RKO 281 (EUA/Reino Unido, 1999)
Goste-se ou não, Cidadão Kane, o primeiro trabalho para o cinema do então jovem Orson Welles, é considerado um dos maiores filmes de todos os tempos. É inegável a força de sua narrativa não-linear, que contava a ascensão e queda de um magnata da mídia por meio de longos planos-seqüências, engenhosos travellings, inovador uso da profundidade de campo hierarquizando os personagens em cena (e que consumiam tanta luz que derretiam as estátuas de cera do cenário), do contre-plongée (câmera colocada numa posição mais baixa, filmando os personagens de baixo para cima; em "Kane", literalmente enterrada no chão), do teto rebaixado, do “chicote” na passagem de cenas, da trilha sonora perfeitamente integrada à história, criando descompassos, e outras inovações. Mas, por pouco essa obra-prima não foi destruída por pressão e chantagem de William Randolph Hearst, publisher e dono dos maiores jornais nos EUA, em quem Orson Welles havia se baseado para escrever o roteiro junto com Herman J. Mankiewicz. Este episódio é retomado neste telefilme da HBO, dirigido por Benjamim Ross (de O Livro Secreto do Jovem Envenenador, 1995).
Como é sabido, Welles (Liev Schreiber), então com 24 anos, era o gênio, ator, diretor de teatro e “ilusionista” de Nova Iorque contratado para rodar seu primeiro filme para a RKO (produção de número 281), após o conhecido e muito falado episódio da transmissão para o rádio de A Guerra dos Mundos. Da gênese do projeto de “Kane” à quase destruição dos negativos do filme e, por fim, a exibição nos cinemas, foram quase dois anos de batalha contra o estúdio, contra os produtores de outros estúdios e, sobretudo, contra Hearst.
O filme da HBO procura mimetizar aspectos formais do filme original, como o documentário que o abre e a composição de algumas cenas, mas, curto, rodado de maneira convencional, não aprofunda muito os personagens, nem Welles, nem Hearst. O melhor de todos em cena é o Mankiewicz interpretado por John Malkovich, que encarna com cinismo e melancolia as ironias do mundo do cinema da mesma forma que o personagem do roteirista vivido por Humphrey Bogart em A Condessa Descalça, do irmão Joseph L. Mankiewicz. Mas, ainda assim, serve de complemento ao superior documentário A Batalha por Trás de Cidadão Kane (1996), que relata com riqueza de detalhes e mais dinamismo esse episódio. E os momentos que acompanham a gestação de Cidadão Kane, especialmente as discussões no set entre o obsessivo Welles e o fotógrafo Gregg Toland (Liam Cunningham), dão mostras interessantes do que é fazer um filme e o quanto certas escolhas na hora da filmagem muitas vezes dependem mais do acaso e da intuição que do planejamento.
3 comentários:
Dizem que o Welles para ficar com o mérito do roteiro assinado só por ele, teria oferecido dinheiro para o Herman. Deve ser verdade!
Até hoje não vi "Cidadão Kane" (ai, que vergonha de admitir isso!) e nem sabia de toda essa história por trás do filme.
Beijo.
Fabrício, tem mesmo muita lenda em torno das filmagens. A produção sigilosa foi cercada de mistério, o que contribuiu para todo tipo de esppeculação. Dizia-se também que Toland dirigira parte das cenas. Fora os mitos que Welles gostava de construir para si o tempo todo. Pelo menos, o Oscar de roteiro, único do filme, contemplou Welles e Mankiewicz.
Alê, o próprio filme ficou sumido por muito tempo. As cópias que circulavam eram de péssima qualidade. Uma que vi no cinema numa mostra era escura e o som desaparecia em várias seqüências. O DVD da Warner, além de trazer o filme restaurado, com toda a sua grandeza recuperada, traz o documentário sobre essa batalha.
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