quinta-feira, dezembro 12, 2013

O Gosto dos Outros (Le Goûte des Autres, 2000)



Na vida, há aqueles que dizem que a arte muda as pessoas. Que ela possuiria assim um papel educativo e transformador na vida de algum ser humano ignorante. Há os que creem nisso, com muita ingenuidade; há os que não. Há os que criticam isso simplesmente, como os franceses. Bom, franceses criticam tudo mesmo, criticam até as pessoas por aquilo que gostam ou deixam de gostar, na vida e nos relacionamentos, embora se enganem muito especialmente neste último quesito. Sobre o papel transformador da arte, seria mais ou menos isso o que acontece a Jean-Pierre Castella (personagem de Jean-Pierre Bacri, co-roteirista do filme), um rico industrial, um típico burguês grosseirão, provinciano e pragmático que, ao cumprir o protocolar papel de comparecer à estreia em Paris de Bérenice, peça de Racine, na qual sua sobrinha faz um pequeno papel, encanta-se com uma das atrizes (Anne Devereaux) e passa a assistir o espetáculo repetidas vezes. Passa também a frequentar jantares e reuniões com os colegas artistas dela, em que é frequentemente humilhado por eles, já que, na visão deles, se trata de um filisteu homofóbico, um estranho no ninho desse mundo estranho de gente esclarecida e dita progressista. Ainda assim, não desiste de conquistá-la; retoma as aulas de inglês com ela, embora ele seja incapaz de pronunciar palavras simples, em um dos momentos mais hilários deste filme de estreia na direção de Agnès Jaoui, roteirista e atriz de filmes de Alain Resnais, como o musical Amores Parisienses (1997). Da mesma forma que Amores..., Jaoui mantém a estrutura do filme coral, com vários personagens, nenhum deles sendo efetivamente o protagonista, se encontrando ou desencontrando em um bar onde Jaoui interpreta uma garçonete e que acaba se envolvendo, em momentos distintos, com dois seguranças de Castella (Alain Chabbat e Gerard Lanvin). Da mesma forma também que no filme de Resnais, Jaoui mostra que muito do que se pensa a respeito de alguém não passaria de autoenganos, equívocos e preconceitos banais. E consegue fazer isso num filme tipicamente francês, deliciosamente verborrágico e sarcástico, mas afetuoso com seus personagens e suas decisões equivocadas. Estabelece o ritmo de sua condução precisa a partir dos diálogos, sempre engraçados, mas não descuida das imagens e do que efetivamente tem que ser mostrado na cena cinematográfica, afastando qualquer indício de teatralidade. Enfim, uma grande estreia na direção que lhe valeu inúmeros prêmios na França e a merecida indicação ao Oscar de filme estrangeiro em 2000.



Agnès Jaoui e o marido Jean-Pierre Bacri, co-roteirista e ator nos filmes da esposa: ao contrário de muitos, um casal divertidíssimo.

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