sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Onde os Fracos Não Têm Vez

(No Country for Old Men, EUA, 2007)



THAT is no country for old men. The young
In one another's arms, birds in the trees
- Those dying generations - at their song,
(…)
Caught in that sensual music all neglect

Monuments of unageing intellect.

(William Butler Yeats, in Sailing to Byzantium)

O melhor filme dos irmãos Joel e Ethan Coen é também o trabalho mais amargo e pessimista deles. Bressoniano, ainda que mantendo o humor característico de várias obras anteriores da dupla, é uma reflexão seca e sombria sobre a presença do Mal no mundo e a inutilidade dos mais velhos, dos mais éticos, dos mais “fracos” das gerações mais antigas, que morrem pouco a pouco, em combatê-lo, pois, sentindo-se com o correr dos anos abandonados por Deus e vendo-se impotentes diante do surgimento de um novo demônio, tal qual o Mammon bíblico, neste mundo que se torna inexplicavelmente mais e mais violento, retiram-se dele para a companhia apenas de seus fugazes sonhos, conforme enuncia o final, que será frustrante para muitos. Como em L´Argent (1983), Um Plano Simples (1998), O Tesouro de Sierra Madre (1948) e tantos outros, o dinheiro é a abertura por onde o Mal se infiltra entre os homens. Seguindo o romance original de Cormac McCarthy quase que linha por linha, narra a história de um caçador, o bom sujeito e veterano do Vietnã Llewelyn Moss (Josh Brolin, excelente), que, durante uma frustrada caçada a antílopes, por acaso topa no deserto do Texas com um cenário de entrega de drogas que terminou em tiroteio e massacre, com vários corpos espalhados, enorme carregamento de heroína numa caminhonete perfurada a bala e, principalmente, uma maleta com mais de 2 milhões de dólares. Mesmo hesitando, Moss pega o dinheiro, na esperança de proporcionar uma vida melhor para si e para a sua mulher, Carla Jean (Kelly MacDonald). No entanto, por um instante moral que lhe custará caro, retorna ao local e passa a ser perseguido pelos traficantes mexicanos e por um misterioso e implacável assassino, Anton Chigurgh (Javier Bardem, a gaze blank and pitiless as the sun/um olhar vazio e impiedoso como o sol, novamente Yeats), que munido de uma arma de ar comprimido usada em matadouros, possui um código moral muito particular como justificativa para abater as suas vítimas. No meio deles, a caçada a ambos empreendida pelo ético xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones), um herói da Segunda Guerra, o “velho” que a cada dia anda mais perplexo com o estado de violência que toma conta do mundo, ao ver um genuíno anjo do mal empilhando cadáveres, e que, por isso, tenta convencer Moss, pela esposa dele, a se entregar. Mas sem muitas esperanças, pois, de acordo com suas falas no livro de McCarthy, “vive em silêncio o deus que esfregou a terra a seguir com sal e cinza”. Assim, sentindo-se impotente para enfrentar este anjo do mal, já que “pessoas ruins não se pode governar de jeito nenhum”, aposenta-se, e o filme adquire um tom crepuscular nas duas emblemáticas seqüências finais.

Tal como as estepes geladas cobertas de neve de Fargo (1996), aqui outra paisagem inóspita também se descortina e se impõe desde as primeiras tomadas. No caso, a aridez do deserto, materialização da terra devastada dos últimos dias da humanidade, que se anunciam com a chegada da besta psicótica de Chigurgh. Também como em outros trabalhos dos Coen, tipos provincianos, os rednecks, à exceção de Chigurgh, pontuam o filme com seus sotaques caipiras sonoramente característicos, em divertidos diálogos que ocorrem sem a menor pressa, sintonizando-se com a escrita telegráfica e enganosamente simples de McCarthy. E, embora violento como Fargo e Ajuste Final (1990), o filme é menos gráfico em sua violência que o livro, pois a câmera precisamente posicionada do fotógrafo Roger Deakins (O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford) evita os miolos espalhados e os dedos decepados descritos com certa minúcia e freqüência na obra original, algo que encheria de orgulho David Cronenberg. Também, mais concentrados e econômicos, os Coen deixam de lado os maneirismos formais de outros trabalhos, como Arizona Nunca Mais (1987) e A Roda da Fortuna (1994). Assim, com um rigor clássico nos enquadramentos e nos cortes precisos, em seqüências magistrais, como aquela que mostra Moss escondendo o dinheiro no duto de ar do motel ou a sua espera silenciosa por Chigurgh no quarto escuro de um hotel, e quase nenhuma trilha sonora, o filme abre-se tranqüilo para o final anticlimático. Não para um esperado confronto épico típico de faroeste, gênero que encontraria aqui um lamento para sua despedida, na narração de um enigmático sonho do agora ex-xerife Bell, cujo olhar de desalento na última cena é também síntese desse desencanto com a violência e o terror que regem o mundo, onde o Mal parece ter se incorporado de vez aos homens. Sonho que, junto com a bestialidade psicótica de Chigurgh, não deixa de ser o prenúncio do Apocalipse, materializado no romance seguinte de McCarthy, o emocionante A Estrada (2007).

14 comentários:

iglou disse...

Obrigada pela resenha. Agora o filme me parece menos enigmático.

Alex Gonçalves disse...

