terça-feira, agosto 12, 2014

Seis graus de liberdade


A ambiciosa estreia do brasileiro José Padilha em Hollywood pode ter decepcionado muita gente (e como chiam os críticos daqui!). Até na inevitável comparação com o original, uma coisa meio estúpida de se fazer, enfim... Mas, no fundo, nesta refilmagem da clássica ficção científica de 1987, de Paul Verhoeven, do policial transformado em máquina, se encontram presentes os mesmos temas vistos nos filmes anteriores de Padilha, como os dois Tropa de Elite, incorporados a roupagem tecnológica de vigoroso blockbuster hollywoodiano de 100 milhões de dólares. Goste-se ou não, de Padilha ou do filme, estão lá a corrupção policial, o apresentador de TV sensacionalista, os políticos oportunistas e a ganância das grandes corporações, principal tema do primeiro Robocop, que se passava na era de yuppies caricatos e ambiciosos. O “homem de preto” de Padilha aqui é o honesto policial Alex Murphy, cujo corpo destroçado após um atentado promovido por traficantes é reconstruído como uma máquina de guerra pelo cientista vivido por Gary Oldman, a serviço da mesma OmniCorp de Michael Keaton, na mesma futurista Detroit do filme anterior. Mais ensolarada e menos desolada nesta atualização, a metrópole do novo Robocop é, ainda assim, igualmente perigosa e dominada por gangues auxiliadas por tiras corruptos. E como o Capitão Nascimento, o Murphy robô é útil para os políticos e empresários no combate à criminalidade até ser descartado pelo sistema que o criou quando passa a agir e pensar por conta própria. Se faltam o humor sarcástico e a violência gráfica da obra de Verhoeven, a desumanização do indivíduo aqui se faz mais presente, representada sobretudo na sequência em que Murphy vê seu corpo metálico “desmontado” e o que sobrou de sua parte orgânica. Há também boas cenas de ação, ótimas atuações e uma duração mais enxuta, coisa que tem faltado aos longuíssimos blackbusters atuais, vide Transformers: A Era da Extinção (2014) e o Cavaleiro Solitário (2013), ambos com quase três exaustivas horas de duração.  

sexta-feira, abril 04, 2014

Promenade

E, assim a cada dia que passa, seguimos em frente com a incrível capacidade de conceber mundos inacabados. 

quarta-feira, março 12, 2014

Liquidez

O problema das pessoas hoje em dia é que elas entram e saem muito rápido das nossas vidas. Se dispersam, não se atrelam, vão logo embora da festa para que foram convidadas para irem para outra. E criam desculpas para tudo.

sexta-feira, dezembro 13, 2013

Intimidade (Intimacy, 2001)


Antes de Azul é a cor mais quente (Vie d´Adele, 2013), um outro filme, também francês (embora falado em inglês e passado na Inglaterra), ganharia a Palma de Ouro de 2001 em Cannes com sequências explícitas de sexo que, claro, não deixariam de causar polêmica e custariam a carreira da excelente atriz Kerry Fox (Um anjo em minha mesa, 1990, de Jane Campion), hoje renegada a papéis secundários. O longa de Patrice Chéreau, grande encenador teatral francês e diretor do maravilhoso épico sanguinolento A Rainha Margot (1994), investe no despojamento, na desglamourização, nos tipos londrinos comuns de sotaque cockney, sem corpos ou rostos exuberantes, para narrar a história de um barman (Mark Ryllance) que mora num sujo apartamento, numa região triste de Londres e semanalmente mantém em sua casa relações sexuais com uma mulher sobre a qual sabe muito pouco a respeito (Fox), à maneira de O último tango em Paris (1972). Um dia, resolve segui-la e fica sabendo que ela é casada com um taxista (Timothy Spall, gordo, feio e ótimo), tem um filho e atua em produções amadoras de teatro. Em flashbacks, ficamos sabendo que ele, um ex-músico, havia sido casado e um dia resolveu abandonar a mulher e os dois filhos, sem motivo aparente. Entre ele e o marido de sua amante, uma estranha cumplicidade se estabelece, não menos reveladora. E a "intimidade" dos dois amantes, feita de silêncios, respirações ofegantes e breves, às vezes brevíssimos, intercursos sexuais, se vê ameaçada, quanto mais ele tenta conhecer a vida dela e adentrar em seu mundo. Apesar do despojamento, da proximidade da câmera de Chèreau (recentemente falecido) dos rostos e dos corpos dos atores, da ambientação realista, o tom carregado de alguns diálogos, ditos num tom acima do desejado, muito próximo ao da representação teatral que do cinema, acaba prejudicando a proposta naturalista do filme, tornando-o artificial e "afetado" em alguns momentos. Ainda assim, um belo (e antierótico) filme sobre as diferenças muitas vezes inconciliáveis entre amor, sexo e intimidade, e o lado humano de tudo isso, com os filhos e a banalidade da vida conjugal.

quinta-feira, dezembro 12, 2013

O Gosto dos Outros (Le Goûte des Autres, 2000)



