quinta-feira, maio 03, 2007

Calvário

(Calvaire, Bélgica/França/Luxemburgo, 2004)



Um lugar onde homens dançam com homens, num louco frenesi. E sodomizam porcos. E vestem a vitima masculina de mulher. E a sodomizam também. E a crucificam num celeiro. E a caçam pelo pântano, armados de espingardas. Em cores vermelhas, emolduradas por chamas, névoas, construindo esplêndidas composições visuais em CinemaScope, e diálogos que se reduzem a piadas requentadas, gemidos, gritos e guinchos de porcos vindos da boca dos próprios homens, numa explícita alusão a Deliverance – Amargo Pesadelo (1972), enunciando os desejos bestiais que irrompem violentamente, nasce Calvário, de Fabrice Du Welz. Aqui, um cantor de quinta, Marc Stevens (Laurent Lucas), segue a sua melancólica rotina apresentando-se em asilos e casas de repouso durante as celebrações natalinas para uma platéia de idosas solitárias, como Madame Langhoff (Brigitte Lahaie), e enfermeiras ultracarentes, como Mademoiselle Vicky (Gigi Coursigny). No caminho para outro trabalho, na Bélgica, perde-se no nevoeiro e na chuva e, com o carro quebrado, vai parar numa hospedaria (alusão à Psicose, 1960), que há muito não recebe visitantes, administrada pelo inicialmente solícito Monsieur Paul Bartel (Jackie Berroyer), que também se diz artista e que venera obsessivamente a memória da esposa Glória, que o abandonou. Simpatiza-se com Marc, a ponto de não deixá-lo mais sair do local. Sabotará de vez o carro dele. E o transformará numa “substituta” de Glória, raspando seu cabelo, trajando-o com um vestido, amarrando-o e até o crucificando. Tentará fugir. Será recapturado. Atrairá, no entanto, a atenção dos pervertidos locais, que também o perseguirão pelo bosque na anticlimática seqüência final. Antes, uma sublime cena de tiroteio, com ecos de Sob o Domínio do Medo (1971), O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Quadrilha de Sádicos (1977), um clima onírico tornado pesadelo, doentio, atmosférico, atraindo o olhar para as chamas e para as penumbras, para a brancura da paisagem, para os olhares desesperados e carentes, e um belo plano-seqüência da câmera entrando pelo pára-brisa da van de Marc levam-nos também à triste conclusão de que os belgas rurais são talvez um dos povos mais pervertidos, infelizes e brutais de toda a Europa Ocidental. Inquietante, no mínimo, porque fincado na realidade dos monstros humanos, sem fantasmas, sem explicações psicológicas e bem evocativo do terror dos anos 70.

4 comentários:

Ailton Monteiro disse...

Ler o teu texto até aumentou o meu sentimento pelo filme, que não foi tão forte assim. Acho que o meu lado perverso queria ver o sujeito sofrer mais, mais cenas explícita de crucificação.... Eu sou mau..heheh

Lorde David disse...

Não é mau, não. O sujeito até que merecia, mas o sofrimento foi até bastante cruel. Só não foi tão graficamente mostrado como pedem alguns olhares, mesno assim me perturbou.

Alê Marucci disse...

Já me arrependi de ter perdido. :(
Beijo.

Lorde David disse...

Pois é, Alê. Acho que você iria gostar, apesar da tortura inflingida ao protagonista. E aos animais também. Um beijo.