quinta-feira, dezembro 07, 2006

A Carta (The Letter, EUA, 1940)

Melodrama sombrio levado com a habitual classe por William Wyler. Grande parte de seu status deve-se à interpretação de Bette Davis, que consegue ser fria, passional, manipuladora, triste, sexy e dissimulada de acordo com as circunstâncias e mesmo quando acuada. Aqui, como mulher de um alto funcionário de uma companhia britânica de borracha, em plena noite de lua cheia e aos olhos dos nativos de uma plantação de seringueiras na Malásia colonial, é flagrada esvaziando o revólver em Geoffrey Hammond (David Newell). No depoimento à polícia, diz que Geoffrey, bêbado, tentou violentá-la, sendo obrigada a agir em legítima defesa. Mas uma carta em posse da então viúva asiática de Geoffrey (Gale Sondergaard) revela uma ligação antiga entre ambos, pondo em dúvida seu depoimento, e em risco o casamento com o honesto Robert (Herbert Marshall).

Na verdade, o que move a história é o ciúme de uma mulher, Davis, que provoca o assassinato, levando à vingança da viúva. Uma age em plena luz da lua cheia. A outra aparece pouco, prefere a penumbra, conforme os planos que abrem e fecham o filme e que pontuam momentos-chave da narrativa. Nada mais perigoso que sentimentos femininos contrariados e em disputa. E os homens movem-se pela maquinação de ambas, o que leva o advogado de defesa de Davis (James Stephenson), um indivíduo de princípios, a mentir e ceder a expedientes menos nobres, como chantagem, para ocultar evidências que possam incriminá-la.

Como em muitos filmes de julgamento, a verdade só vai prevalecer fora dos tribunais, ou dissimulada entre os seres, assim como a justiça será aplicada fora das cortes, na penumbra e depois sob a indiferença da lua cheia.

Baseado no romance de W. Somerset Maughan, A Carta foi a segunda colaboração de Davis com o diretor (e amante) Wyler, depois de Jezebel (1938). Teve sete indicações ao Oscar, incluindo atriz e diretor. Não ganhou nada, mas demonstrou mais uma vez o prestígio de Wyler para produções exigentes e requintadas (alguns preferem dizer “acadêmicas”, mas discordo) e ajudou a sedimentar a persona má que Davis voltaria a encarnar com mais intensidade em Pérfida (1941), também de William Wyler.

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