A Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, EUA, 2006)
A Pequena Miss Sunshine segue por uma estrada segura, pavimentada de situações conhecidas de outros road movies, mas sem as boas intenções ou afetações que costumam caracterizar os personagens de muitos dos filmes americanos independentes. Ninguém aqui é visto como coitadinho por estar à margem do glamour da sociedade ou (mais uma) vítima do sistema capitalista opressor, nesse mundo supostamente injusto em que a competição se infiltra desde cedo, transformando aqui meninas em mini-mulheres de concursos de Miss. Além disso, a fotografia dispensa o chacoalhar da câmera de mão e não é saturada ou descolorada, nem a montagem quer dar o seu ar de pós-modernidade, picotando e borrando tudo como nos videoclipes, mesmo porque o roteiro de Michael Arndt é assentado em convenções e em personagens sólidos. E daí tira toda a sua graça.
Na trama, uma família excêntrica como todas as outras e tipicamente suburbana, formada pelo pai, especialista em dar palestras de motivação (Greg Kinnear), mas aqui um tanto digamos assim “desmotivado”, a mãe alegre, mas um tanto sobrecarregada (Toni Colette), o avô viciado em heroína, palavrões e pornografia (Alan Arkin), o irmão mais velho, um adolescente que decide não falar por um ano até ser piloto de avião (Paul Dano) e o tio homossexual e suicida que é também o segundo maior estudioso de Proust nos EUA (Steve Carell), se enfia numa Kombi amarela para levar a caçula Olive (a novata Abigail Breslin) para o concurso de Miss Sunshine na Califórnia. Detalhe, a Kombi só pega no tranco.
Assim, partem para mais uma viagem cruzando o deserto americano já vista em outros filmes e com as cenas típicas, como a do policial que os pára no caminho, as paradas no posto de gasolina ou no motel, uma morte inesperada, uma outra revelação inesperada, a tal lição em torno da união familiar, etc. Mas tudo é tão bem levado pelos diretores estreantes Jonathan Dayton e Valerie Faris que rende boas risadas. Gargalhadas até. O tempo todo. E são ajudados pelo excelente elenco, com destaque para Steve Carrell, tão engraçado em Todo Poderoso, O Virgem de Quarenta Anos e na série The Office e aqui contido, melancólico, mas que também tem seus momentos de brilho cômico, sobretudo nos diálogos com Alan Arkin, um assumido blasfemo.
Apelando para hilárias contravenções, esses underdogs disfuncionais cortam a estrada com as próprias forças, sem choramingo e sem medo de fracassar. Por isso, não deixa de ser emblemática a cena em que, ignorando as contrariedades e até uma buzina defeituosa, empurram todos a Kombi para que ela pegue no tranco, além de muito engraçada. E também o final, em que literalmente dão de ombros para essa idéia de perfeição que obsessivamente os levou até ali, assumindo de vez o lado suburbano, sim, cafona, sim, mas não, nunca destituído de humanidade.
3 comentários:
Assisti esse filme ontem também. Bastante simpático.
Para mim, uma surpresa das mais agradáveis.
Enfim um texto à altura do filme!
"Pequena Miss Sunshine" conseguiu uma proeza: me fazer dar gargalhadas a ponto de chorar de rir.
A estória é simples, sim, e tem lá seus clichês, mas os personagens são tão realisticamente amalucados e as situações tão dramaticamente cômicas que tornam esse um filme acima da média.
Sem dúvida vai figurar na minha lista de melhores do ano.
Beijo.
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