(My Blueberry Nights, Hong Kong/China/França, 2007)

Com a surpreendente colaboração no roteiro do romancista de livros policiais Lawrence Block (O Ladrão que Estudava Espinosa, Cidade Pequena, Hit Parade), um dos meus escritores de "thriller de aeroporto" favoritos, o chinês Wong Kar-Wai (Dias Selvagens, Amor à Flor da Pele) dirige seu primeiro filme de língua inglesa, no entanto, não sendo este Um Beijo Roubado muito diferente daqueles que o celebrizaram em Hong Kong, marcado aqui também pelo uso ostensivo da câmera lenta, pelo demorado abrir e fechar de portas, embalado por uma trilha sonora nostálgica e melancólica e povoado por tipos solitários, em meio a vitrines embaçadas, suspensos no tempo das imagens que se sobrepõem, sofrendo nas noites de bebedeira ou de insônia as dores dos amores fraturados. Em seus filmes, de relações que se estabelecem ao acaso, o amor começa de repente, acaba de repente, sem explicação, e é uma lembrança dolorosa, que assombra seus protagonistas. Aqui não é diferente, só trocando o aperto dos apartamentos e as ruas tortuosas de Hong Kong pela vastidão das paisagens desérticas da América. Os sentimentos de abandono permanecem os mesmos, porém. Logo no começo, uma imagem comum a outros de seus filmes: um trem no elevado, símbolo dos amores expressos e desencontrados, atravessa a cena noturna, cruzando a cidade, no caso Nova Iorque, onde Elizabeth (a cantora Norah Jones, muito bem), à procura do namorado com quem acabara de romper, conhece Jeremy (Judy Law, ainda que bom ator, muito metrossexual para o papel que seria mais adequado a tipos mais duros e sofridos, como os de Tony Leung ou Andy Lau dos filmes chineses), que dirige um café e também foi deixado por sua namorada russa. A cada noite de insônia, Elizabeth reaparece para bater papo com ele, saboreando a torta de mirtilo ou blueberry do título original, que costuma fazer pouco sucesso entre os clientes do café, restando intacta no final do dia. Uma noite, ela não reaparece mais. Mergulhada na tristeza, deixa-se levar pelas estradas da América e vai parar em Memphis, onde trabalha como garçonete de dia e bartender à noite, quando ouve as tristezas e lamentos de um policial alcoólatra (David Strathairn), abandonado pela esposa (Rachel Weisz). Em outra parada de sua fuga sentimental pelos EUA, faz amizade com uma jogadora de pôquer (Natalie Portman), que a leva até Las Vegas. Jeremy, no entanto, não deixa de segui-la por meio de correspondências ou de telefones, onde quer que ela esteja. Correspondência que é mútua, com a narração de ambos pontuando o filme.
Com esplêndida fotografia, pra variar, filme belo e poético que talvez peque no roteiro, por ser redondinho demais em relação aos outros trabalhos de Kar-Wai, ora erráticos, ora confusos, mas ainda assim sempre fascinantes, para quem sabe apreciar suas obsessões fetichistas, aqui centradas no caráter erótico da torta de blueberry, imagem que abre e encerra o filme. Enfim, uma nova sinfonia pop de Kar-Wai, que nunca deixa de ser marcante pelos encontros e desencontros dos afetos à deriva, pelo visual elaborado de cores berrantes, mas nunca afetadas, e pelo elenco estelar, sobretudo por Norah Jones e pelos tipos desesperados e desesperançados interpretados por Stratahairn e pela bela, ou melhor, belíssima Weisz. Ah, o amor, essa coisa complicada...