(Hannah and Her Sisters, EUA, 1986)
Tipos humanos, tipos frágeis, mesmo depois de adultos, quando tudo parece mais angustiante, incerto e questionável, numa ciranda amorosa de começos e recomeços, onde a câmera de Woody Allen passeia pelas ruas de Nova Iorque, entrelaçando indivíduos e enamorando-se das riquezas arquitetônicas da cidade e de sua modernidade advinda do século XIX. Cenário em que as três irmãs de Tcheckhov, aqui quatro, colecionam amores, desilusões e novas expectativas. Abre-se num jantar familiar de Ação de Graças, em que Elliot (Michael Caine), financista da Bolsa casado com a doce Hannah (Mia Farrow), revela em voz off seu desejo pela bela cunhada Lee (Barbara Hershey), que vive no SoHo, junto com o artista plástico Frederick (Max von Sydow). Ela desconfia disso e se abrirá ao affair com ele, deixando Frederick e abalando o casamento de Elliot. Ao mesmo tempo, Mickey (Woody Allen), um neurótico roteirista e produtor de TV e ex-marido de Hannah, encara a possibilidade da morte ao descobrir que pode estar com um tumor no cérebro. Passa a questionar Deus, o mundo, a existência, mesmo com o prognóstico negativo dos exames. Depois de tentar se converter para o catolicismo ou virar Hare Krishna, em momentos engraçados, pensa até em se matar, mas redescobre o cinema, redescobre a vida, num instante mágico, quando revê Diabo a Quatro (Duck Soup, 1933), com os Irmãos Marx. É o cinema mais uma vez o santo remédio para as incertezas da vida, algo mostrado com recorrência nos filmes de Allen, fazendo alusão a sua própria cinefilia. Ao mesmo tempo, Mickey reencontra uma das irmãs de Hannah, Holly (Dianne Wiest) e, o que antes parecia uma união improvável, pelo passado tumultuado dela, envolvida com drogas, inúmeras rejeições amorosas e profissionais, acaba tomando rumos inesperados, bem ao sabor do acaso, fechando o filme no mesmo jantar de Ação de Graças do começo e numa chave mais doce, otimista, esperançosa, neste filme de encontros, desencontros, reencontros e amores improváveis que se tornam possíveis, onde Allen parece dizer que um nunca está imune ao desejo pelo outro, mesmo diante das imposições sociais ou mesmo por causa delas. Ao final persiste ainda um tom mais uma vez agridoce, típico de muitos filmes de Allen dos anos 80, enganosamente neutro na maneira de filmar, pontuado por intertítulos literários e pela narração em off, contrapondo-se às imagens. Maduro, terno, inesquecível e que resultou merecidamente nos Oscars de Melhor Roteiro para Allen e de Melhor Atriz e Ator Coadjuvante para Wiest e Caine, respectivamente. Para ser visto e revisto, sempre.
2 comentários:
Sempre revejo esse filme. Sempre me divirto e sempre me emociono.
Beijo.
Oi, Alê, querida! Que saudades de você por aqui. Acho esses filmes do Allen do final dos anos 70 e os dos anos 80 quase todos, os melhores e mais emocionantes da carreira dele, que é bem formidável. Um beijo.
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