sexta-feira, março 30, 2007

Amigos para sempre?

An dives omnes quaerimus; nemo an bonus.
[por Eurípides/Sêneca, Epistulae Morales 115.14]

Ou, não tão literalmente falando:

Ao rico mil amigos se deparam; ao pobre seus amigos o desamparam.

E tenham todos um agradável final de semana na companhia dos amigos, ricos ou pobres.

De Tanto Bater Meu Coração Parou

(De Battre Mon Coeur S'Est Arrêté, França, 2005)



Pais e filho. Um filho, Tom (Romain Duris) de temperamento explosivo, que herda do pai, e pendor para a música erudita, que veio da mãe, falecida concertista de piano. Mundos à parte, em conflito dentro da mesma pessoa, em que a mão que soca e arrebenta é a mesma que toca. Há anos longe do piano, dedica-se aos negócios sujos do pai (Niels Arestrup), um agiota e gângster do ramo imobiliário. Junto com dois colegas igualmente violentos, Sami (Gilles Cohen) e Fabrice (Jonathan Zaccai), vive batendo, aterrorizando e expulsando moradores, em geral imigrantes, dos imóveis da família em Paris. Além disso, movidos a cocaína, exercitam os instintos básicos transando e arranjando brigas pelas ruas e em boates. Um dia, por acaso, Tom reencontra um antigo professor e redescobre o piano. Quer voltar a tocar. Melhor, quer ser concertista e sair do submundo. Para tão ambicioso desejo, passará a ter aulas com uma professora sino-vietnamita (Linh Dan Pham), recém-chegada a Paris. Os dois quase nada se entendem, a não ser por meio das notas musicais, linguagem universal. Universal como a violência “praticada” no dia-a-dia por Tom, que continuará a persegui-lo, sobretudo ao se envolver como sócio de Sami e Fabrice em um empreendimento imobiliário suspeito e tendo ainda a sombra onipresente do pai, que o manda para mais uma tarefa arriscada, ao cobrar uma dívida de mafiosos russos.

Câmera flutuante, vigorosa e agarrada aos atores, como nos filmes de John Cassavetes, e personagem principal que lembra o jovem e estourado Robert De Niro/Johnny Boy de Caminhos Perigosos (1973), de Martin Scorsese, em filme noturno levado num ritmo às vezes pulsante, às vezes contemplativo pelo diretor Jacques Audiard, especialmente nos momentos musicais ao som de Bach e Haydn. Mas, no final, a violência e a impulsividade acabarão por se impor sobre muitas das ações de Tom, nesta refilmagem de Fingers (1978), de James Toback, que se estruturava como Caminhos Perigosos, ainda que sinalize uma redenção no final para o protagonista. Intenso, ainda mais pela interpretação de Romain Duris, um jovem com dificuldade em centrar suas paixões, sobretudo por viver atrelado a elas, o tempo todo.

quinta-feira, março 29, 2007

Por Gentileza

(Après Vous..., França, 2003)



Comédia francesa leve e agradável, valorizada por um elenco muito acima da média e bem à vontade, em que Daniel Auteuil interpreta o simpático Antoine, ocupadíssimo gerente de um restaurante fino de Paris. Envolve-se com tudo, sempre. Um dia, na volta para a casa, evita que o frustrado Louis (José Garcia, de O Corte) cometa suicídio, enforcando-se numa árvore. Sente-se então responsável por ele. Leva-o para o casa, para desespero de sua noiva Christine (Marylene Canto). Arruma-lhe também emprego no restaurante como sommelier, apesar de Louis nada saber sobre vinhos ou como servi-los. Tenta também reaproximá-lo de sua antiga paixão, a adorável florista Blanche (Sandrine Kiberlain, de Betty Fisher e Outras Histórias e O Buquê), que namora um sujeito rude, que vive traindo-a, mas não larga dele por acreditar que, como quase toda mulher, é preferível estar mal-acompanhada do que só. Antoine se apaixonará por ela, agora para desespero (novamente) de Louis, pois será correspondido.

A direção de Pierre Salvadori evita os caminhos mais óbvios da comédia romântica tradicional, inclusive no desfecho, e o roteiro pavimenta o filme de complicações divertidas e bem armadas. O resultado final está mais para uma farsa, em que Auteuil e Garcia, tipos opostos, fazem uma dupla cômica cheia de química e que se sai admiravelmente bem em todos os qüiproquós, além do charme onipresente de Sandrine Kiberlain. Como não se apaixonar por ela?

quarta-feira, março 28, 2007

Sete Espadas em DVD

Pela Imagem Filmes, finalmente este épico de Tsui Hark é lançado em DVD por aqui. Infelizmente na versão mais curta. Mesmo assim, é Tsui Hark, é uma bagunça, é uma maravilha.

O Schindler português

Nem Salazar nem Cunhal; viva Sousa Mendes

Tirou terceiro lugar. Foi dele a maior operação de resgate conduzida por uma só pessoa durante o Holocausto

DEPOIS DO ESPANTO causado pela entrega do título de "Grande Português" à memória do ditador Antônio de Oliveira Salazar (1889-1970), vem estupefação: o segundo colocado foi o stalinista Álvaro Cunhal, que dirigiu o Partido Comunista de 1961 a 1992. No mês dos 33 anos do renascimento da democracia no além-mar, 60% do eleitorado que participou da competição telefônica de uma emissora de televisão dividiu-se entre o que Portugal infelizmente foi e aquilo que felizmente não quis ser.
Mesmo assim, as coisas boas também acontecem e Aristides Sousa Mendes foi o terceiro colocado, com 13% das preferências, contra 19% dadas a Cunhal.
A amostra foi pequena e viciada. Num país de 10 milhões de habitantes, os telefonemas válidos foram 160 mil. Nada a ver com os 55 milhões de chamadas do "Big Brother" brasileiro. De qualquer maneira, quando Luís de Camões fica em quinto lugar, com 4% dos votos, as coisas não vão bem. Contudo, é o poeta quem ensina:
"Quem há que por fama não conhece
As obras portuguesas singulares?"
Aristides Sousa Mendes e sua posição no certame são uma obra portuguesa singular. Conhecê-lo é uma dádiva. Ele nasceu em 1885, numa família católica da aristocracia. Passou pela Universidade de Coimbra e caiu na carreira diplomática. Rodou por Guiana, Zanzibar, Porto Alegre, São Luís e Curitiba. Estava no consulado do porto francês de Bordeaux quando estourou a Segunda Guerra e chegou-lhe uma circular determinando que não se concedessem vistos a judeus.
A cidade transformou-se em corredor de saída para dezenas de milhares de refugiados impotentes e Sousa Mendes distribuiu resmas de vistos em branco, assinados e carimbados. Calcula-se que tenham sido 30 mil em poucos dias. Foi a maior operação de resgate conduzida por uma pessoa durante o Holocausto. Ele recordaria: "Quantos suicídios e outros atos de desespero se produziram, quantos atos de loucura de que eu próprio fui testemunha?"
Salazar mandou dois funcionários para trazê-lo de volta a Lisboa. Sousa Mendes foi para Bayonne e emitiu mais vistos. Quando a polícia da fronteira com a Espanha foi avisada para não honrar sua assinatura, escoltou judeus abrindo caminho com seu carro oficial. Chegou a empurrar portões. Levado a Lisboa, foi expulso do serviço público. Perseguido pelo ditador, Sousa Mendes perdeu o patrimônio da família (a pecúnia, bem entendido porque, em 1944, dois dos seus 14 filhos saltaram sobre a Normandia com as tropas aliadas).
Nada permitia supor que aquele aristocrata monarquista e cinqüentão agisse daquela forma. No seu encontro com a história, realizou a obra portuguesa singular.
Sousa Mendes morreu em 1954, doente e miserável. Alimentava-se em centros de caridade da colônia judaica. Seus bens foram leiloados e sua casa senhorial virou galinheiro. Nada se escreveu sobre ele, além do que se gravou na lápide: "Quem salva uma vida salva o mundo".
Hoje ele é uma glória de Portugal e nome de praça em São Paulo. Tem busto em Bordeaux e parque em Montreal. Vinte árvores foram plantadas em sua memória na Floresta dos Mártires, em Jerusalém.

