quarta-feira, abril 25, 2007

Vermelho Como o Céu

(Rosso Come il Cielo, Itália, 2006)



São Paulo. Aquele pôr-do-sol róseo que é belo e único por causa da poluição da cidade. Estranho calor de outono. Terça-feira e o habitual trânsito de final de dia. De qualquer hora do dia, na verdade. Ou seja, Hell on Earth. As usual. E a certeza de que, preso ali, sem qualquer possibilidade de sair do lugar, de me mover no ônibus lotado, de gritar, perderia a sessão deste filme e, pior, de que furaria com a Alê, o que seria ainda mais imperdoável, pois o filme poderia ver outro dia. Então vem a angústia. E o desespero. Felizmente, tudo começou a andar, ainda que bem devagarzinho. Felizmente consegui chegar na bilheteria do Reserva Cultural. Em cima da hora, claro. Infelizmente uma fila que não andava de jeito nenhum. Felizmente uma transitória queda de energia que atrasaria o início da sessão. Infelizmente a fila que continuaria a não andar. E lá fui eu, contra a minha maneira habitual de agir, passar na frente de três senhores com seus demorados cartões de débito e dificuldades em localizar o RG, a fim de garantir o meu ingresso. É claro que pedi para eles, quase que obrigando-os a ceder. É claro que as sessões para os filmes que escolheram seriam posteriores a minha. Então qual era o problema, fora alguns cenhos grisalhos franzidos? Assim, com certo atropelo, felizmente comprei o ingresso, entrei na sala ainda nos trailers, encontrei com a Alê e bem a tempo de assistirmos juntos a este belo filme italiano. E desde o comecinho. Felizmente.

Um pouco como no Neo-Realismo italiano na maneira de captar as crianças nas brincadeiras e no seu modo todo particular de perceber o mundo, narra a história real de um menino toscano, Mirco (Luca Capriotti), de dez anos, que, após perder a visão no disparo acidental de uma espingarda em casa, é mandado compulsoriamente para uma escola especial (e católica) em Gênova, já que a lei italiana não permitia que alunos deficientes dividissem a sala de aula com alunos considerados “normais”. Na verdade, um internato profissionalizante para cegos, comandado por um severo diretor também cego e que não almejava grandes horizontes para seus alunos, forçando-os a um aprendizado de funções repetitivas, somente. O que era nítido vira vultos e borrões, como a imagem dos pais vista na despedida pela janela. Vira em seguida a escuridão total. Longe da familia, privado do cinema, da escola normal e das brincadeiras infantis, aos poucos, e não sem conflitos, Mirco vai se adaptando à nova condição. E assim, tateando e auscultando aqui e ali, começa a “enxergar” com os outros sentidos, sobretudo com a audição. E assim também, na surdina, com a ajuda de uma menina (Francesca Maturanza) e de um amigo da escola, cego desde o nascimento (Simone Gulli), passa a gravar os sons da natureza e a editá-los. Mais tarde, como bom autodidata e com o apoio de um padre bondoso, dará a eles uma forma narrativa, com personagens de contos de fada, contando ainda com a ajuda de outros garotos da escola, como se produzisse uma radionovela, apesar da rigidez quase incontornável do diretor.

Momentos encantadores a cargo sobretudo do formidável elenco infantil, dirigido com sensibilidade por Cristiano Bortone, e um desfecho emocionante, definitivamente honrando a boa tradição do cinema italiano em sua essência humanista. E política também. Edificante, mas não no sentido apelativo, de ser apenas um filme de superação daqueles bem sentimentais, embora os sentimentos aqui não deixem de aflorar no final das contas. Mas naturalmente conduzindo às lágrimas sinceras com seu estilo simples, direto e humanamente provável. Também uma ode ao cinema e à maneira autodidata de apreender, de descobrir o mundo (e de representá-lo) com os próprios olhos, mesmo que não seja possível enxergar com eles. E sem apelar para as boas intenções ou para um triunfalismo all'americana. Felizmente.

1 comentário:

iglou disse...

Puxa, este é um dos meus filmes preferidos deste ano e ficou tão sem destaque, que até fico triste. Não tem em DVD em lugar algum, e só passou em Campinas em setembro. Talvez eu ainda deva dar graças à Providência por ter passado aqui.

Abraço,
Lou.