quinta-feira, dezembro 06, 2007

No Vale das Sombras

(In the Valley of Elah, EUA, 2007)



E lá estava eu à noite, na madrugada à deriva pelos canais televisivos, a rever na Record o glorioso Crash – No Limite (2005), de Paul Haggis. E, pior, gostando, hehehe. Isso até a cena do tiro de festim do comerciante persa no chaveiro latino abraçado à filha. Aí o filme deixa mais claro suas intenções e limitações, não fazendo mais questão de mascarar a circularidade de seu roteiro esquemático, escrito por Haggis justamente com o intuito de fazer prevalecer no rosto dos espectadores aquele espanto manipulado de “Ó! Então era isso mesmo!”. O que lhe valeu o Oscar de melhor filme na época, para espanto ainda maior de Jack Nicholson e de muitos blogueiros e críticos indignados mundo afora! Aqui, neste segundo trabalho de Haggis na direção, as coisas são um pouco menos óbvias, embora não tão sutis, como a referência explícita à narrativa bíblica de Davi e Golias (evocada no título original), na história de um policial aposentado do Exército e ex-combatente do Vietnã (Tommy Lee Jones), metódico e patriota, lutando para saber do paradeiro do filho, que voltou do Iraque de licença sem que o pai soubesse e que desapareceu após uma noite de folga do quartel. Para a tristeza dele e da mãe (Susan Sarandon), o rapaz é encontrado morto e esquartejado numa área cuja jurisdição é disputada tanto pela polícia, quanto pelo exército. Com a ajuda um tanto relutante da detetive da polícia local, Emily Sanders (Charlize Theron), ele vai pessoalmente até a cena do crime, esbarrando nos superiores do quartel e da polícia, para tentar descobrir os motivos e os responsáveis pelo que aconteceu com o garoto. Em paralelo, conduz ele mesmo a sua investigação particular, tendo como pista uma gravação de vídeo encontrada no celular do filho, com imagens e fotografias deterioradas e uma mensagem de voz com um pedido de socorro enviado ao pai pouco antes do seu desaparecimento, algo que o assombra profundamente. Embora importante e bem conduzida, a investigação, como no panfletário Redacted (2007), de Brian De Palma, é mais um pretexto para discutir os abusos dos militares americanos, em geral muito jovens e despreparados, sobre a população civil na atual ocupação militar do Iraque, além das seqüelas psicológicas deixadas nos recrutas e, principalmente, nos seus familiares. Um filme muito melancólico, carregado pela serena interpretação de Jones e beneficiado pelo fato de Haggis, ainda que não seja um triunfo como diretor, nunca abusar do sentimentalismo, sendo bastante comedido até no uso da trilha incidental, algo aprendido, creio eu, com Clint Eastwood, para quem roteirizou o oscarizado Menina de Ouro e o excepcional Cartas de Iwo Jima.

4 comentários:

Anónimo disse...

Citando o xerife Earl McGraw em KILL BILL : "Para um idiota, é até admirável!". Também gostei desse novo filme do Haggis, apesar de não ser nada demais.

O que você achou de REDACTED ?


Ass: Leandro

Lorde David disse...

Como escrevi no post, é assumidamente panfletário e partidário. Mas também não deixa de ser puro De Palma, em sua obsessão por tentar compreender o mundo, em capturá-lo por meio de dispositivos óticos ou eletrônicos, com diferentes pontos de vistas, e de ir, desta forma, para além das aparências do que enunciam, de reconstruir ou reeditar as imagens captadas por essas inúmeras câmeras e tomadas e assim enxergar outra verdade, ou que quer que seja. Como em Dublê de Corpo (pela lente de Wasson que espiona a vizinha), em Um Tiro na Noite (pelo microfone de Travolta, depois pelas fotografias do acidente gravado, que são remontadas e adicionadas ao som do tiro e revelam outro ponto de vista sobre que levou o carro a cair no rio), em Missão Impossível (pelos óculos-câmera de Tom Cruise, que revelam o verdadeiro vilão no final), em Olhos de Serpente (pelas várias câmeras de segurança no ginásio, cuja edição de imagens acaba revelando outra versão do assassinato encenado), etc. Só que em Redacted tudo é bem mais urgente, pela própria crueza das imagens, que aqui no entanto não revelam tudo, e pelo fato de ter acontecido há pouco mais de um ano, ao contrário de Pecados de Guerra, de temática semelhante, mas que tratava de uma guerra já terminada. E aquela imagem final é mesmo muito apavorante, mas ainda não sei dizer direito o que penso sobre o filme. Se gosto dele ou não. O fato é que me deixou bem perturbado.

Anónimo disse...

Nunca vou esquecer a cara q o Jack fez quando anunciou CRASH, hehe.

Não acho IWO JIMA excepcional muito menos MENINA DE OURO e tb não tenho grandes problemas com CRASH q todo mundo tem, gosto muito do personagem do MATT DILLON e da cena do carro que depois uma novela da record imitaria na caruda fazendo ficar, para quem já achou constrangedor no original, 10 mil vezes mais. Mas claro que, reconheço que é um filme com vários problemas e de uma imaturidade e pieguice sem fim.

Mas mesmo com tudo isso tenho certo interesse me ver esse novo dele, seja pelo grande TOMMY LEE JONES ou seja pela temática que me lembra muito o fantástico MISSING do COSTA GAVRAS.

Lorde David disse...

Para mim, o filme me lembrou mais A História de um Soldado com um pouco de Questão de Honra. Quanto à Crash, não fiquei abalado na época. Achei até divertido, sempre falavam que o Oscar era um prêmio menor e tal, que premiava filmes medíocres, então não entendi tanta indgnação, afinal cumpria-se a escrita mais uma vez, hehehe. Claro que o filme tem bons momentos, especialmente quando Matt Dillon, Don Cheadle e Terrence Howard estão em cena. De resto, sucumbe diante do roteiro manipulador.