(by Elio Gaspari, Folha de São Paulo, 28/03/2007)

A Leste de Bucareste

(A Fost Sau n-a Fost?, Romênia, 2006)



Antes da Revolução. Romênia, 12h08, 22 de dezembro de 1989. Depois da Revolução e fim da era Ceausescu. Mas houve Revolução? O povo se reuniu na praça antes deste horário decisivo? Ou depois? Ou foi só uma aglomeração popular que celebrava a queda de um ditador já condenado? É o que pergunta Jderescu (Teodor Corban), engenheiro têxtil tornado apresentador da emissora de TV de uma cidadezinha a leste de Bucareste, de onde teria irradiado o movimento, 16 anos depois da queda do czar comunista. Para respondê-las, convoca, após muita procura, dois moradores que teriam participado deste momento decisivo: o professor de História Manescu (Ion Sapdaru), sempre bêbado e endividado, e o velho Piscoci (Mircea Andreescu), que ganha alguns trocados fantasiando-se de Papai Noel. Duas testemunhas das mais improváveis. No estúdio, a “Revolução” então ganha forma nas palavras do professor Manescu, para depois ser contestada, desmentida, desconstruída pelos espectadores que ligam para o programa. Tudo através do diálogo, direto, sem flashbacks, instaurando mundos para momentos depois desfazê-los, embaralhando o que é fato do que é ficção. E é aí, nesse embate de versões, que o filme tem suas cenas mais divertidas, quando o diretor Corneliu Porumboiu (quanto nome difícil!) aproveita a precariedade técnica da emissora de TV para fazer troça das limitações técnicas do próprio filme. Se antes a câmera estática observava tudo a distância, pelas frestas, como o marasmo do dia-a-dia dos protagonistas, no estúdio, com os close-ups desajeitados e os involuntários desfoques, o filme ganha graça e humanidade e rende aí os seus melhores momentos, tendo sempre a política em perspectiva, ainda que cada vez mais distante, como o comunismo.

terça-feira, março 27, 2007

O Retorno do Talentoso Ripley

(Ripley’s Game, Itália/Reino Unido, 2002)



Crime sem castigo. Sem culpa, também. Assim age Tom Ripley, o americano tranqüilo, falsário e sempre apto a improvisar, ao envolver o emoldurador Jonathan Trevanny (Dougray Scott), que está morrendo de leucemia, em um de seus jogos. Insultado por Jonathan diante dos vizinhos num almoço familiar, Ripley vinga-se o indicando para seu antigo comparsa, Reeves (Ray Winstone), um sujeito grosseiro, envolvido em disputas de território com a máfia russa em Berlim, para executar um poderoso rival. Jonathan, pensando no dinheiro para garantir a segurança de sua família, topa o serviço arriscado. Será bem-sucedido, para a surpresa de Reeves e Ripley. Novamente, será convocado por Reeves. O laço entre Ripley e Jonathan se estreitará, especialmente após uma formidável seqüência de assassinato no trem para Dusseldorf, momento dos mais hitchcockianos, neste filme levado com elegância por Liliana Cavani (O Porteiro da Noite, 1974), cujo olhar europeu privilegia a beleza da villa palladiana no Vêneto, onde vive Ripley, do Teatro Olímpico, da piazza de Vicenza e dos afrescos, sem afetação e de modo justo. Filme também quase todo sussurrado, de andamento tranqüilo, mas eficaz, ao som das delicadas notas do cravo, com ótimas interpretações de Dougray Scott e John Malkovich, que compõe um Ripley suave, dedicado à esposa (Chiara Caselli), mas convincentemente ameaçador e ambíguo, bem próximo do espírito do personagem criado por Patricia Highsmith, legítima herdeira de Dostoiévski.

Injustamente ignorado na época em que foi lançado nos cinemas, mas muito superior à versão dirigida por Anthony Minghella, O Talentoso Ripley (1999), e que trazia o mesmo personagem na pele do não tão nuançado Matt Damon.

Número 23

(The Number 23, EUA, 2007)



A notória afetação visual de Joel Schumacher, que até funcionava em Linha Mortal (1990) e O Fantasma da Ópera (2005), aqui ofuscando literalmente a narrativa, além de se submeter excessivamente ao esquematismo do roteiro, que conta a estória de um sujeito comum (Jim Carrey), que após ganhar um manuscrito de aniversário, um romance com o título de Número 23, fica obcecado pelo número, obviamente cabalístico, portador de sinais diabólicos, e passa a vê-lo em toda parte. Também encontra na estória várias coincidências com a sua trajetória de vida.

Lembra A Janela Secreta, de Stephen King, pela presença de anagramas e onipresença do número e de signos a partir de páginas de ficção que vão ganhando vida, mas no fim das "contas" tudo não passa de números, bem calculados, neste by the numbers (rotineiro) thriller sobre expiação de culpa e paranóia, e com a esperada reviravolta no final. Poderia ser uma estória noir de detetive, poderia ser um suspense, poderia ser um terror psicológico, mas nas mãos de Schumacher é pouco inquietante e nada ameaçador, apesar dos esforços de Carrey e da beleza madura de Virginia Madsen. Deixa-se ver, no entanto, na solidão de uma noite insone.

segunda-feira, março 26, 2007

O Cheiro do Ralo

(Brasil, 2006)



Quem vê bunda não vê coração. Amarra-se na bunda, no caso no traseiro de uma garçonete (Paula Braun) da lanchonete onde Lourenço (Selton Mello), dono de um depósito que negocia mercadorias usadas, almoça o mesmo lixo todo dia. Misantropo, gosta de humilhar os clientes, pagando sempre o preço mais baixo pelas mercadorias oferecidas, na verdade quinquilharias, e prefere a parte pelo todo. Além da bunda, signo onipresente ao longo do filme e que quer comprar a qualquer custo, se interessará também por um olho e pela prótese de uma perna mecânica, em certo momento. Também dia a dia o cheiro do ralo do seu banheiro o incomodará cada vez mais. Ficará impregnado por esse odor “mérdico”, a ponto de ser consumido por ele (e pela bunda também, qualquer bunda feminina) neste filme de humor corrosivo, episódico, e por isso irregular, e que nasceu com a intenção de ser propositalmente cult, inteligente, pelas mãos do diretor Heitor Dhalia (Nina, 2004). Escorrega ao tentar explicar ou psicologizar as obsessões do protagonista como um problema ligado à ausência paterna, mas Selton Mello, no tom certo, e o texto sarcástico de Lourenço Mutarelli (que faz o segurança) e Marçal Aquino garantem a parte pelo todo do filme no quesito diversão cool e moderninha.

sexta-feira, março 23, 2007

E para fãs do BBB7

Life doesn't imitate art, it imitates bad television.

