A Importância de Ser Honesto
(The Importance of Being Earnest, Reino Unido, 1952)
Lorde David é um esnobe e tem dias que sai à procura de um filme que melhor retrate suas aspirações fantasiosas. Encontrou-o, dia desses, nesta clássica adaptação da peça de Oscar Wilde sobre trocas de identidades e os mal-entendidos decorrentes disso, levada com charme por Anthony Asquith e defendida por um elenco irreprochável.
Em seu preâmbulo, o filme não nega suas origens teatrais, com o público se ajeitando nos camarotes e uma grande cortina abrindo-se no palco de um teatro londrino, dando início ao espetáculo, na verdade uma comédia de situações e das mais engraçadas. Descortina-se então a história do solteirão rico Jack Worthing (Michael Redgrave), que às vezes se passa por Ernest (ou Earnest/Prudente do título original, num dos inúmeros trocadilhos que percorrem o texto). Isso intriga seu amigo, o todo endividado Algernon Moncrieff (Michael Denison), que quer saber “por que diabos ele é Ernest na cidade e Jack no campo”. No campo, ele responde, uma pessoa diverte as outras, tipo os vizinhos. Tudo muito chato. Na cidade, diverte a si mesmo. No campo, Jack também é tutor da jovem Cecily Cardew (Dorothy Tutin) e, devido à alta respeitabilidade exigida para um tutor, inventa ter um irmão de nome Ernest vivendo em Londres como pretexto para escapar do tédio de suas obrigações na propriedade rural de Shropshire. Um perfeito “Bunburista”, nas palavras de Algernon, referindo-se a Bunbury, seu irmão igulamente inventado a quem costuma “visitar” a fim de dar também escapulidas menos nobres. Jack está apaixonado pela prima de Algy, Gwendolen Fairfax (Joan Greenwood), que sempre quis casar-se com alguém de nome Ernest. O “Ernest” pretende pedi-la em casamento na presença da tia, a rígida Lady Bracknell (Dame Edith Evans), que submete Jack/Ernest a uma letal audiência que o deixa desconcertado, desaprovando, claro, a aliança, pois Jack não tem pais. Fora achado numa maleta de mão num guarda-volumes da estação Vitória. Lady Bracknell jamais daria consentimento a um casamento onde um dos cônjuges tem como progenitores uma bolsa de mão apenas, “tenha ela alças ou não”. No campo novamente, Algy aproveita a ausência de Jack e visita Cecily fingindo ser Ernest, o misterioso irmão sobre quem Cecily, fascinada, ouvira de Jack todo tipo de histórias. Ernest, ou melhor, Algy pede-a em casamento. Ela aceita imediatamente, pois como diz uma muito sábia Lady Bracknell “noivados longos dão às pessoas a oportunidade de se conhecerem melhor, o que não é nada aconselhável”. Está mais decidida ainda, pois sempre quis casar-se com alguém chamado Ernest. Mas Jack retorna ao campo em roupa de luto, para anunciar a morte do tal irmão Ernest. Arma-se a confusão. Cada mentira segue outra mentira e os personagens vão se complicando em meio a diálogos afiados, alfinetando a excessiva preocupação da classe alta britânica com a aparência, motivo central da peça e do filme, conforme diz Lady Bracknell em determinado momento: “Vivemos numa época de aparências”. Hoje e sempre, claro.
O filme pode parecer tradicional demais, sobretudo em seu desfecho, onde se aprende a importância de ser “Prudente”. No entanto, é o cinismo e a deliciosa soberba britânica dos diálogos que fazem o texto ganhar vida num filme que caminha sempre com um leve ar de superioridade, mas sem afetação, como se os personagens estivessem lá apenas como pretexto para que Wilde himself destilasse sua fina ironia, sem poupar criados, nobres, pastores ou babás. Tudo num esplêndido Technicolor.
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