quinta-feira, abril 19, 2007

O Novo Mundo

(The New World, EUA, 2005)



Ao som da abertura da ópera O Ouro do Reno (Das Rheingold), de Richard Wagner, a América surge para os ingleses da pequena esquadra liderada pelo justo capitão Newport (Christopher Plummer). E os ingleses surgem diante do olhar estupefato dos nativos da costa da Virgínia e sua civilização cercada pelas águas. Aliás, água é o elemento que abre e que fecha o filme. Na Virgínia, serão erguidas as paliçadas de Jamestown, a primeira vila norte-americana. E no porão do navio, o rebelde John Smith (Colin Farrell), mantido prisioneiro, vê a América pelas grades e frestas. No novo mundo, busca um novo começo. Salvo do enforcamento, é libertado para conduzir uma missão de exploração em busca de alimentos rio acima. Será capturado pelos selvagens e, salvo mais uma vez, se envolverá com a filha do chefe da tribo dos Powhatan, conhecida no mito original como Pocahontas (Q'orianka Kilcher), embora o nome dela nunca seja dito ao longo do filme. Entre os dois, momentos de amor intenso, delicado, unindo seres de mundos opostos. Mas o amor que os une os separará. Em certa feita, ela ajudará os ingleses famintos, à revelia do pai. Surgia o dia de Ação de Graças. Mas os nativos os atacarão. Propõem um acordo. Smith, como líder da vila, recusará a mantê-la prisioneira a fim de estabelecer a paz. Banido, partirá para a Inglaterra e para explorar novos horizontes, como a passagem para o outro oceano. Ela, de coração partido, e também renegada pela tribo, se casará mais tarde com o bondoso fazendeiro John Rolfe (Christian Bale), com quem terá um filho. Descobrirá o velho mundo, na histórica audiência com o Rei James da Inglaterra, onde será recebida como uma princesa. A princesa do Novo Mundo. Mas ainda terá Smith na memória.

Pelo ritmo sereno das águas do rio na Virgínia é conduzido este magnífico e contemplativo filme de Terrence Malick, apenas seu quarto trabalho como diretor, numa carreira de mais de 30 anos, e que descortina paisagens e horizontes como se fossem mostrados pela primeira vez. Aqui, mito, civilização e história se entrelaçam, harmonizados pela música de Mozart e Wagner e pelos monólogos interiores, em que os personagens refletem poeticamente sobre essa efêmera harmonia, num paraíso povoado por seres onde o equilíbrio é sempre delicado, quando não impossível, marcas registradas dos filmes de Malick (Além da Linha Vermelha, 1998), assim como a onipresença da natureza. Pouco provável que os dois tivessem tido tal romance. Não importa. No final das contas, o mito se impõe pois, como diria Fernando Pessoa, o “mito é o Nada que é Tudo”. E assim nascia a América.

Revisto na telona do CineSesc, um esplendor, ainda que prejudicado pelos cortes impostos pela New Line, que deixa algumas cenas truncadas, sobretudo na transição entre elas. Espero revê-lo novamente na versão mais completa, lançada em DVD nos EUA. Ou tantas vezes quanto for preciso. É tanta beleza que não basta um único olhar. Mas beleza nunca acessória ou superficial. Beleza das obras-primas da pintura, que aqui se consubstanciam em inesquecíveis imagens em movimento.

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