Ou, literalmente:

A vida não imita a arte. Imita a televisão ruim.
(by Woody Allen)

E um ótimo fim de semana para todos! Ou para ninguém, já que quase não tive visitas esta semana. O lonely virtual life!

Mundo Despido

(Naked World, EUA, 2003)



Get naked! Todo mundo nu e diante das lentes do fotógrafo americano Spencer Tunick, que ficou célebre por clicar multidões de anônimos peladões em locais públicos, compondo paisagens de corpos despidos, indiferenciados e sob os olhares nem sempre coniventes das autoridades ou dos pedestres. Em Montreal, chegou a reunir mais de duas mil pessoas numa esplanada. Quando a polícia chega, no entanto, uma verdadeira festa do "corre nu" tem início. Mas também há nus individuais, melancólicos, pouco eróticos, de pessoas comuns diante de monumentos ou prédios, como mostra este documentário para a HBO de Arlene Donnellym, que acompanha Tunick em jornada por vários países com a intenção de registrar pelados dos quatro cantos do globo. Cidades do Japão, França, Reino Unido, Austrália, África do Sul e até o continente antártico serviram de cenário para a obsessão de Tunick, na ambiciosa turnê Nude Adrift (“nu à deriva”), que terminou em 2002, na Bienal de São Paulo, com a performance da multidão desnuda e disposta bem na praça do obelisco do Ibirapuera. Aliás, em São Paulo, o trabalho de Tunick teve a maior repercussão até então de sua carreira, o que está de acordo com o espírito novidadeiro do paulistano. Nunca antes ele tinha exposto num evento tão grande e para tanta gente como numa Bienal, famosa por seu gigantismo. Seria ele, no entanto, uma farsa, apenas um marqueteiro disposto a fazer barulho? Não importa. E o filme não discute isso. Apenas registra.

Curioso, divertido, embora um pouco repetitivo nos depoimentos, mostra um esforço quase de guerrilha do fotógrafo e sua equipe para conseguir convencer as pessoas, recrutadas nas ruas ou pela Internet, a posarem para as suas fotos, em geral tiradas nas primeiras horas do dia. Muitas vezes tem que ser rápido no clique e fugir para não ser preso, como aconteceu nos EUA, durante turnê pelas cidades americanas em 1999, tema do documentário anterior, Naked States (2000), da mesma diretora. E, superficialmente, revela um pouco de como a cultura de cada país visitado encara a nudez. Na França, por exemplo, país de tradição liberal, teve mais dificuldades de clicar que na Inglaterra, geralmente tida como nação conservadora, onde conseguiu juntar quase 400 pessoas para a performance, e com a ajuda das sisudas autoridades locais. Com exceção, obviamente, da Antártica, onde pingüins e outros animais que habitam a região, nus desde o nascimento, não se importam tanto com isso. Ou se importam?

quinta-feira, março 22, 2007

Freddie Francis (1917-2007)



À esquerda na foto, britânico, diretor de fotografia, diretor de vários filmes de terror da Hammer e de sua prima pobre, a competente Amicus Productions (Tales From the Crypt - Contos do Além, 1972). Ganhador do Oscar de fotografia por Filhos e Amantes (1960) e Tempo de Glória (1989). Foi um dos responsáveis pela construção da atmosfera assustadora da obra-prima Os Inocentes (1961), de Jack Clayton, um dos mais belos filmes de todos os tempos.

Um Amor Além do Muro

(Der Rote Kakadu, Deutschland, 2005)



Gagarin vai para o espaço. Alemanha, anos 60, dividida, mas ainda não separada pelo muro, prestes a ser erguido e que isolaria Berlim Ocidental, dividindo alemães de alemães. Nessa situação perigosamente transitória, milhares cruzam para o lado ocidental em definitivo, enquanto outros, como o jovem Siggi (Max Riemelt), aproveitam para trazer dinheiro e mercadorias contrabandeadas do “decadente” mundo capitalista e burguês para o lado oriental. Artista que sonha em ser cenógrafo, Siggi durante uma manifestação contra o regime comunista cada vez mais opressor conhecerá a poetisa virada operária Luise (Jessica Schwarz), casada com Wolle (Ronald Zehrfeld), ativista e marido infiel. Não demorará muito para o romântico Siggi se apaixonar por Luise. Juntos, os três se encontrarão várias vezes na boate do título original em Dresden, único lugar no deserto socialista alemão onde ainda se podia ouvir e dançar rock clandestinamente, febre ocidental entre os jovens, banida pelas sisudas autoridades. Amor difícil, ficará ainda mais complicado com a perseguição dos burocratas em cima do casal, com efeitos também no trabalho e na vida de Siggi. A boate passará a ser cada vez mais vigiada, prenderão Wolle, seus colegas, Luise, até o muro, antes uma barreira simbólica, surgir entre eles em definitivo.

Convencional na filmagem e no andamento da narrativa, ainda assim uma boa crônica de costumes de uma era em que a Alemanha se convalescia das feridas da guerra enquanto, em surdina, preparava-se para receber outro golpe, levada com algum suspense e riqueza de detalhes pelo diretor Dominik Graf, ao evidenciar o cotidiano de privação dos que viviam no lado oriental, ainda que sem o humor de Adeus, Lênin (2002), por exemplo, e apesar dos estereótipos usados na construção dos personagens, como o de Siggi, quase um Werther doido por sua Carlota/Luise Seduzido por ela, rejeitado por ela, mas sem a possibilidade de ficar junto com ela para sempre, a não ser em sonhos, refúgio preferido dos românticos. E sem suicídio, pois afinal quem é que se mata por causa de mulher hoje em dia? Wie Schade! (que peninha!)

quarta-feira, março 21, 2007

I Hate Huckabees

Ou: A very insulting moment, by David O. Russell, surtando no set durante as filmagens de Huckabees - A Vida é uma Comédia (2004). Ou nem tanto. Que o diga Lily Tomlin. Poor lady!

Os 12 Trabalhos

(Brasil, 2006)



O mito de Hércules, aqui descendo do Olimpo e indo parar logo na periferia de São Paulo, com todos os cacoetes lingüísticos comuns a esse tipo de produção. O Hércules ou o Heracles suburbano (Sidney Santiago, discreto) de semideus vira motoboy (e aspirante a artista) e, após passar um período difícil no Hades, ou melhor, na Febem, tem que cumprir doze tarefas no primeiro dia de trabalho pelas ruas da cidade com a sua motocicleta. Ou seja, diante dessa realidade tão brasileira e nada mitológica, o mito se apequena, sobretudo por causa dos muitos diálogos ginasianos da narrativa. Nem as tarefas são das mais difíceis, apesar do trânsito caótico e dos colegas de trabalho não muito confiáveis. Mesmo assim, ao acompanhá-lo, a câmera até que se movimenta de maneira interessante pela geografia de São Paulo. Mas, quando estática, o diretor Ricardo Elias parte para a óbvia utilização do recurso campo/contracampo, especialmente nas conversas que Heracles trava com as pessoas que cruzam o seu caminho. Tudo meio pé no chão demais, sugerindo vários (des)caminhos, nenhum definitivo, nenhum conclusivo, nenhum convincente.

terça-feira, março 20, 2007

O Bom Pastor

(The Good Shepherd, EUA, 2006)



O nascimento da CIA, o nascimento de um fantasma, na pele de Matt Damon, um de seus principais agentes. Repare como ele envelhece pouco ao longo dos mais de vinte anos de ação transcorrida neste O Bom Pastor, segundo trabalho de Robert De Niro na direção, reunindo um elenco todo estelar e admirável.