Na vida, há aqueles que dizem que a arte muda as pessoas. Que ela possuiria assim um papel educativo e transformador na vida de algum ser humano ignorante. Há os que creem nisso, com muita ingenuidade; há os que não. Há os que criticam isso simplesmente, como os franceses. Bom, franceses criticam tudo mesmo, criticam até as pessoas por aquilo que gostam ou deixam de gostar, na vida e nos relacionamentos, embora se enganem muito especialmente neste último quesito. Sobre o papel transformador da arte, seria mais ou menos isso o que acontece a Jean-Pierre Castella (personagem de Jean-Pierre Bacri, co-roteirista do filme), um rico industrial, um típico burguês grosseirão, provinciano e pragmático que, ao cumprir o protocolar papel de comparecer à estreia em Paris de Bérenice, peça de Racine, na qual sua sobrinha faz um pequeno papel, encanta-se com uma das atrizes (Anne Devereaux) e passa a assistir o espetáculo repetidas vezes. Passa também a frequentar jantares e reuniões com os colegas artistas dela, em que é frequentemente humilhado por eles, já que, na visão deles, se trata de um filisteu homofóbico, um estranho no ninho desse mundo estranho de gente esclarecida e dita progressista. Ainda assim, não desiste de conquistá-la; retoma as aulas de inglês com ela, embora ele seja incapaz de pronunciar palavras simples, em um dos momentos mais hilários deste filme de estreia na direção de Agnès Jaoui, roteirista e atriz de filmes de Alain Resnais, como o musical Amores Parisienses (1997). Da mesma forma que Amores..., Jaoui mantém a estrutura do filme coral, com vários personagens, nenhum deles sendo efetivamente o protagonista, se encontrando ou desencontrando em um bar onde Jaoui interpreta uma garçonete e que acaba se envolvendo, em momentos distintos, com dois seguranças de Castella (Alain Chabbat e Gerard Lanvin). Da mesma forma também que no filme de Resnais, Jaoui mostra que muito do que se pensa a respeito de alguém não passaria de autoenganos, equívocos e preconceitos banais. E consegue fazer isso num filme tipicamente francês, deliciosamente verborrágico e sarcástico, mas afetuoso com seus personagens e suas decisões equivocadas. Estabelece o ritmo de sua condução precisa a partir dos diálogos, sempre engraçados, mas não descuida das imagens e do que efetivamente tem que ser mostrado na cena cinematográfica, afastando qualquer indício de teatralidade. Enfim, uma grande estreia na direção que lhe valeu inúmeros prêmios na França e a merecida indicação ao Oscar de filme estrangeiro em 2000.



Agnès Jaoui e o marido Jean-Pierre Bacri, co-roteirista e ator nos filmes da esposa: ao contrário de muitos, um casal divertidíssimo.

quarta-feira, dezembro 11, 2013

Hardware - O Destruidor do Futuro (1990)



Lançada no final dos incertos anos de 1980, esta pequena e eficaz ficção científica foi injustamente tachada como um sub-Exterminador do Futuro (o subtítulo em português denuncia: obviamente tenta pegar carona e faturar em cima do filme de Cameron). No entanto, apesar das semelhanças, já que o enredo, concentrado, trata de um robô enlouquecido, Mark 13, em perseguição incansável a uma mulher num futuro apocalíptico, seu final é mais sombrio. Sua atmosfera, mais árida. A direção, na estreia em longas do diretor de videoclipes Richard Stanley, sabe desde o início o que quer e nunca deixa deixa o andamento narrativo cair. Concentra a ação em poucos ambientes - o deserto vermelho do começo, o depósito de sucata, o pequeno apartamento em Nova Iorque, palco de quase toda a ação. E intensifica o combate entre homem e máquina, esta achada num deserto e vendida como sucata até ser recuperada por uma artista plástica, tornando-se mais e mais claustrofóbica à medida que se aproxima do final, bastante pessimista e com referências bíblicas. Seu pequeno orçamento nunca é evidenciado, e os efeitos especiais ainda hoje impressionam. Há ainda muito sangue e violência na rota da protagonista, que parece cumprir uma via crúcis em busca da salvação. Um sucesso em sua época, é uma joia restaurada e lançada recentemente em ótima transferência para Blu-Ray (com disco de extras) que merece ser (re)descoberta. 

quinta-feira, outubro 09, 2008

Ensaio sobre a Cegueira

(Blindness, Brasil/Canadá/Japão, 2008)



A fotografia esbranquiçada, estourada e cheia de filtros e truques de César Charlone – a representação visual e "publicitária" da tal “cegueira branca” da trama, que sem maiores explicações atinge a população de uma cidade indeterminada, obrigando-a manter-se confinada em um hospital militarmente vigiado, sob péssimas condições de higiene e reduzida à barbárie – é como um bukaki constante nos olhos do espectador. Ou seja, mais atrapalha do que faz pensar nesta fraca, embora fiel adaptação do alegórico romance do super-aclamado (e superestimado) José Saramago. Salvam-se as locações em São Paulo como terra arrasada, à maneira da Londres de Extermínio, e, vá lá, Julianne Moore – a única a enxergar alguma coisa, ao contrário do elenco internacional e, principalmente, do espectador.

Linha de Passe

(Brasil, 2008)



Um sub Rocco e Seus Irmãos – de subdesenvolvido mesmo. Para Daniela Thomas e, principalmente, para “Waltinho” Salles e seu cinema acetinado e todo “artístico” de riquinho xarope com consciência social (e renúncia fiscal), típico da era Lula, pobre só tem vez mesmo como empregada doméstica – obviamente mãe solteira da periferia paulistana, corintiana, de nome "Cleuza" e grávida pela enésima vez, para piorar ainda mais as coisas – motoboy, jogador de futebol, crente, motorista de busão ou então simplesmente como bandido. Lamentável – apesar do ótimo Kaique Jesus Santos (foto).