(No Country for Old Men, EUA, 2007)
THAT is no country for old men. The young
In one another's arms, birds in the trees
- Those dying generations - at their song,
(…)
Caught in that sensual music all neglect
Monuments of unageing intellect.
(William Butler Yeats, in Sailing to Byzantium)
O melhor filme dos irmãos Joel e Ethan Coen é também o trabalho mais amargo e pessimista deles. Bressoniano, ainda que mantendo o humor característico de várias obras anteriores da dupla, é uma reflexão seca e sombria sobre a presença do Mal no mundo e a inutilidade dos mais velhos, dos mais éticos, dos mais “fracos” das gerações mais antigas, que morrem pouco a pouco, em combatê-lo, pois, sentindo-se com o correr dos anos abandonados por Deus e vendo-se impotentes diante do surgimento de um novo demônio, tal qual o Mammon bíblico, neste mundo que se torna inexplicavelmente mais e mais violento, retiram-se dele para a companhia apenas de seus fugazes sonhos, conforme enuncia o final, que será frustrante para muitos. Como em L´Argent (1983), Um Plano Simples (1998), O Tesouro de Sierra Madre (1948) e tantos outros, o dinheiro é a abertura por onde o Mal se infiltra entre os homens. Seguindo o romance original de Cormac McCarthy quase que linha por linha, narra a história de um caçador, o bom sujeito e veterano do Vietnã Llewelyn Moss (Josh Brolin, excelente), que, durante uma frustrada caçada a antílopes, por acaso topa no deserto do Texas com um cenário de entrega de drogas que terminou em tiroteio e massacre, com vários corpos espalhados, enorme carregamento de heroína numa caminhonete perfurada a bala e, principalmente, uma maleta com mais de 2 milhões de dólares. Mesmo hesitando, Moss pega o dinheiro, na esperança de proporcionar uma vida melhor para si e para a sua mulher, Carla Jean (Kelly MacDonald). No entanto, por um instante moral que lhe custará caro, retorna ao local e passa a ser perseguido pelos traficantes mexicanos e por um misterioso e implacável assassino, Anton Chigurgh (Javier Bardem, a gaze blank and pitiless as the sun/um olhar vazio e impiedoso como o sol, novamente Yeats), que munido de uma arma de ar comprimido usada em matadouros, possui um código moral muito particular como justificativa para abater as suas vítimas. No meio deles, a caçada a ambos empreendida pelo ético xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones), um herói da Segunda Guerra, o “velho” que a cada dia anda mais perplexo com o estado de violência que toma conta do mundo, ao ver um genuíno anjo do mal empilhando cadáveres, e que, por isso, tenta convencer Moss, pela esposa dele, a se entregar. Mas sem muitas esperanças, pois, de acordo com suas falas no livro de McCarthy, “vive em silêncio o deus que esfregou a terra a seguir com sal e cinza”. Assim, sentindo-se impotente para enfrentar este anjo do mal, já que “pessoas ruins não se pode governar de jeito nenhum”, aposenta-se, e o filme adquire um tom crepuscular nas duas emblemáticas seqüências finais.
Tal como as estepes geladas cobertas de neve de Fargo (1996), aqui outra paisagem inóspita também se descortina e se impõe desde as primeiras tomadas. No caso, a aridez do deserto, materialização da terra devastada dos últimos dias da humanidade, que se anunciam com a chegada da besta psicótica de Chigurgh. Também como em outros trabalhos dos Coen, tipos provincianos, os rednecks, à exceção de Chigurgh, pontuam o filme com seus sotaques caipiras sonoramente característicos, em divertidos diálogos que ocorrem sem a menor pressa, sintonizando-se com a escrita telegráfica e enganosamente simples de McCarthy. E, embora violento como Fargo e Ajuste Final (1990), o filme é menos gráfico em sua violência que o livro, pois a câmera precisamente posicionada do fotógrafo Roger Deakins (O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford) evita os miolos espalhados e os dedos decepados descritos com certa minúcia e freqüência na obra original, algo que encheria de orgulho David Cronenberg. Também, mais concentrados e econômicos, os Coen deixam de lado os maneirismos formais de outros trabalhos, como Arizona Nunca Mais (1987) e A Roda da Fortuna (1994). Assim, com um rigor clássico nos enquadramentos e nos cortes precisos, em seqüências magistrais, como aquela que mostra Moss escondendo o dinheiro no duto de ar do motel ou a sua espera silenciosa por Chigurgh no quarto escuro de um hotel, e quase nenhuma trilha sonora, o filme abre-se tranqüilo para o final anticlimático. Não para um esperado confronto épico típico de faroeste, gênero que encontraria aqui um lamento para sua despedida, na narração de um enigmático sonho do agora ex-xerife Bell, cujo olhar de desalento na última cena é também síntese desse desencanto com a violência e o terror que regem o mundo, onde o Mal parece ter se incorporado de vez aos homens. Sonho que, junto com a bestialidade psicótica de Chigurgh, não deixa de ser o prenúncio do Apocalipse, materializado no romance seguinte de McCarthy, o emocionante A Estrada (2007).