Após o casamento com a ricaça Angelina Jolie, Damon, no papel de Edward Wilson, um “americano tranqüilo”, discreto e brilhante, é chamado para ajudar a inteligência britânica durante a Segunda Guerra Mundial. Depois, com a Guerra Fria, é convocado para colaborar na formação daquele que seria o embrião da Central de Inteligência Americana, que recrutava jovens provenientes de boas universidades, especialmente brancos, protestantes e anglo-saxões (“wasps”), para compor seus quadros de americanos "patriotas". Invariavelmente, assuntos íntimos se misturarão a assuntos de Estado, o que não se trata de uma novidade, já que a agência se especializará em invadir e bisbilhotar intimidades alheias de forma a interferir em eventos políticos globais. Os amigos de hoje e até os filhos e familiares se tornarão suspeitos, neste filme contado em flashbacks, com roteiro complexo de Eric Roth, mas não prolixo, que De Niro dosa com necessária lentidão e rigor nos enquadramentos, sem se ater a contextualizações documentais que poderiam travar o andamento da narrativa. Abrindo o filme em 1961, com o fracasso da invasão americana na Baía dos Porcos em Cuba, do plano geral partirá, sobretudo, para o plano mais intimista, para os close-ups dos atores, do angustiado Matt Damon ao ambíguo agente russo que passa a colaborar para os americanos durante a Guerra Fria. Fascinante por destrinchar os bastidores pouco espetaculares da espionagem americana, mas que requer atenção nas suas quase três horas de duração. Nada cansativas, no entanto.

segunda-feira, março 19, 2007

Maria Antonieta

(Marie Antoinette, EUA/França/Japão, 2006)



Austríaca de nascimento, francesa por conveniência política e inconveniência conjugal.

Do alto do palácio de Versalhes, diante da esplanada de seus jardins geométricos, “perdida na tradução” dos costumes franceses, Maria Antonieta (Kirsten Dunst) contempla a sua solidão neste belo filme de Sofia Coppola, em que a austríaca é restaurada ao trono e à sua importância histórica sem perder a sua frivolidade (e complexidade) como figura humana. Olhar feminino da diretora, nada frívolo, no entanto, menos engajada na Revolução vindoura e que vê com angústia o fato da futura rainha, ainda adolescente, longe da família, literalmente despida dos pertences de sua terra natal, não conseguir consumar o casamento com o delfim da França, Luís Augusto (Jason Schwartzman), também adolescente e futuro rei Luís XVI, nem a aliança que une os dois reinos. Que a acompanha com atenção aos detalhes pelos corredores do palácio, seguindo dia a dia a ritualística rígida da rainha, cercada o tempo todo por damas de companhia, ao mesmo tempo em que se empanturra de doces, coleciona sapatos, vestidos, jóias, promove jogatinas e bailes tipicamente adolescentes ao som de rock’n’roll, num delicioso anacronismo da produção. Um dia também se reinventa como cantora de ópera, sem dar a devida importância às tensões sociais e políticas que se avolumam fora das cercanias do palácio, ainda que seja flagrada num momento de intimidade com a filha e as amigas lendo encantada Rousseau, o santo padroeiro das esquerdas. Um dia, porém, os aplausos no teatro e na corte não irão mais para ela. Os colares que enfeitam o seu pescoço anunciam sutilmente a posição da lâmina onde cairá a guilhotina. Por trás da cor rosa de seus deslumbrantes vestidos, tons mais fortes e complexos tingirão o seu destino, do rei e dos filhos. E a França nunca mais seria a mesma.

sexta-feira, março 16, 2007

Stage fright

The world is a stage, but the play is badly cast.
(by Oscar Wilde, in Lord Arthur Savile's Crime)

Ou:

O mundo é um palco, mas o elenco da peça é um horror.

Tenham todos um ótimo fim de semana!

Scoop - O Grande Furo

(Scoop, Reino Unido/EUA, 2006)



Do além, uma jovem repórter de um jornal universitário (Scarlett Johansson) recebe uma dica de um jornalista famoso (Ian McShane), recém-falecido, sobre a identidade de um assassino serial que anda aterrorizando prostitutas em Londres, à maneira de Jack, o Estripador. Um furo sensacional para uma novata que, com a ajuda de um mágico (Woody Allen, ele mesmo mágico amador), trata de checar a história, que envolve o charmoso aristocrata Lyman (Hugh Jackman), filho de um lorde, como o principal suspeito, de acordo com a versão do jornalista, que não descansa nem depois de morto, ao fugir do barco da Morte que cruza o rio Styx, durante a travessia para o Hades, na hilária seqüência inicial.

Um filme em que Woody Allen troca mais uma vez Nova Iorque por Londres, em uma história que lembra um pouco O Misterioso Assassinato em Manhattan (1993) com a presdigitação de O Escorpião de Jade (2001) e que serve de pretexto para ele novamente alfinetar, em tiradas quase sempre inspiradas e ao seu modo tipicamente nova-iorquino, o esnobismo das classes altas e até a posição do volante nos carros ingleses. Sua neurose contamina a maneira de atuar de Scarlett Johansson, muito bem no papel principal, repetindo os tiques de Allen e caindo de amores por Jackman, um tipo simpático, elegante e colecionador de instrumentos antigos. Em suma, um lorde, pleno de ambigüidades, no entanto. Deliciosamente irregular, essencialmente Allen. Melhor tirada, de Allen, obviamente: “Eu nasci na fé judaica. Depois me converti ao narcisismo”.

quinta-feira, março 15, 2007

Lições de Vida

(Driving Lessons, Reino Unido, 2006)



Particularmente gosto dessas pequenas comédias britânicas que surgem por aí vez ou outra. Esta aqui não foi lançada; foi arremessada no circuitinho culturete paulistano, numa única sala e ninguém vai vê-la, provavelmente. Também não vai ganhar o Oscar, Cannes, Bafta, muito menos o Prêmio Jairo Ferreira (talvez por não ter sido filmada em preto e branco, com câmera estática, nem durar três penosas horas). Ainda assim é muito agradável de ser assistida. Não intenciona ser mais que um feel good movie e tem sucesso nisso. Como em Vênus, de Roger Michell, sobre diferença de gerações e com a morte onipresente, narra a relação de altos e baixos entre uma velha dama do teatro, Evie Walton (Julie Walters, esplêndida), cheia de vida e imprevisível, e seu jovem assistente, o quase morto Ben (Rupert Grint, da série Harry Potter), aspirante a poeta, oriundo de uma família bem religiosa, ou nem tanto, cujo pai (Nicholas Ferrell) é pastor e a bela e rígida mãe (Laura Linney), empenhada até demais nas atividades da igreja, freqüentemente escalando seu filho para peças bíblicas, em que interpreta com vigor Shakespeareano arbustos e eucaliptos. Além de comandar a casa, também é bem dedicada, entre um ou outro "Oh Lord!", em trair o marido com um jovem pastor e aspirante a Jesus Cristo das montagens que dirige, além de limitar os encontros sociais do tímido filho, que tenta sem sucesso tirar carta de motorista ou conquistar sua coleguinha de escola. No verão, tudo muda quando Ben arruma um emprego de meio período na casa de Evie. Então o filme vira, certa feita, um road movie, mas como o país percorrido é o Reino Unido, a viagem não dura tanto, embora a trajetória seja de descobertas duradouras para Ben, que aprenderá mais do que as lições de direção do título original, para o desespero de sua mãe, e de redescoberta para Evie, como na bela cena em que os dois contemplam um lago na Escócia. Ela dará um novo rumo à vida de Ben e ele a estimulará a “atuar” novamente no palco, já que se encontrava relegada a papéis secundários na TV ou a leituras públicas de poesia. Parece óbvio, ainda mais pelo título em português, que evoca o clássico Ensina-me a Viver (1971), de Hal Ashby, inclusive pela similaridade do tema retratado, mas o ótimo elenco e o humor dos diálogos e situações garantem o interesse por este filme despretensioso de Jeremy Brock, roteirista do mais prestigioso O Último Rei da Escócia. Bacana, bacana.

