quarta-feira, abril 18, 2007

Agente Triplo (e mais Rohmer)

(Triple Agent, França/Rússia/Grécia/Espanha/Itália, 2004)



O homem que sabia demais, que achava que trazia em si uma idéia de onipotência, imaginando que conseguiria manipular o destino. Ou nem tanto, neste filme tipicamente rohmeriano, que engendra certezas na boca dos personagens principais para depois desmenti-las, criando descompassos entre o que é dito, o que é imaginado e o que ocorre de fato. E onde o acaso acaba sempre desempenhando um papel decisivo, no final.

Aqui, num registro histórico, pouco antes da Segunda Grande Guerra, Eric Rohmer, com impressionante vitalidade, narra a história real de um general soviético, ou melhor, russo, Fiódor Voronin (Serge Renko), um branco dissidente após a Revolução de 1917 e refugiado com a sua bela esposa grega, a pintora de quadros realistas Arsinoé (Katerina Didaskalou), na Paris de 1936, da recém-eleita coalizão socialista da Frente Popular. Apesar do clima vermelho no ar, não esconde o que faz de ninguém, ao deixar claro, em encontros sociais, que trabalha para uma associação de russos brancos, também de militares expatriados do antigo regime czarista. É franco também com seus vizinhos comunistas, que poderiam ser espiões soviéticos a serviço da máquina paranóica stalinista. Porém, não fica tão claro assim, ao longo do filme, para qual grupo trabalharia de fato, agindo de forma tão ambígua e misteriosa que surpreende até a sua esposa. Poderia trabalhar para os contra-revolucionários, para os soviéticos e até para os nazistas. Poderia ser somente um ingênuo, também. Daí, o agente triplo do título. Tensões se avolumam, ainda mais num contexto de emergência dos regimes totalitários, comunista e fascista, que mais tarde se convergeriam, no infame pacto alemão-soviético, além da Guerra Civil Espanhola e das greves que marcariam os meses iniciais da administração da Frente Popular, vistas por meio de cinejornais reeditados aleatoriamente pelo próprio Rohmer e que entremeiam a narrativa, situando-a historicamente.

Mês a mês, toda a ação é conduzida por meio de longas conversas, à maneira de Rohmer, em que a palavra falada e somente ela instaura mundos. É fascinante, por exemplo, quando o general narra a sua esposa o suposto seqüestro de um compatriota num carro, usando apenas os dedos e uma pasta para descrever toda a cena, indo na contracorrente dos cineastas mais convencionais e moderninhos, que certamente prefeririam optar por um expediente mais comum, como o flashback com imagens, a narração reconstituindo toda a cena e o uso invasivo da trilha sonora. Mundos escorregadios estes da fala, no entanto, deixando no ar sempre a incerteza no final das contas. No meio de tudo, excelentes discussões sobre arte realista e as vanguardas, banidas da União Soviética, que tornara-se conservadora neste aspecto, e em outros também, apesar do caráter revolucionário de seu governo. Tudo registrado com um mínimo de elementos, o que não deixa de ser surpreendente a cada instante, em que nada parece acontecer, quando tudo está acontecendo. Rohmer é de fato um mestre. E um prazer.

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