(XXY, Argentina/Espanha/França, 2007)
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
(Luís Vaz de Camões)
Hermafrodita, Alex (Inés Efron) foi criada como menina pelos pais, que, pouco depois de seu nascimento, para protegê-la, mudam-se da Argentina para uma casa afastada no litoral do Uruguai, onde o pai, Kraken (Ricardo Darín), trabalha como biólogo marinho. Adolescente, Alex toma corticóides para inibir o aparecimento de atributos masculinos, como barba ou o engrossamento da voz. Isso não impede que seja vista como curiosidade “freak” pelos locais, tipos rudes e às vezes violentos. Na praia, seus pais, ainda não decididos a operá-la de vez, recebem a visita de um casal de amigos de Buenos Aires, acompanhado de seu feioso filho de 16 anos, Álvaro (Martín Piroyansky). O pai, Ramiro (German Palacios), é um cirurgião estético renomado e especializado em corrigir deformações físicas. Ou, melhor dizendo, em “normalizar” as pessoas, e aceitou o convite vendo potencial em Alex como um interessante caso clínico. Ela (ou ele), no entanto, refuta em continuar tomando os medicamentos e avança sexualmente sobre o tímido Álvaro, de modo bastante agressivo, masculinizado até. Basta o desejo surgir, ainda mais nessa idade, que os conflitos afloram. Ela entra em conflito com o corpo e com a própria sexualidade, deixando também seu pai, que sempre a viu como uma “criatura” perfeita, tendo-a criada como tal, tão ou mais confuso que ela na hora de decidir se a opera ou não.
Enxuto drama argentino de texturas naturalistas, como bem demonstram suas primeiras imagens captadas no fundo do mar, enfocando evoluções de criaturas marinhas (Alex seria também parte monstro?), além do nome do pai biólogo, “Kraken” (como o polvo gigante de Piratas do Caribe, hehehe), acostumado a classificar espécies aquáticas de acordo com o sexo, cor, etc., conduzido com sobriedade por Lucía Puenzo, filha do cineasta Luiz Puenzo (de A História Oficial), que, epidérmico, evita os malabarismos formais e o moralismo ou o psicologismo rasteiro, além das boas interpretações da andrógina Efron, muito bem como Alex, nunca fragilizando-se ou masculinizando-se em excesso, e do sempre confiável Ricardo Darín (Nove Rainhas, O Filho da Noiva, O Clube da Lua, A Aura), ainda que os outros personagens femininos da trama não sejam tão bem desenvolvidos. Mas não importa, pois, no geral, o filme é bom.
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