quarta-feira, março 14, 2007

Hollywoodland - Bastidores da Fama

(Hollywoodland, EUA, 2006)



A Los Angeles noir de glamour e pecados confidenciais revisitados. Noir ensolarado, cuja claridade intensa acaba ofuscando a verdade. Anos 50. Hollywood, o star system e a promiscuidade entre astros, chefões de estúdios e as autoridades por trás da morte misteriosa do ator George Reeves (Ben Affleck, muito bem e com cara de super-herói), então conhecido como o Superman do seriado de televisão e que, alcoólatra, gordo e sem conseguir novas oportunidades fora da TV, entrava em decadência. Morte investigada pelo detetive não tão durão vivido por Adrien Brody. Se é um tanto longo, ao final mantém pelo menos a dúvida pairando no ar sobre o que de fato teria acontecido a Reeves naquela noite fatídica, nesta produção detalhista dirigida pelo estreante Allen Coulter, oriundo da TV (A Sete Palmos, Família Soprano, Roma). A boa edição encadeia três versões da história (assassinato, acidente ou suicídio, esta a versão oficial da polícia), mas nenhuma conclusiva, nenhuma definitiva, com a verdade e os fatos escapulindo sempre para além dos indivíduos, vilões ou vítimas.

terça-feira, março 13, 2007

Let a woman in your life...

I’m an ordinary man
(Music and lyrics by: Alan Jay Lerner and Frederick Loewe)

Well after all, Pickering, I'm an ordinary man,
Who desires nothing more than an ordinary chance,
to live exactly as he likes, and do precisely what he
wants...
An average man am I, of no eccentric whim,
Who likes to live his life, free of strife,
doing whatever he thinks is best, for him,
Well... just an ordinary man...
BUT, Let a woman in your life and your serenity is
through,
she'll redecorate your home, from the cellar to the dome,
and then go on to the enthralling fun of overhauling you...
Let a woman in your life, and you're up against a wall,
make a plan and you will find,
that she has something else in mind,
and so rather than do either you do something else
that neither likes at all You want to talk of Keats and
Milton,
she only wants to talk of love,
You go to see a play or ballet, and spend it searching
for her glove, Let a woman in your life
and you invite eternal strife,
Let them buy their wedding bands for those anxious little
hands...
I'd be equally as willing for a dentist to be drilling
than to ever let a woman in my life, I'm a very gentle
man,
even tempered and good natured
who you never hear complain,
Who has the milk of human kindness
by the quart in every vein,
A patient man am I, down to my fingertips,
the sort who never could, ever would,
let an insulting remark escape his lips
Very gentle man...
But, Let a woman in your life,
and patience hasn't got a chance,
she will beg you for advice, your reply will be concise,
and she will listen very nicely, and then go out
and do exactly what she wants!!!
You are a man of grace and polish,
who never spoke above a hush,
all at once you're using language that would make
a sailor blush, Let a woman in your life,
and you're plunging in a knife,
Let the others of my sex, tie the knot around their necks,
I prefer a new edition of the Spanish Inquisition
than to ever let a woman in my life I'm a quiet living man,
who prefers to spend the evening in the silence of his
room,
who likes an atmosphere as restful as an undiscovered tomb,
A pensive man am I, of philosophical joys,
who likes to meditate, contemplate,
far for humanities mad inhuman noise,
Quiet living man...
But, let a woman in your life, and your sabbatical is
through,
in a line that never ends comes an army of her friends,
come to jabber and to chatter
and to tell her what the matter is with YOU!,
she'll have a booming boisterous family,
who will descend on you en mass,
she'll have a large wagnerian mother,
with a voice that shatters glass,
Let a woman in your life,
Let a woman in your life,
Let a woman in your life I shall never let a woman in my
life.

(Do musical My Fair Lady, que acaba de ganhar uma montagem brasileira em São Paulo.)

A Pele

(Fur: An Imaginary Portrait of Diane Airbus, EUA, 2006)



Mais do que pele, pêlos. Mais do que uma biografia imaginária da fotógrafa Diane Arbus, uma fábula através do olho mágico da porta, onde Alice, ou melhor, Diane (Nicole Kidman), mulher de um renomado fotógrafo de propaganda (Ty Burrell), cansada de ajudá-lo a fotografar somente a perfeição impressa no sorriso das modelos para catálogos de roupas, e com o apoio inicial do marido, é atraída para o apartamento de seu vizinho, Lionel Sweeney (Robert Downey Jr.), um homem com o corpo coberto de pêlos, que, recluso, vive de fabricar perucas e, aos poucos, a introduz no mundo noturno dos indivíduos imperfeitos e suas deformidades físicas, que a deixarão cada vez mais fascinada, a ponto de abalar o casamento dela e moldar-lhe uma nova perspectiva sobre os seres, que será então decisiva para seu trabalho como fotógrafa.

Basicamente uma versão moderna de A Bela e a Fera, com toques lynchianos, assinalados pela presença de anões, gigantes, bizarrices e pela constante atmosfera onírica, e algum fetiche no começo, bem ao gosto do diretor Steven Shainberg, de Secretária (2002), o que chega a incomodar, mas que melhora muito quando o relacionamento entre Diane e Lionel se aprofunda, sustentada pelas ótimas interpretações dos dois atores e por recriar imaginativamente a gênese da obra de uma artista admirável, sem se ater a detalhes de uma biografia tradicional, contada passo a passo e com intenções "nobres".

segunda-feira, março 12, 2007

Mães, filhos, etc.

All women become like their mothers. That is their tragedy. No man does. That's his.

Ou:

Todas as mulheres se parecem com as mães. Essa é a tragédia delas. Os homens, não. Essa é tragédia deles.

(by Oscar Wilde, in "The Importance of Being Earnest")

Sombras

(Shadows, EUA, 1959)



Filma-se o mundo e as pessoas inseridas nele sem artifícios, mas com energia e entrega. Pela noite, a câmera de John Cassavetes, em seu filme de estréia como diretor, erra junto com um grupo de jovens por uma Nova Iorque sem glamour, mas cheia de vida. Um deles, Tony (Anthony Ray), enamora-se de Lelia (Lelia Goldoni), que conhece numa festa tipicamente beatnik, ao som de jazz e em meio a discussões existencialistas. Depois da transa, descobre que, mesmo com a pele bem clara, ela vem de uma família de negros, um deles músico de jazz, o que o perturba e leva a abandoná-la. Mais tarde, se arrependerá.