David, tentarei ver sem falta neste final de semana, onde não terei nenhum compromisso inadiável. Não conheço a fundo a filmografia dos Coen, mas parece expressivo que este “Onde Os Fracos Não Têm Vez” é a produção que marca o seu retorno a habilidade passada e, ao mesmo tempo, a que os eleva a um patamar bem distante daquelas comédias insossas realizadas recentemente pela dupla. Lendo a sua sinopse, parece mesmo inevitável a comparação com o drama de Sam Raimi, “Um Plano Simples”. Só espero que o desfecho, dado como decepcionante, não seja tão desastroso como a do filme do diretor por trás de “Homem-Aranha”.

Marcelo V. disse...

David, interessante como seu blog e o do Alpendre estão "rimando": não só pelo memso template, mas porque vocês costumam falar dos mesmos filmes e colocar a mesma foto.

Lorde David disse...

E aí, Alex, conseguiu assistir? E essa comparação com Um Plano Simples tendo sido bastante freqüente, até porque os Coen começaram trabalhando como assistentes de Sam Raimi. Um abraço.

Oi, Lou. Que bom, achei que a resenha tivesse ficado enigmática também, hehehe. Um beijo.

Marcelo, quanto à repetição de temas é porque os filmes em cartaz são os mesmos e alguns são incontornáveis, até a coluna do Coli da semana que vem e a do pretensioso Daniel Piza (na Bola) deste domingo tratam do mesmo assunto. Quanto ao template, desde que abri este blog, em 2006, venho mantendo o mesmo. E não creio que o Sérgio, que modificou o template dele há pouco, leia o meu blog. Um abraço.

Alex Gonçalves disse...

David, infelizmente perdi a oportunidade de ver, já que surgiu diversas pendências para serem resolvidas no fim de semana. Mas consegui ao menos pegar a pré-estréia de "Juno". Gostei, mas deve ficar na última posição dentre a relação de finalistas ao Oscar de melhor filme. Tentarei ver os quatro restantes para definir o primeiro lugar.

Lorde David disse...

Juno também deve nas últimas posições na preferência pelo Oscar, já que vi Sangue Negro e é impressionante. Um abraço.

Anónimo disse...

Sai torto, xingando e pedindo por minha mãe no final da sessão...

Anónimo disse...

Ah sim, isso é um elogio.

Lorde David disse...

Cuidado com os xingamentos, Daniel. Lembre-se que o Chigurgh ainda tá solto por aí anunciando o final dos tempos com a sua arma de pressão, hehehe.

Anónimo disse...

Mas os xingamentos não foram para o Chigurgh q tá sensacional e sim para os irmãos COEN. Como eles fazem um final tão foda e amargo como aquele?? E ainda mais em um cinemark da vida?? hehehe.

Mas vc está certíssimo. Chigurgh significa o fim dos tempos, e pode ter certeza vai ser um personagem q vai voltar as telas. Seja pelos COEN ou não. Aliás, ele o STORMARE em FARGO poderiam ser irmãos.

Lorde David disse...

Mas aí é o autor da estória original, Cormac McCarthy, que você tem que xingar, hehehe. Os Coen foram bastante corajosos em seguir a narrativa até o final, sem concessões. Quanto ao apocalipse, como já falei aqui, ele se revela na obra seguinte de McCarthy, The Road, que está sendo filmada pelo mesmo diretor de A Proposta, John Hillcoat e com o Viggo Mortensen no papel principal. Eu curto o Apocalipse. Espero que venha logo. O filme, está claro, hehehe.

Anónimo disse...

Tb quero deixar claro q eu ADOREI o final. mas ao mesmo tempo eu senti a dor das pessoas q pagaram 12 paus apenas para verem uma trama rápida, com começo, meio e fim e o vilão tomando o q merecia, entende?? hehehhe. Fiquei com medo de se quer pensar que o final era absolutamente genial perto daquelas pessoas. Tentar discutir aquela expressão desolada do LEE JONES naquele monólogo arrepiante antes do fade out e os créditos finais seria no minimo um ato suicida da minha parte, e não posso deixar de entender o lado deles e seus motivos. heheheheh.

Anónimo disse...

E é incrível q os COEN tenham adaptado esse filme, pq parece q no mínimo o autor escreveu esse livro pensando neles de tantas semelhanças e sintonia que os três têm em relação a construção de enredo, personagens, falas, humor, etc. Aquela cena q o TOMMY LEE JONES tá chegando no hotel e vc vê pelo ponto de vista dele os traficantes mexicanos fugingo com pressa no carro, e acompanha, ainda no ponto de vista do LEE JONES, ele vendo o JOSH BROLIN caído morto junto com a mulher da piscina, é algo do livro tb ou isso foi típicamente COEN? E digo a forma de abordagem, claro. Se no livro estamos acompanhando essa cena pelo olhos do xerife ou ela acontece mais detalhadamente como se nos informa-se que estivesse acontecesse na hora e DEPOIS o xerife chega? Pq se for da primeira forma, é COEN até a médula! Principalmente vendo os mexicanos de longe, quase como sombras, atrapalhados para subir no jipe e tal.

Lorde David disse...

Os Coen dão mais enfase no humor, que existe no livro, onde o tom é predominantemente mais amargo e pessimista. Mas de fato parece que existe mesmo uma simbiose entre a obra de McCarthy e a dos Coen.