(L’Ivresse du Pouvoir, França/Alemanha, 2005)
Não há um plano neste filme de Claude Chabrol (A Dama de Honra, 2004) que se conjugue com outro de forma gratuita. Cenas de corredores, de garagens, de saídas de prédios, tudo é encadeado de forma a desorientar e mostrar as bifurcações sistemáticas que se estabelecem de modo misterioso e orgânico e se estendem para além de nossa compreensão, na relação de promiscuidade entre as esferas pública e privada, ao narrar o dia-a-dia de uma juíza de instrução severa e um tanto vaidosa (Isabelle Huppert), que, ao conduzir uma grande investigação de corrupção, prende como exemplo o CEO de uma companhia estatal acusado de sacar dinheiro da empresa para fins pessoais. Ele é, no entanto, uma pequena peça num esquema muito maior. Há também uma dúbia relação dela com outro funcionário graduado (Patrick Bruel), o que põe em jogo sua moral aparentemente ilibada. O título original, literalmente "intoxicação do poder", fornece uma chave importante ao tratar de deslocamentos de poderes, que aqui ocorre o tempo todo. O CEO, por exemplo, no pleno comando de seus funcionários, ao ditar ordens para sua secretária logo no começo, vê-se pouco depois saindo sozinho da cadeia, abandonado pelos comparsas e publicamente execrado, tendo uma alergia constante no pescoço como sua única companheira. Na mesa da juíza, humilhando dia a dia o executivo ao devassar detalhes de sua vida íntima e invadir a casa da família dele, atrás da mesa, por meio da papelada burocrática ou da exigência sistemática de que seu nome seja dito sempre completo, "Jeanne Charmant-Killman", exerce ela à sua maneira o poder. E se diverte, se "intoxica" por ele e se envaidece ao se ver como capa de revista, ainda que, aos poucos, vai percebendo que a corrupção estende seus tentáculos para dentro dos corredores e gabinetes do Palácio de Justiça, e ela também nada mais é que uma peça no joguete bem maior entre políticos e executivos, em que o dinheiro fala mais alto, sempre. Mais uma vez, o poder se desloca, foge ao seu controle. Em certo momento, quando é ameaçada, vira vítima também e, em seqüência-chave, no hospital vê-se na mesma posição que o executivo que mandou deter. Também em sua vida pessoal, há uma ambígua relação entre ela e o sobrinho, explorada por Chabrol da mesma forma que o misterioso envolvimento dos personagens cínicos de Huppert e Michel Serrault em Negócios à Parte (1997), e que termina por diminuir sua relação com o marido, outra vítima.
Rigoroso, sistemático, Chabrol não facilita, não oferece detalhes didáticos do esquema de corrupção e de como ele era operado, por exemplo. Expõe apenas e faz aqui um admirável trabalho para desorientar e frustrar o espectador no final das contas, sem oferecer soluções possíveis ou fáceis. Para isso, Huppert, brilhante e bela, plena de ambigüidades, é uma atriz essencial nesse "esquema".
4 comentários:
Finalmente estreiou...
Finalmente, mesmo.
E é bom pra dedéu!
Realmente muito bom, Domingos. Chabrol de volta à mordacidade de Mulheres Diabólicas. E obrigado pela visita e pelo comentário.
Enviar um comentário