Pela aparência das coisas, que se movem quase que numa confusão constante, em pequenos episódios, com naturalismo, num preto-e-branco cru, chega-se neste filme enxuto à essência desses indivíduos que pernoitam ora angustiados, ora alegres e antecipa-se muitas das marcas registradas do estilo que Cassavetes depuraria mais tarde em Faces (1968) e Husbands (1970), como um grupo de rapazes vagando pela cidade, discutindo, muitas vezes brigando entre si ou com outros, a câmera solta pelas ruas, longe do estúdio, próxima ao rosto dos atores não-conhecidos, abordando um tema polêmico à época, como o relacionamento inter-racial, num registro quase que de working in progress, improvisado e direto naquilo que mostra ou deixa de mostrar, trilhando, solitário, o caminho para toda uma geração de cineastas que viria mais tarde, como Scorsese, Woody Allen, James Toback, entre outros.

sexta-feira, março 09, 2007

Post Coitum

Triste est omne animal post coitum, praeter mulierem gallumque.
[Atribuída ao médico grego Galeno (130-200 d.C.)]

Ou, de acordo com a última flor do Lácio, inculta e bela, leia-se: "Todo animal fica triste depois do coito, exceto a mulher e o galo".

Um ótimo fim de semana a todos!

Os Budas Gigantes

(The Giant Buddhas, Alemanha, 2005)



Uma civilização se constrói sobre as ruínas de outra civilização. Mas no Afeganistão há tempos não há mais civilização, só ruínas, e uma população que sobrevive em meio aos escombros e despojos de cidades arruinadas por décadas de guerras e conflitos. O que restava de vestígios de outra civilização, na forma das gigantes estátuas de Budas, esculpidas em nichos nas montanhas de Bamyiam, o antigo regime do talibã tratou de pôr abaixo em 2001, ignorando os apelos de especialistas da ONU, da Unesco e de autoridades dos EUA e da União Européia, como mostra este documentário que retoma o infame episódio. Alguns viram na destruição dessas milenares obras, cujos “olhos de rubi lampejavam à noite” e que desde a Antigüidade encantavam os viajantes e peregrinos que seguiam pela Rota da Seda, como um grito de apelo às potências, vindo de um regime cada vez mais isolado e esquecido pelo mundo. Outros, pura barbárie de um governo fundamentalista islâmico, essencialmente iconoclasta em seu monoteísmo radical, que impunha os mais severos costumes às mulheres, sobretudo, jogando o país numa era de obscurantismo, ao mesmo tempo em que dava abrigo à organização terrorista Al-Qaeda, responsável por outro atentado iconoclasta poucos meses depois, ao derrubar as torres do World Trade Center, no fatídico 11 de setembro de Nova Iorque.

Neste contemplativo documentário, nem tanto sobre o budismo e dirigido com placidez por Christian Frei, que prefere se ater a impressões de antigos relatos, digressões, depoimentos e imagens de arquivo bem utilizadas, que a uma narração ostensivamente didática, algo comum nesse tipo de produção, faz-se arqueologia dos fragmentos perdidos e interliga-os a culturas e pessoas que de alguma forma entrelaçavam-se à história das estátuas, num trabalho de escavação e reconstrução. O resultado, ao mesmo tempo em que tenta entender as razões e motivações dos talibãs e da cultura islâmica para a destruição, é também um lamento silencioso, ao som de Philip Glass, ele mesmo budista, sobre a facilidade com que as civilizações, pilhadas, são reduzidas ao pó. O que resta, depois, é recolhido em cacos e fragmentos de escavações arqueológicas, às vezes remontados ou reconstruídos por meio de reproduções computadorizadas ou para servir de referência para simulacros popularescos erguidos como atrações de parques, como o Buda erguido na China, cópia da estátua afegã destruída, e cujas obras acabaram arruinando outro sítio arqueológico nas proximidades. Ou então desaparecem para sempre, restando apenas a memória ou registros de relatos que um dia deixarão de existir também.

Motoqueiro Fantasma

(Ghost Rider, EUA, 2007)



Um Fausto moderno, com ambientação que retoma muito das paisagens desérticas dos westerns, aqui trocando o cavalo pela motocicleta envenenada do jovem motoqueiro Johnny Blaze, que faz um pacto com Lúcifer (Peter Fonda) para salvar o pai, com câncer terminal. O pai, no entanto, morre. E Johnny, cheio de culpa, errará pelo mundo, ou melhor, pelo sul dos EUA, se apresentando em shows de saltos de motocicletas, como um Evel Knievel imortal, em números cada vez mais perigosos e arrojados, até o dia em que Satã pessoalmente aparece para cobrar dele uma dívida antiga. À noite, Blaze (Nicolas Cage) então se transformará no mensageiro do diabo, o personagem-título, uma caveira em chamas, que é um autêntico Hell’s Angel, capaz de transitar entre o mundo dos mortos e dos vivos. Além disso, terá que enfrentar como oponentes uma gangue de anjos do mal, liderados por Coração Negro (Wes Bentley), filho de Satanás, pronto a desafiar Deus e o Diabo e tornar o mundo dos homens em um autêntico inferno (como se já não fosse assim!). Vai enfrentá-los no duelo final numa cidade fantasma que era uma espécie de Sodoma do Velho Oeste. Também reencontrará uma antiga paixão (Eva Mendes), a praga de quase todo herói (ou anti-herói, no caso) dos quadrinhos.

Ótimo personagem, um cavaleiro moderno repleto de preocupações metafísicas ao mesmo tempo em que é fascinado por máquinas, jujubas e The Carpenters. Filme, nem tanto. Sem estilo, demora a pegar fogo, literalmente, como prometia o já fraco trailer. Esquecível, apesar das curvas de Eva Mendes, dos efeitos especiais eficazes e da atuação até que cool de Cage, ele mesmo antigo fã de quadrinhos.

quinta-feira, março 08, 2007

Tempestade d'Alma

(The Mortal Storm, EUA, 1940)

A ascensão de Hitler na Alemanha de 1933 é o pano de fundo deste drama trágico, levado com fluidez por Frank Borzage, obtida pela intensa movimentação de câmera, especialmente nos momentos finais. Nem tão pano de fundo assim, no entanto, já que a chegada do Führer ao poder afetará de forma inexorável a vida da família do professor Victor Roth (Frank Morgan), eminente fisiologista, até então querido por todos, que verá seus dois enteados e os seus alunos juntarem-se à histeria ariana, perseguindo e espancando opositores e queimando livros bem diante de sua sala na universidade. Seu próprio trabalho será contestado pelas absurdas leis raciais. No entanto, um amigo da família e ex-aluno de Roth, o veterinário Martin (James Stewart), liberal, se recusará a participar do movimento, sendo obrigado a refugiar-se na casa da mãe nos Alpes e depois a fugir para a Áustria. Sua amiga de longa data e filha do Dr. Roth, a bela Freya (Margaret Sullavan), então noiva de Fritz (Robert Young), militante ariano e ex-colega de Martin, se manterá ao lado de Martin e do pai, rompendo o noivado em definitivo. Após o envio do pai para um campo de concentração e as inúteis tentativas de libertá-lo, tentará também fugir para a Áustria, com a mãe. Sua união com Martin, que parecia provável, vai ficando cada vez mais difícil, quando é barrada na fronteira, Martin se verá obrigado a resgatá-la e conduzi-la pelos Alpes, por uma passagem secreta, numa seqüência belíssima e cheia de dramaticidade, na qual os dois serão então perseguidos pelos guardas de Fritz, que selará o destino dos dois, na vastidão branca das montanhas que se erguem para um céu tranqüilo, indiferente às inexplicáveis tormentas que atingem os seres e que, de tempos em tempos, arremessa-os para lados opostos e inconciliáveis, conforme assinala a narração inicial.

