Wer sich der Einsamkeit ergibt ("Aquele que se entregou à solidão") - Goethe
segunda-feira, abril 30, 2007
Mstislav Rostropovich (1927-2007)
O maior violoncelista da segunda metade do século XX, insuperável na sonoridade aveludada que imprimiu ao instrumento. Mais informações abaixo:
Violoncelista Rostropovich morre aos 80
Debilitado pela luta contra o câncer, músico russo, que teve amplo reconhecimento em vida, também foi regente e pianista
Em suas visitas ao Brasil, o maior violoncelista do pós-guerra costumava trazer maleta cheia de bebidas alcoólicas
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Reconhecido como o maior violoncelista do pós-guerra e também como o mais destacado ícone musical russo da atualidade, Mstislav Rostropovich (pronuncia-se "rostropóvitch") morreu sexta no Centro Oncológico de Moscou.
Slava (hipocorístico de Mstislav), como era conhecido, havia feito sua última aparição pública em 27 de março, no concerto de gala que celebrou seu 80º aniversário. Debilitado pela luta contra o câncer, não teve condições de tocar, mas foi tratado pela mídia como lenda viva - ao longo de toda a semana, a TV russa exibia documentários e concertos do musicista, muito embora suas promessas de não mais tocar no país devido a algumas críticas desfavoráveis que recebera na imprensa tenham diluído a unanimidade de que antes desfrutava.
Rostropovich nasceu em Baku, capital do Azerbaijão, em uma família musical: o pai, Leopold, era um menino-prodígio do violoncelo, aluno do legendário catalão Pablo Casals, enquanto a mãe, Sofia, atuava como pianista acompanhadora.
Para dar melhores condições de aprendizado a Slava, a família se mudou para Moscou, em cujo conservatório Rostropovich seria aluno e, posteriormente, professor. Nos anos 50, ele estava, ao lado de monstros sagrados como David Oistrakh (violino) e Sviatoslav Richter (piano), entre os nomes que a URSS permitiu que viajassem ao exterior para maravilhar os ocidentais com sua excelência.
Sob regência de Herbert von Karajan, os três fizeram uma gravação que marcou época do "Concerto Tríplice", de Beethoven. E a performance que Rostropovich fez com Richter das sonatas para violoncelo e piano de Beethoven, no festival de Aldeburgh, no Reino Unido, em 1964, atualmente disponível em DVD, permanece como um documento dos milagres de precisão, espontaneidade e calor de que aquela geração de músicos russos era capaz.
A excelência técnica não era pequena. Enquanto os braços obedeceram seu comando, Rostropovich foi capaz de emitir um som vigoroso e cheio em todos os registros do instrumento. A afinação era precisa e imaculada, enquanto a técnica permitia-lhe percorrer todos os degraus da escala dinâmica, mesmo quando tocando em "pízzicato" (beliscando as cordas, sem a utilização do arco).
Pianista e acompanhador
Casou-se, em 1955, com a maior estrela do Teatro Bolshoi daquela época, a soprano Galina Vishnevskaya. Ao lado da esposa, desenvolveu habilidades de sensível pianista acompanhador; e também começou a reger -como maestro, era louvada sua expressividade, embora a precisão não fosse a mesma que ele obtinha ao violoncelo.
De gosto eclético e interessado em música contemporânea, Rostropovich contribuiu decisivamente para a ampliação do repertório de seu instrumento. Amigo de compositores, estreou obras de Prokofiev, Chostakovitch, Lutoslawski, Penderecki, Britten, Berio, Bernstein e outros. O argentino Astor Piazzolla escreveu uma peça para ele - "Le Grand Tango".
Mas suas amizades estavam longe de se restringir ao mundo da música -e incluíam o vencedor do Prêmio Nobel Aleksandr Sojenítsin, que denunciara as mazelas do regime soviético em livros como "Arquipélago Gulag" e "Um Dia na Vida de Ivã Denissovitch".
Tendo acolhido o escritor em sua casa de campo, o músico escreveu, em 1970, uma carta aberta à imprensa soviética, em defesa do amigo. Embora não publicada, a missiva causou problemas políticos ao violoncelista, que acabou tendo que deixar o país em 1974, para ter sua cidadania cassada em 1978.
No Ocidente, virou regente titular da Orquestra Nacional de Washington, em 1977, à frente da qual permaneceria até 1994. Reabilitado pela "perestroika" de Mikhail Gorbatchov, voltou a tocar em sua terra natal em 1990 -em agosto do ano seguinte, com grande estardalhaço, fez-se fotografar em Moscou, empunhando um fuzil Kalashnikov, em apoio a Boris Iéltsin, contra a malograda tentativa dos comunistas de retomarem o poder.
No Brasil, esteve várias vezes, como violoncelista e como regente, trazendo a tiracolo a maleta cheia de garrafas de bebidas alcoólicas que era uma de suas marcas registradas. Estava no Rio, em 1994, quando a seleção brasileira voltou da vitoriosa campanha na Copa do Mundo dos EUA. Em conseqüência, em sua apresentação no Teatro Municipal, subiu ao palco enrolado na bandeira do Brasil, recebendo uma das mais consagradoras ovações que aquela casa já presenciou.
(Folha de SP, 28 de abril de 2007)
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