não se concretiza plenamente (mesmo em Truffaut também não era pleno, enfim), pairando intangível entre os seres que flanam ao acaso, se encontram, se afastam, "in the mood for love”, e presente essencialmente nos detalhes, que levam a lembranças que são mais permanentes que o simples minuto mostrado pelo relógio, na imagem recorrente dessa narrativa de amores expressos, muito bem fotografada por Christopher Doyle.

2 comentários:

Michel Simões disse...

Fala David, tu contou o filme todo hahahaha, essa foto ficou linda, no filme tb, aliás adoro principalmente a história envolvendo o policial e Su Lizhen! Abraço!

Lorde David disse...

Não tem problema, Michel. Quase ninguém lê este blog, mesmo. Hahaha.