Intenso ainda o amor de Martin por Freya, entrevisto nos detalhes e que os conduzirá pelas montanhas e para além delas. Pena que são poucas as cenas com os dois juntos, limitadas pelo contexto político, vividos pelo adorável par de A Loja da Esquina (The Shop Around the Corner, 1940). Ainda assim, um filme pontuado por imagens poéticas, mesclando as tormentas da natureza com o drama dos indivíduos de forma inesquecível, e que fez com que Hitler, ao ver este filme da MGM, banisse da Alemanha todas as produções do estúdio. No final, a silenciosa mesa vazia da família Roth, tão festiva no começo, fecha o filme com um travo doloroso.

Sexo e um adendo

Os ricos transam. Os pobres procriam. E a classe média, enquanto transa, preocupa-se com as prestações não pagas da cama ou em não manchar demais o edredon.

quarta-feira, março 07, 2007

PoP! Goes My Heart - Letra e Música

Back to the 80's, with Hugh Grant. Fucking funny!

Letra e Música

(Music and Lyrics, EUA, 2007)



O filme de Marc Lawrence repete a estrutura de inúmeras comédias românticas do tipo “boy gets girl, boy loses girl, boy marries girl”, como já assinalaram. No caso um big boy, Hugh Grant. Na vida real não é assim, nunca será, pois se sofremos para ter quem se ama, quando se ama, sofre-se também ao tê-lo, isso quando se tem. Mas divago, exagerando como sempre. O fato é que o filme, de história batida, é sustentado basicamente pela doçura de Drew Barrymore, no papel de Sophie Fisher, antes encarregada de cuidar de plantas, tornada por acaso compositora de letras de canções, e pelas boas tiradas, cheias de wit, de Hugh Grant, como Alex Fletcher, ex-cantor de um conjunto dos anos 80, PoP!, sucesso na época, e dono das plantas que Sophie afoga de vez em quando. Hoje, ele, como solo, sobrevive cantando velhos hits seus em feiras, parques temáticos e teatros para as saudosas fãs, todas quarentonas. Poderia cantar em museus também, já que vive inteiramente do passado. Uma oportunidade surge de voltar ao estrelato e, para isso, precisa desesperadamente compor um single para uma nova musa pop new age, Cora Corman (Haley Bennett), tipo dessas cantoras gostosinhas, loiras e descartáveis que surgem às dezenas. Fisher e Fletcher terão de correr, já que o prazo é de menos de uma semana. A partir de então, desenrolar-se-á a relação entre eles, com os resultados esperados.

Dito o começo, adivinha-se o fim, importam as complicações do meio, que não serão tantas, algo a ver com um ex-namorado dela (Campbell Scott) e imposições comerciais na letra final da canção composta, até o desenlace romântico. Mas, ainda assim, é divertido em alguns momentos. Na abertura do filme, por exemplo, é muito engraçado, mas muito engraçado mesmo, o clipe da antiga banda de Grant, uma variação de Duran Duran com Wham!, feita de rebolados, penteados esquisitos e filmado com o mesmo jeitão dos clipes de grupos semelhantes (e reais) que abundavam nos anos 80, hoje nostálgicos em sua hilaridade brega. Essa seqüência vale o filme inteiro. No geral, nada muito profundo, mas bom de ver, especialmente pelo entrosamento da dupla Grant/Barrymore. A nota dissonante vai para o aspecto do filme, escuro e mal-fotografado em determinadas cenas, com textura de vídeo digital e acabamento apressado e desleixado.

terça-feira, março 06, 2007

Notas Sobre um Escândalo

(Notes on a Scandal, Reino Unido, 2006)



Numa sociedade de desejos reprimidos, como a britânica, o escândalo do título virá, de uma forma ou de outra, neste drama intimista, adaptado por Patrick Marber (Closer) de romance de Zöe Heller, em que uma veterana professora de História, a solitária Barbara Covett (Judi Dench), afeiçoa-se obsessivamente pela colega recém-chegada numa escola reformista de Londres, Sheba Hart (Cate Blanchett), e que vai ensinar Artes Plásticas. Descobrirá que ela, uma “burguesa boêmia”, casada com um homem bem mais velho (Bill Nighy) e mãe de dois filhos, um deles portador de Síndrome de Down, está tendo um caso com um dos alunos (Andrew Simpson), de 15 anos, e em vez de delatá-la para o diretor, para o qual não tem a mínima simpatia, guardará a informação para si de forma a manipular Sheba e se aproximar ainda mais dela, com desdobramentos dramáticos para todos os envolvidos. “Estamos unidas por um segredo que dividimos”, Barbara sentenciará certo momento, provocando o dilaceramento a partir da palavra, sutilmente enunciada. Mas também pagará por isso.

Narrado a partir das páginas do diário de Barbara, num tom ora amargo, ora irônico, mas sempre contundente, pela direção precisa de Richard Eyre (Iris, 2001), o suspense progride de forma envolvente, apoiado pelo trabalho de um elenco excepcional, com duas atrizes esplêndidas, como sói acontecer no cinema britânico, e pela música de Philip Glass, que há tempos nunca se encaixara tão bem na narrativa como aqui, dando mais fluência ao andamento concentrado da história. Como na série para piano Metamorphosis, escrita nos anos 80, ou nas trilhas sonoras que compôs para Koyaanisqatsi (1982), Mishima (1985), Kundun (1997) ou Roubando Vidas (2004), Philip Glass tem feito o mesmo tipo de música estruturada na repetição de pequenos trechos melódicos ou rítmicos, com pequenas variações através de grandes períodos de tempo, e sutis modulações harmônicas, dando ao ouvinte a sensação de hipnose ritualista, num contínuo fluxo de vai-e-vem. Na cena final do filme, por exemplo, após a eclosão do escândalo, a composição de Glass assinala que tudo voltará a ocorrer, com novas vítimas, inocentes ou não, e novas páginas do diário de Barbara serão preenchidas. De novo, de novo e de novo.

Publicidade

Agência pequena, egos gigantescos.

Domino, miserere mei!

segunda-feira, março 05, 2007

Faces

(Faces, EUA, 1968)



O cinema à deriva de John Cassavetes que, aos trancos, em enquadramentos imprecisos, tortos, grudando sempre a câmera no rosto ou nas “faces” dos atores, numa série de close-ups desconfortáveis, acompanha as trajetórias paralelas de um homem, Richard (John Marley), e uma mulher, Maria (Lynn Carlin), rico casal, recém-separado, no entanto, numa longa jornada noite adentro, de jazz, bebedeira, flertes com outros, mas, sobretudo, de vazio e angústia, à maneira de A Noite (1961), de Michelangelo Antonioni, e Noite Vazia (1965), de Walter Hugo Khouri. Em Los Angeles, Richard, com um colega, se junta a Jeannie (Gena Rowlands), uma prostituta, numa farra pontuada por jargões anarquistas, piadas idiotas, nostalgia, danças e bebidas. Enquanto isso, sua mulher, com as amigas, leva para a casa um jovem de Detroit, Chet (Seymour Cassel), que conheceram num clube noturno. Ela terá a sua noite de prazer com ele. Mas finalmente cederá ao desespero, ao confrontar-se com o desmoronamento do casamento, que parece definitivo.