14 comentários:
Obrigada pela resenha. Agora o filme me parece menos enigmático.
David, tentarei ver sem falta neste final de semana, onde não terei nenhum compromisso inadiável. Não conheço a fundo a filmografia dos Coen, mas parece expressivo que este “Onde Os Fracos Não Têm Vez” é a produção que marca o seu retorno a habilidade passada e, ao mesmo tempo, a que os eleva a um patamar bem distante daquelas comédias insossas realizadas recentemente pela dupla. Lendo a sua sinopse, parece mesmo inevitável a comparação com o drama de Sam Raimi, “Um Plano Simples”. Só espero que o desfecho, dado como decepcionante, não seja tão desastroso como a do filme do diretor por trás de “Homem-Aranha”.
David, interessante como seu blog e o do Alpendre estão "rimando": não só pelo memso template, mas porque vocês costumam falar dos mesmos filmes e colocar a mesma foto.
E aí, Alex, conseguiu assistir? E essa comparação com Um Plano Simples tendo sido bastante freqüente, até porque os Coen começaram trabalhando como assistentes de Sam Raimi. Um abraço.
Oi, Lou. Que bom, achei que a resenha tivesse ficado enigmática também, hehehe. Um beijo.
Marcelo, quanto à repetição de temas é porque os filmes em cartaz são os mesmos e alguns são incontornáveis, até a coluna do Coli da semana que vem e a do pretensioso Daniel Piza (na Bola) deste domingo tratam do mesmo assunto. Quanto ao template, desde que abri este blog, em 2006, venho mantendo o mesmo. E não creio que o Sérgio, que modificou o template dele há pouco, leia o meu blog. Um abraço.
David, infelizmente perdi a oportunidade de ver, já que surgiu diversas pendências para serem resolvidas no fim de semana. Mas consegui ao menos pegar a pré-estréia de "Juno". Gostei, mas deve ficar na última posição dentre a relação de finalistas ao Oscar de melhor filme. Tentarei ver os quatro restantes para definir o primeiro lugar.
Juno também deve nas últimas posições na preferência pelo Oscar, já que vi Sangue Negro e é impressionante. Um abraço.
Sai torto, xingando e pedindo por minha mãe no final da sessão...
Ah sim, isso é um elogio.
Cuidado com os xingamentos, Daniel. Lembre-se que o Chigurgh ainda tá solto por aí anunciando o final dos tempos com a sua arma de pressão, hehehe.
Mas os xingamentos não foram para o Chigurgh q tá sensacional e sim para os irmãos COEN. Como eles fazem um final tão foda e amargo como aquele?? E ainda mais em um cinemark da vida?? hehehe.
Mas vc está certíssimo. Chigurgh significa o fim dos tempos, e pode ter certeza vai ser um personagem q vai voltar as telas. Seja pelos COEN ou não. Aliás, ele o STORMARE em FARGO poderiam ser irmãos.
Mas aí é o autor da estória original, Cormac McCarthy, que você tem que xingar, hehehe. Os Coen foram bastante corajosos em seguir a narrativa até o final, sem concessões. Quanto ao apocalipse, como já falei aqui, ele se revela na obra seguinte de McCarthy, The Road, que está sendo filmada pelo mesmo diretor de A Proposta, John Hillcoat e com o Viggo Mortensen no papel principal. Eu curto o Apocalipse. Espero que venha logo. O filme, está claro, hehehe.
Tb quero deixar claro q eu ADOREI o final. mas ao mesmo tempo eu senti a dor das pessoas q pagaram 12 paus apenas para verem uma trama rápida, com começo, meio e fim e o vilão tomando o q merecia, entende?? hehehhe. Fiquei com medo de se quer pensar que o final era absolutamente genial perto daquelas pessoas. Tentar discutir aquela expressão desolada do LEE JONES naquele monólogo arrepiante antes do fade out e os créditos finais seria no minimo um ato suicida da minha parte, e não posso deixar de entender o lado deles e seus motivos. heheheheh.
E é incrível q os COEN tenham adaptado esse filme, pq parece q no mínimo o autor escreveu esse livro pensando neles de tantas semelhanças e sintonia que os três têm em relação a construção de enredo, personagens, falas, humor, etc. Aquela cena q o TOMMY LEE JONES tá chegando no hotel e vc vê pelo ponto de vista dele os traficantes mexicanos fugingo com pressa no carro, e acompanha, ainda no ponto de vista do LEE JONES, ele vendo o JOSH BROLIN caído morto junto com a mulher da piscina, é algo do livro tb ou isso foi típicamente COEN? E digo a forma de abordagem, claro. Se no livro estamos acompanhando essa cena pelo olhos do xerife ou ela acontece mais detalhadamente como se nos informa-se que estivesse acontecesse na hora e DEPOIS o xerife chega? Pq se for da primeira forma, é COEN até a médula! Principalmente vendo os mexicanos de longe, quase como sombras, atrapalhados para subir no jipe e tal.
Os Coen dão mais enfase no humor, que existe no livro, onde o tom é predominantemente mais amargo e pessimista. Mas de fato parece que existe mesmo uma simbiose entre a obra de McCarthy e a dos Coen.
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