domingo, abril 06, 2008

A Grande Ilusão

(La Grand Illusion/ The Grand Illusion, França, 1937)



Durante a Primeira Grande Guerra Mundial, um avião francês é abatido por alemães. Os sobreviventes, o nobre capitão De Boeldieu (Pierre Fresnay) e o tenente da classe operária Maréchal (Jean Gabin) vão parar no campo de prisioneiros dirigido pelo aristocrático comandante Von Rauffenstein (Erich Von Stronheim, um dos grandes atores e diretores advindo da Era Muda), protótipo do refinado militar prussiano, que logo na chegada os convida para jantar em seus aposentos, simpatizando-se sobretudo com De Boeldieu, pertencente ao mesmo estamento da nobreza que ele, apesar da beligerante rivalidade entre as nacionalidades. Mas guerra é guerra, e os dois franceses, mais outro prisioneiro que conhecem nos alojamentos, o judeu e rico banqueiro Rosenthal (Marcel Dalio), armam planos para fugir dali, primeiro cavando um túnel, depois tentando armar para cima dos guardas. Enquanto isso, as diferenças de classe mais aproximam que separam soldados franceses dos inimigos soldados alemãos, e aristocratas alemães e franceses, além dos russos e ingleses, confinados no mesmo local, honram suas origens, bebendo juntos, mesmo sabendo que a extinção da nobreza e de seus refinados valores de civilidade está mais do que certa com a iminente ascensão da classe operária ao final do conflito, "pois quem quer que vença a guerra, será o fim dos Rauffensteins e dos Boeldieus", prenuncia o comandante alemão, com o corpo bastante marcado pelas infelicidades do conflito. Mas o filme é mais do que isso. Com a guerra, as diferenças sociais se exacerbam em acaloradas discussões ou se harmonizam dentro do campo, demonstrando que fronteiras e conceitos de patriotismo não passam de noções fabricadas que terminam por separar os iguais dos diferentes e que, ao compartilharem da mesma humanidade, do gosto pelas mulheres, pelo vinho, pelo teatro, pela música, embora se comuniquem em idiomas diferentes, esses homens todos, sob o olhar marcante de Jean Gabin ou sob o rosto resignado e marcado de Von Stronheim, acabam não sendo assim tão diferentes entre si.

De estrutura episódica, com uso pioneiro da profundidade de campo, uma constante, embora discreta e muito elegante movimentação de câmera, que serve formalmente para estabelecer relações entre os prisioneiros, aproximando indivíduos, unindo-os, alternando momentos pungentes com outros bem-humorados, uma obra-prima indiscutível do mestre do realismo poético Jean Renoir e um dos grandes filmes de todos os tempos, transpirando genuíno humanismo e pacifismo em cada uma das suas memoráveis seqüências, como a da apresentação do improvisado teatro de atores "travestidos" para os prisioneiros ou as conversas amigáveis entre os "camaradas" inimigos militares De Boeldieu e Von Rauffenstein, além da fuga pelas montanhas até a fronteira da Suíça, em que os franceses fugitivos são recebidos por uma resignada viúva alemã que já não acredita mais nessas noções abstratas de nacionalismo, após ter perdido quase toda a família nas maiores vitórias de seus compatriotas militares.

No final, a "grande ilusão" do título é aquela em que muitos acreditaram de que essa guerra, que "iria pôr fim a todas as guerras", não iria durar tanto assim, neste belo filme feito às vésperas de outra grande guerra, proibido e quase destruído pela Alemanha nazista, que se fecha com uma poética e inesquecível imagem da brancura da neve numa paisagem de montanhas, praticamente indiferenciando a Suíca da Alemanha, já que "a natureza não dá a mínima para fronteiras, meras invenções dos homens", conforme fala emblemática do pragmático sobrevivente Rosenthal.

4 comentários:

Ailton Monteiro disse...

Só vi apenas um filme do Renoir em toda minha vida: A MARSELHESA. Preciso ver pelo menos esse A GRANDE ILUSÃO e A REGRA DO JOGO, os mais conhecidos dele.

Lorde David disse...

A Grande Ilusão e A Regra do Jogo consegui ver no cinema. Vale ver também A Besta Humana, O Rio Sagrado, Um Dia no Campo (que é curtinho, um pouco mais de uma hora) e A Carruagem de Ouro, filme cujo DVD recém-lançado quero comprar.

André Renato disse...

Realmente! Obra-Prima! Um filme belo, singelo e muito gostoso de ver!

Lorde David disse...

E o engraçado é que o personagem de Jean Gabin, grande ídolo na época, é quase secundário. Renoir, fazendo valer seu humanismo, dá mais destaque aos vários tipos que habitam confinados no campo, especialmente na relação entre Stronheim e Fresnay.