(Hannibal Rising, EUA/Reino Unido/França, 2007)
Antes de fritar os miolos de suas vítimas para dá-los de comer a elas mesmas, espetinhos de bochechas humanas com cogumelos selvagens, assados e saboreados em plena floresta lituana. Nouvelle Cuisine, com tempero rústico. Ainda sem o Chianti, no entanto.
A gênese de um monstro, mas de atitudes refinadas e fala suave, típicas de sangue azul europeu degenerado. Também, pudera, Hannibal Lecter é filho de nobres lituanos mortos na guerra durante a ocupação nazista, quando criança. No entanto, ele e a sua frágil irmãzinha, numa cabana na floresta, diante de escombros, sobrevivem penosamente. Ele a protege, sempre. Um dia, saqueadores lituanos (e ex-colaboradores dos nazistas) em fuga, se refugiam no lugar e os mantêm reféns. A comida, que era pouca, torna-se inexistente no rigoroso inverno soviético. Resta aos bandidos, para se manterem vivos, fazer o que os comunistas faziam de melhor. Ou seja, comer as criancinhas. Literalmente. Hannibal então verá a sua irmã Mischa ser levada para a panela. Mesmo assim, consegue ser salvo de ser comido e crescerá num orfanato, agora sobre a tutela dos soviéticos. É maltratado, pouco fala e bloqueará o trauma, restando dele apenas imagens esparsas, que aparecem em flashes macabros durante noites de pesadelo. Até que um dia escapa do lugar, indo viver com a sua tia, a oriental Lady Murasaki (Gong Li), na França, onde estudará Medicina. Porém, não desistirá de perseguir seus algozes. Enfim, uma trama de vingança que serve para Hannibal, aos poucos, sedimentar e requintar seus métodos, cada vez mais sangrentos, incluindo aí o canibalismo, a frieza e, principalmente, a falta de culpa após cada assassinato perpetrado. E ao som das Variações Golberg, de Bach, como toque fino.
Parte da narrativa já esboçada num capítulo do livro grand guignol Hannibal, de Thomas Harris, que atua como roteirista nesta produção bem acima da média, inclusive nas ambientações e nos detalhes. Ou seja, até que fiel ao espírito do personagem, apesar da mecânica psicanalítica da trama, de procurar a origem do mal do Hannibalzinho num trauma de infância. E de justificar o despertar da besta que dormia dentro dele por causa de um evento sempre extraordinário em sua brutalidade como a guerra, ou após ela, tal como é mostrado numa cena metafórica, em que um javali escapa da cabana abandonada, quando Hannibal a revisita. Ou, então quando recupera as jóias da família de dentro da boca de um urso empalhado. Requinte e bestialidade, sempre.
Mesmo com as más críticas, um filme bastante razoável e elegante, do improvável Peter Webber (do artsy fartsy A Moça com o Brinco de Pérola, 2003), desde que não se insistam em comparações com os outros da série. Deu para assistir e saborear esta preqüela, ainda que sem um Chianti, que, acho, desceria melhor no filme de Ridley Scott, Hannibal (2001). Em suma, não me aborreceu, e até o protagonista, o também improvável Gaspard Ulliel (Eterno Amor, 2004), que tem um rosto que lembra a máscara de V, de V de Vingança (2005), convence em sua fragilidade só esboçada, como os desenhos que faz. Além, claro, da beleza de Gong Li.
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