(Atonement, Reino Unido/França, 2007)
Apesar da temática trágica, um grande filme para este grande, enorme, magnífico, gigantesco, glorioso dia sob o céu de York, levando para longe o inverno e as nuvens carregadas de nosso descontentamento cotidiano. Ao menos, por um dia. Espero. Baseado em romance prestigioso de Ian McEwan (que também é produtor-executivo, reforçando a fidelidade à sua obra original), finalista do Booker Prize, Nobel, etc., numa ambientação precisa, mas sem ceder aos exageros comuns a muitos dramas de época, como o apego excessivo aos detalhes, figurinos, talheres, porcelanas, etc., o diretor Joe Wright (do excelente Orgulho e Preconceito, 2005) consegue aqui o raro equilíbrio entre o rigor detalhista da produção de época e o intimismo dos melhores e mais sofisticados dramas literários de James Ivory, como Retorno a Howards End (1992) e Vestígios do Dia (1993). Com uma câmera fluente, em justos travellings, da mesma maneira que em Orgulho e Preconceito, no início, passeia elegantemente pela propriedade do casarão inglês campestre onde Briony Tallis (Saorsi Ronan), a imaginativa irmã mais nova de Cecilia (Keira Knightley), está terminando de escrever a sua mais recente peça de teatro, que encenará na aristocrática reunião familiar, com ensaios marcados e tudo com os primos e coleguinhas. O período antecede a segunda grande guerra. Ou seja, tensão no ar, especialmente a sexual. E a chegada dos familiares e amigos a casa, bem como a presença do menos abastado filho da governanta, o universitário Robbie (James McAvoy), por quem Briony sempre nutriu certa afeição, apesar de ele ser apaixonado desde a infância por Cecilia, só a acirra. Numa noite, Briony flagra Cecilia com Robbie num enlace amoroso e, depois, num incidente envolvendo suposto abuso de uma das primas, Robbie, o mais pobre, num mal-entendido, leva a culpa por conta de Briony, que, alimentada por outros mal-entendidos e por sua imaginação pra lá de fértil, devotada ao drama, acaba acusando-o injustamente, o que vai custar caro para ambos. E também para Cecilia. E, pior, muito mais difícil de ser reparado naquela sociedade inglesa de classes sociais fortemente marcadas e de desejos ocultos em choque com uma moral ainda muito repressora. Com a eclosão da guerra, Robbie, separado de Cecilia, agora enfermeira, para não ser preso, vai para o front, mas como simples soldado, sem patente. E Briony, culpada, passará o resto da vida tentando corrigir a injustiça. Primeiro, como enfermeira (agora interpretada por Romola Garai), assistindo os inúmeros feridos, depois como escritora.
A escrita jamesiana de McEwan, ora delicada, ora de texturas sombrias, ora um tanto empolada, mas sempre fluente, ganha tradução plena e enxuta graças ao excelente roteiro de Christopher Hampton (Ligações Perigosas, 1988, Carrington, 1995), em momentos como no soberbo plano-seqüência da retirada das tropas de Dunquerque do ponto de vista de Robbie e seus colegas soldados no meio de toda a devastação da guerra, evitando, no entanto, a barulheira das batalhas, concentrando-se mais em seus efeitos. Outros, como na ensolarada primeira parte, que envolve os flertes entre Cecilia e Robbie e toda a tensão sexual latente entre eles, são reencenados sob diferentes ângulos e pontos de vista, além dos furtivamente presenciados por Briony. Mas nenhuma cena, por mais simples que seja em sua enunciação, é mais devastadora que a da reviravolta final, agora a cargo de Vanessa Redgrave como a Briony madura que, ao fazer a tardia reparação, finalmente sela o destino de todos. Dela, de Vanessa, não é preciso dizer muita coisa. É brilhante, como sempre. Mas é o elenco jovem que se destaca, sobretudo McAvoy e Ronan, como a menina inteligente, precoce, que, no entanto, não consegue articular a sua frustração, que vira raiva, depois culpa, neste filme envolvente, quase silencioso, conduzido serenamente por Wright, que nunca escorrega para as facilidades do melodrama. E que muito menos é friamente calculado ou “acadêmico”, como insistirão alguns, correndo-se o risco de cometer outra injustiça com este belo trabalho, além daquela que perdura por décadas na trama.
2 comentários:
Eu ainda não vi "Desejo e Reparação", mas, ainda assim, Desejo a você um aniversário para lá de bom!! Muitas felicidades e muitos anos de vida!! É pique, é pique... Beijinhos
Grazie, irmãzinha. Espero que o próximo ano seja só de desejo e não de reparação como no filme, hehehe. Olha eu sendo dramático bem neste dia, só pra variar, hehehe. Um beijão.
Enviar um comentário