(4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile, Romênia, 2007)
Logo no começo, um aquário ao lado de um relógio é filmado num quarto de duas estudantes universitárias, num alojamento estudantil onde reina o mercado negro e a absoluta falta de privacidade. Aquário que é a precisa metáfora visual deste sufocante drama romeno, que registra num tom demonstrativo, apenas observando de fora, em tempo real, a dura jornada de Otilia (Anamaria Marinca) para ajudar sua amiga e colega de quarto um tanto passiva, Gabita (Laura Vasiliu), a realizar um aborto ilegal numa cidade no interior da Romênia no final dos anos 80, com o regime comunista do tirano Nicolae Ceauşescu já nos estertores. No trajeto de Otilia para conseguir o dinheiro que falta, arrumar cigarros e sabonetes contrabandeados, reservar o quarto de hotel, despistar dedos-duros, levar o médico ao local, aceitar as condições do desagradável “doutor”, dar um merecido pé na bunda do esnobe namorado, que se acha superior por vir de uma família de técnicos e burocratas muito bem relacionados com o partido, e enfim tornar às ruas para se livrar do feto expelido, numa seqüência de escuridão assustadora, uma radiografia crua, em detalhes cotidianos e pequenas conversas cujos assuntos se repetem, de um regime em frangalhos e que se dizia igualitário, mas que, como todo regime totalitário que jaz decadente, força muitos de seus cidadãos a se rebaixarem da forma mais abjeta possível, tornando-os objetos de todo tipo de negociação, sem direito sequer à privacidade, como um aquário constantemente observado, ou melhor, “vigiado”, em enquadramentos predominantemente estáticos, austeros e rigorosos, onde muitas vezes o que importa de fato é o que fica fora da cena. Ou seja, o que não é filmado, contribuindo para a tensão gradativa que é tecida ao longo deste belo e concentrado trabalho do diretor Cristian Mungiu, em filme merecidamente premiado com a Palma de Ouro no último Festival de Cannes. Destaque ainda para o rosto angustiado de Otilia, especialmente na cena em que se vê obrigada a jantar na casa da família do namorado enquanto longe dali sua amiga convalesce no quarto de hotel. Apesar da alegria familiar, tudo ao redor para ela é bastante incômodo. E para o espectador fora desse aquário, também.
2 comentários:
Muito interessante esse viés do aquário! Vi esse filme hoje...
E acho que final reforça esse aspecto ainda mais, André, com as duas no restaurante e luzes de carro sendo refletidas numa vidraça diante delas, que parecem estar sendo observadas. É um filme bastante duro também. Um abraço.
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