Em cortes bruscos que interligam longas seqüências desconjuntadas, pouco a pouco desmontam-se as certezas e as convicções da classe média alta americana, sempre arrumadinha na aparência, e as hipocrisias e as ilusões do casamento, de qualquer casamento. Em mais de duas horas, o tédio também tomará conta do espectador, neste filme que sedimentou o estilo cinema verité, improvisado, de John Cassavetes, claramente influenciado pela Nouvelle Vague. Tudo muito incômodo, tudo muito verdadeiro.

Mais detalhes, no ótimo texto de Effie Rassos: http://www.sensesofcinema.com/contents/01/16/cassavetes_faces.html

sexta-feira, março 02, 2007

Tempus fugit

"Nós matamos o tempo, mas ele enterra-nos."
(by Machado de Assis)

E para todos os que apostaram na Mega Sena ou que continuarão apostando, lembrem-se sempre do velho ditado da vulgata de Lorde David:

A esperança é a última que morre. Você morre antes.

Bom fim de semana a todos!

A Loja da Esquina

(The Shop Around the Corner, EUA, 1940)



Ah, que felicidade este filme! Que encanto! Que primor!

A quintessência das comédias românticas, numa versão agridoce das comédias de lojinha, bem comuns no Leste Europeu e freqüentes na fase muda de Ernest Lubitsch no início de sua carreira, na Alemanha. Aqui, na loja de artigos de couro do senhor Matuschek (Frank Morgan), em Budapeste, os vendedores Alfred Kralik (James Stewart) e Klara Novak (Margaret Sullavan), entre bolsas, carteiras e cigarreiras que tocam música cigana, trocam rusgas e farpas o dia inteiro, enquanto secretamente dividem apaixonadas confissões em cartas anônimas. Marcam o encontro e, entre quiproquós vários, desencontram-se, mas a esperança se renova a cada nova carta recebida por um ou por outro. Alfred, junto com o colega, no entanto, descobre a identidade dela, mas trata de ocultar esse segredo a seu favor, enquanto é despedido pelo patrão e readmitido novamente como gerente, depois de Matuschek descobrir que a sua esposa andava de caso com um dos empregados, o fofoqueiro Ferencz Vadas (Joseph Schildkraut), e sofrer um colapso, seguido à frustrada tentativa de suicídio, afastando-se da loja em plena época de Natal.

No filme inteiro, conduzido com suavidade e elegância por Lubitsch, o famoso “toque de Lubitsch” em sua conhecida irreverência e malícia está aqui menos evidente. Põe, no entanto, a humanidade dos personagens em relevo, ao expor em finos diálogos um microcosmos de pessoas comuns, sem muitas ambições, mas que amam, que querem ser amadas, que sofrem, que se sentem sós ou com medo, que ficam felizes uma hora, para em seguida desapontarem-se, em momentos genuinamente comoventes, a maioria deles a cargo do sempre honestíssimo James Stewart, incapaz de ser maldoso ou malicioso, e em perfeita sincronia com Margaret Sullavan. Juntos, os dois já haviam estrelado Amemos Outra Vez (Next Time We Love, 1936), de Edward H. Griffith, O Último Beijo (The Shopworn, 1940), de H.C. Potter, e voltariam ainda em Tempestade d’Alma (The Mortal Storm, 1940), de Frank Borzage. Sobre o filme, por quem Lubitsch tinha grande carinho, chegou a declarar uma vez: “Em termos de comédia humana, creio que jamais fui tão bom como em A Loja da Esquina. Nunca fiz um filme em que a atmosfera e os personagens fossem mais reais”.

Esta obra-prima ganharia depois uma versão musical nas mãos de Robert Z. Leonard, A Noiva Desconhecida (In the Good Old Summertime, 1949), uma adaptação para a Broadway em 1963 ("She Loves Me") e, enfim, seria estraçalhada por Nora Ephron em Mensagem para Você (You’ve Got Mail, 1998), transpondo a ação das simpáticas lojinhas de Budapeste para a Nova Iorque competitiva das megalivrarias, e substituindo as cartas pelas salas de bate-papo na Internet, onde tudo é mais volátil, fugaz, falso e, conseqüentemente, inverossímil, apesar do tom "fofinho" da comédia estrelada por Tom Hanks e Meg Ryan.

quinta-feira, março 01, 2007

Vencido pela Lei

(Manhattan Melodrama, EUA, 1934)



Dois amigos tornados irmãos, quando viram órfãos num naufrágio no East River e são criados por um judeu (Harry Green), também sobrevivente da tragédia. Tornam-se órfãos novamente, e crescem trilhando caminhos opostos. Um, James W. Wade (William Powell), todo aplicado, torna-se advogado, promotor e, mais tarde, governador do estado de Nova Iorque. Outro, Blackie Gallagher, vira contraventor com a cara de Clark Gable, dirigindo cassinos ilegais e bancadas de apostas de jogatina. Entre eles, uma dama, no caso Myrna Loy, no papel de Eleanor Packer, então amante de Blackie, mas que ao conhecer Wade, recém-vitorioso promotor público de Nova Iorque, larga o galã criminoso e opta pela segurança de um casamento com o austero, mas ambicioso Wade (coisas de mulher!). Mas a fidelidade de Blackie ao amigo de longa data será maior. Como fora-da-lei, Blackie manterá Wade dentro da lei, ao eliminar um rival seu, disposto a importuná-lo com provas de um processo em que Wade teria negligenciado evidências contra Blackie, pela amizade, quando concorria para governador. O assassinato, no entanto, colocará Wade e Blackie em lados opostos no tribunal. Wade será então mais fiel aos seus princípios éticos e não hesitará em pedir a pena capital para Blackie, durante o julgamento. Dura lex sed lex. Mais tarde, já eleito governador, terá a chance de mudar a sentença de Blackie. Continuará fiel ao amigo ou à lei, à dura lei? Será que a justiça julga mesmo os homens como iguais? E a sua esposa, ainda ligada a Blackie, apoiará Wade em sua decisão? São algumas das questões deste melodrama sombrio de W.S. Dyke, tipicamnte old fashion, com sólidas performances do trio de protagonistas, roteiro enxuto e excelente fotografia expressionista em preto e branco, antecipando os tons ainda mais soturnos dos film noirs dos anos 40. E apesar de Gable, William Powell e Myrna Loy parecem mesmo que foram feitos um para o outro, como demonstraria o sucesso da série de filmes estrelados pela dupla de A Ceia dos Acusados (1934) e suas subseqüentes continuações, além deste soberbo melodrama da MGM. Porém, nunca foram casados na vida real.

Como curiosidade histórica, na saída da sessão deste filme, no cinema Biograph Theater, de Chicago, o notório criminoso John Dillinger era finalmente morto, depois de intensa busca, numa emboscada do FBI armada graças à dica da amante do gângster, Ann Sage (“The Woman in Red”), alcoviteira de um bordel de Chicago, na noite de 22 de julho de 1934, aos 31 anos, um mês após o dirigente máximo do Bureau (e dublê de travesti), Edgar J. Hoover, tê-lo declarado inimigo público número 1.