quinta-feira, abril 10, 2008

O Sol

(Solntse, Rússia/Itália/Suíça/França, 2005)



Filme visto há quase dois anos na Mostra de Cinema de São Paulo, na sempre muito agradável companhia da recém-conhecida Alê Marucci (saudades, Alê!), mas ainda bastante fresco na memória, em que o diretor russo Aleksandr Sokurov busca mais uma vez dar volume e densidade a figuras históricas, sem enaltecê-las de maneira patética, desmistificando-as, mantendo-as, porém, envoltas numa aura de densa e misteriosa melancolia.

Depois do Hitler de Moloch (1999) e do Lênin de Taurus (2001), agora é a vez do imperador japonês Hiroito (o Sol do título), recolhido nos subterrâneos de seu palácio às vésperas da rendição japonesa, dando fim à Segunda Guerra Mundial. Tóquio em chamas sob os incessantes bombardeios dos americanos, e o imperador, aficcionado por biologia marinha, preocupa-se somente em observar os peixes no aquário, no interior de seu bunker, com um olhar de peixe morto, com a boca que se move como a do peixe do aquário, sem emitir sons. O país é enfim rendido, e diante do então chefe da ocupação, o general MacArthur, toda a ritualística do imperador, outrora expressa nos mínimos gestos cheios de significados divinos para os japoneses, se esvazia e importa pouco para os ocidentalizados e pragmáticos yankees, que o chamam de Charlie, por acharem que ele se parece com Charles Chaplin. Com os privilégios revogados, Heroito renuncia a sua condição divina para permanecer Imperador, e também renega a tradição milenar guerreira e militarista do Japão, anunciando uma inédita era de paz a seus súditos.

Um choque de culturas decorrente de uma nova realidade para o humilhado imperador, para os japoneses e também para os americanos de pouco tato, que rende também alguns bons momentos de humor, coisa rara nos trabalhos anteriores de Sokurov, neste belo filme que se desenrola lento, contemplativo, quase estático, banhado numa sublime fotografia difusa, de cores mínimas, e que tem na interpretação de Issei Ogata, recriando com perfeição os mínimos gestos e tiques do imperador um tanto perplexo, outro tanto alienado diante dos novos tempos, um de seus maiores e mais significativos triunfos.

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