sexta-feira, dezembro 08, 2006

Olhar Estrangeiro (Brasil, 2006)

Olhar Estrangeiro é o curto documentário em que Lúcia Murat, diretora de Quase Dois Irmãos (2004), busca discutir de forma crítica, como o título indica, a visão do Brasil retratada nos filmes estrangeiros. Olhar estereotipado, conforme demonstram as imagens de mulheres de topless na praia no americano O Feitiço do Rio (Blame it on Rio, 1984), de Stanley Donen, que abre o filme. Ou a macumba carnavalesca sexual de Orquídea Selvagem (Wild Orchid, 1990), de Zalman King. Ou, ainda pior, a lambada protagonizada por índios fake de Lambada – A Dança Proibida (The Forbidden Dance, 1990), filme tão passageiro e esquecível quanto o fenômeno que o “inspirou”. O retrato do Brasil como uma visão do paraíso, pleno de festas, carnaval, mulheres bonitas e bundudas, onde ninguém trabalha e só se diverte, é corroborado por curtos depoimentos de turistas de diferentes nacionalidades que entrecortam o filme. Não há muita novidade no que é apresentado. O recorte dos filmes escolhidos para ilustrar esse ponto de vista também não é lá muito vasto. Muitas das produções mostradas são picaretagens de orçamento baixo, como a já citada Lambada, rodada em menos de um mês para pegar carona na dança que era coqueluche na Europa. E o grande sucesso Anaconda, além de uma produção francesa dos anos 80 que trazia Roberta Close mal-dublada em meio a cenários sempre carnavalescos (pra variar!).

Mas, por outro lado, qual seria a contribuição dos brasileiros na construção desse olhar estereotipado? Qual não seria também a “culpa do Rio” nisso tudo, ao vender-se para o mundo como o paraíso de turismo carnavalesco? Ou ainda de nossas “otoridades” e acadêmicos ao recorrer ao desgastado discurso samba-exaltação para falar do “caráter único do povo brasileiro”? E se esse Brasil fosse um mundo imaginário, uma ilusão criada pelo cinema, arte da ilusão por excelência? Isso tudo não se menciona, ou é brevemente citado em algum relato perdido entre muitos outros. Ainda assim, dos EUA a Suécia, há bons depoimentos, como o do roteirista de Blame it on Rio, que reconhece parte da culpa na construção dos clichês como imposição dos executivos de Hollywood, ou as bem-humoradas declarações de um Michael Caine relaxado, dizendo que se os brasileiros fossem mais feios seriam mais respeitados, pois de onde ele vinha, na Inglaterra, todos eram muito feios e hoje ele é respeitado. E Jon Voight, protagonista de Anaconda, é simpático e respeitoso. Evita cair na insistente conversa da diretora de, por meio de um jogo de palavras, associar “sexo” a topless ou bundas, como seria de se esperar. Brincando, cita apenas Charlton Heston para tudo, a fim de evitar cair no clichê do paraíso sexual.

Se o registro do Brasil nessas películas é superficial, limitado à praia ou à selva com nativos fluentes em espanhol, ou tudo junto, o olhar da brasileira Murat não fica muito distante disso. Mesmo uma honrosa exceção, como a vinda para cá de Orson Welles nos anos 40, que Rogério Sganzerla tão bem retratou em seus filmes, é mencionada brevemente e por meio de fotos ou arquivos de som. E o fenômeno Carmen Miranda, que contribuiu para sedimentar essa visão “brasileira” entre os americanos ao participar de divertidos filmes hollywoodianos dos anos 40, não ganha mais que alguns minutos.

Murat poderia ter ido além do cinema, buscado as formas de representação do país pelo olhar estrangeiro de pintores e fotógrafos que aqui aportaram e também deram sua contribuição para a construção de uma iconografia sobre o Brasil (ou “Brazil” ou “Brésil”). Mas isso deixa para um outro filme. E engraçado que, por recuperar várias produções gringas esquecidas, pode acabar despertando em muita gente, brasileiros inclusive, a curiosidade de assisti-las. Acredito que picaretagens sempre ensinam algo. Que venha então "Turistas"!

1 comentário:

Alê Marucci disse...

Uma pena a diretora ter desperdiçado um argumento tão bom. Tudo superficial demais.
A única graça mesmo deve-se aos bem-humorados depoimentos do Michael Caine.
Beijo.