terça-feira, outubro 02, 2007

Tideland - O Mundo ao Contrário

(Tideland, Canadá/Reino Unido, 2005)


A fábula realista de O Pescador de Ilusões revivida um pouco no universo lisérgico de Medo e Delírio em Las Vegas, nesta livre, sombria e muito original adaptação para os adultos (e crianças crescidas) de Alice no País das Maravilhas com O Mágico de Oz, baseada em livro de Mitch Cullin, transposta por Terry Gilliam para um meio rural que guarda ainda muitas ressonâncias com o espírito necrófilo sulista do William Faulkner de Enquanto Eu Agonizo, por exemplo, na estória de uma menina, Jeliza-Rose (Jodelle Ferland), que se muda com o pai Noah (Jeff Bridges), um roqueiro decadente, irresponsável, dependente de heroína e obcecado pelos mitos nórdicos da Jutlândia (Dinamarca), para uma casa decrépita no campo após a morte da mãe chocolótra (Jennifer Tilly) por overdose. Lá, para fugir da solidão e do isolamento, imaginativa, na companhia das cabeças deformadas de suas bonecas, com quem conversa o tempo todo, cria seu mundo de fantasia muito particular, recriando a fábula de Alice, com esquilos falantes e coelhos e a presença na casa do corpo morto do pai, que também sucumbe a uma overdose administrada pela própria filha, indo parar no “lugar onde os sonhos são feitos”. Com a ajuda da diabólica vizinha caolha, que se parece com a bruxa vinda do autêntico Mundo de Oz, e do irmão epiléptico e bondoso dela, Dickens (Brendan Fletcher), mantém conservado o cadáver do pai à maneira de Psicose e de O Massacre da Serra Elétrica. Ele, para a menina, nunca morreu, no entanto. Tornou-se apenas mais “flatulento”, e a sua morte seria apenas mais uma das viagens embaladas a rock’n’roll e drogas. Pouco a pouco também, à medida que vai virando mais do que amiga de Dickens, ela cria com ele outros mundos de fantasia a partir de sótãos abandonados, entulhos, retalhos, trens em movimento e uma carcaça de ônibus. Mundo subterrâneo esse do diretor Gilliam, das entranhas, como o de Os Doze Macacos e Brazil – O Filme, com referências a tocas, estômagos e submarinos, onipresença do olhar, filmado em plano detalhe, marca registrada de Gilliam, num filme que nunca sucumbe às facilidades óbvias dos efeitos especiais, preferindo concentrar sua essência nas palavras bem enunciadas pela ótima Jodelle Ferland, num justo tom poético de uma fábula cuja moral diz respeito à força da imaginação dando ordem a um mundo caótico e decadente e prevalecendo sobre as intrínsecas dificuldades de crescer e de sobreviver à vida, com imagens mórbidas, captadas pela câmera sempre balançante, mas nunca trepidante, como num barco à deriva, do ex-Monty Python em um de seus trabalhos mais irregulares, pessoais e fascinantes.

1 comentário:

Anónimo disse...

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