
Navegar é preciso. Para viver, é preciso navegar. Depois dos portugueses descobridores de rotas, é a razão de ser da família Schürmann, desde uma visita ao Caribe há muitos anos, quando decidiram navegar pela primeira vez. E é precisando navegar novamente que, em 1997, os Schürmanns embarcam em uma grande viagem ao redor do mundo, a segunda e com novos tripulantes, agora refazendo a lendária rota de circunavegação do globo de Fernão de Magalhães, contornando a Patagônia, navegando rumo ao Pacífico. Ou melhor, velejando, ainda que o veleiro seja equipado com um motor. Pois o que era incerto no passado, hoje se demonstra que navegar é de fato algo bem mais preciso, com GPS, motor a combustão, computador de bordo e bússola eletrônica, toda essa parafernália embarcada. Ainda assim, uma aventura dessas guarda seus encantos e seus perigos, sobretudo nas tempestades e nos piratas, que atacam de surpresa no Pacífico. De quebra, a possibilidade de conhecer diferentes culturas espalhadas pelas ilhas da Polinésia, neste documentário convencional, com a narração um tanto ensaiada e invasiva do próprio casal de velejadores, que são, porém, bastante simpáticos, e esplêndidas imagens captadas durante quase três anos pela equipe de filmagem comandada pelo filho do casal, David Schürmann, que também assina a direção. Mesmo um tanto chapa-branca, ao contrário de Extremo Sul (2005), por exemplo, que mostrava às claras os desentendimentos e medos entre os participantes de uma escalada que deu errado na Terra do Fogo, acompanha-se aqui com interesse a trajetória do veleiro Aysso (“formoso”, em tupi-guarani), ao mesmo tempo em que é narrada num sotaque italianado não muito feliz, e ilustrada por meio de desenhos e animações, a viagem original do português Magalhães no século XVI, bem mais perigosa e desesperadora, feita às escuras, por uma rota totalmente desconhecida, comandando uma desconfiada (e prestes a se amotinar) tripulação espanhola, além da precariedade das embarcações da época, que partiam rumo ao incerto. Ou melhor, rumo às Índias.
Bom, mas acho que ficou faltando ainda, para apimentar e criar mais dramaticidade, o registro de algumas briguinhas familiares, pois numa viagem longa como essa, realizada em condições de extremo confinamento e meses a sós no mar, é natural que conflitos assim surjam de vez em quando, ainda mais pelo fato de os tripulantes estarem todos, e o tempo todo, em família, fonte de qualquer desavença, sempre. Pena que o filme explore este lado tão pouco, mencionando-o brevemente em apenas dois momentos, a fim de não perder muito o foco de seus dois eixos narrativos principais: o turístico-aventureiro e o histórico com tintas didáticas. Um trabalho interessante, apesar do final ufanista, com a chegada em Porto Seguro, num filme que se pretende familiar, acima de tudo, e é bem-sucedido neste aspecto.